Games e exercícios são apostas para evitar os sintomas do mal de Alzheimer
Estudos mostram eficácia do treinamento cognitivo na prevenção da demência
Efeitos. A professora aposentada Dulcinéa Lourenço, de 82 anos, é uma
das 20 participantes do estudo científico e já relata esquecimentos
menos frequentes em tarefas do dia a dia
- Bárbara Lopes
Duas vezes por semana, a professora aposentada Dulcinéa
Lourenço, de 82 anos, vai de sua casa, no Rio Comprido, até a PUC-Rio,
na Gávea, apenas para jogar videogame. A diversão é garantida, mas não é
esse o objetivo. Ela participa de um estudo científico que avalia os
efeitos do treinamento cognitivo com uso de jogos eletrônicos na
prevenção ao Alzheimer e retardamento dos sintomas da demência. Apesar
de ainda não ter completado as 40 horas propostas pelo treinamento,
Dulcinéa diz já perceber melhorias na qualidade de vida, principalmente
na memória.
— Era comum eu esquecer onde tinha guardado as coisas, era difícil
lembrar onde tinha colocado os óculos.
Agora eu lembro — conta Dulcinéa.
— Minha cabeça melhorou muito. Eu saía da sala e ia para a cozinha
pegar alguma coisa e esquecia o que era. Isso não acontece mais.
O estudo está sendo coordenado pelo neurocientista da UFRJ Rogério
Panizzutti, com cerca de 20 participantes, todos idosos e sadios, sendo
que alguns apresentam declínio cognitivo leve, mas sem diagnóstico de
Alzheimer. O objetivo é comprovar a eficácia do treinamento cognitivo
computadorizado na prevenção dos sintomas da demência, além de indicar
possíveis “dosagens” de treinamento, apontando o número de sessões e a
ordem dos exercícios mais eficazes.
— No momento, estamos buscando evidências científicas para pleitear
uma aprovação terapêutica de órgãos reguladores, como a FDA. Hoje, o
treinamento cognitivo funciona como promotor da saúde, não como
tratamento — diz Panizzutti. — É como uma academia de ginástica, só que
para o cérebro.
Setembro é o Mês Mundial do Alzheimer — dia 21 é o dia em que se
comemora a luta contra a doença — que visa alertar a população sobre a
enfermidade que afeta a vida de milhões de pessoas em todo o mundo.
De
acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 47,5
milhões de pessoas convivem com algum tipo de demência, sendo que o
Alzheimer é responsável por cerca de 70% dos casos.
AGILIDADE DE PENSAMENTO
As especulações em
torno do efeito positivo do treinamento cognitivo com uso de jogos
eletrônicos na prevenção do Alzheimer são antigas, mas eram de poucas a
inexistentes as evidências científicas. Há dois anos, um documento
assinado por mais de 70 pesquisadores das mais renomadas universidades
do mundo se opôs “à afirmação de que jogos cerebrais oferecem aos
consumidores um caminho cientificamente fundamentado para reduzir ou
reverter o declínio cognitivo”.
Treino. Hayde Brasileiro, de 71
anos, joga videogame, uma estratégia que conta com evidências
convincentes na redução do declínio cognitivo
- Bárbara Lopes / Agência O Globo Em
julho deste ano, durante o encontro anual da Alzheimer’s Association,
em Toronto, no Canadá, foi apresentado o primeiro estudo em grande
escala e de longo prazo com evidências convincentes de que, sim, o
treinamento cognitivo com jogos eletrônicos é capaz de reduzir os riscos
de desenvolvimento de demência.
— Sim, nós podemos dizer que o treinamento cognitivo pode retardar o
desenvolvimento dos sintomas da demência. Evitar, eu não diria, mas
mostramos que é possível atenuar o declínio cognitivo — explica Jerri
Edwards, professora de Estudos do Envelhecimento na Universidade do Sul
da Flórida, em Tampa, na Flórida.
A pesquisa ACTIVE (Advanced Cognitive Training for Independent and
VitalElderly) foi realizada com 2.832 participantes, com idades entre 65
e 94 anos, recrutados em 1998. Eles foram divididos aleatoriamente em
quatro grupos, sendo um de controle, dois com oficinas em sala de aula
sobre como melhorar a memória e, o último, com treinamento cognitivo com
uso de computador, especificamente com um exercício conhecido como
“speed of processing” (velocidade de processamento), sendo que uma
parcela recebeu sessões adicionais.
Uma década depois, os pesquisadores mantiveram contato com
praticamente todos os participantes, com exceção de 47. Mais de 300
participantes desenvolveram demência durante esse período, mas as taxas
variaram bastante entre os grupos. No controle, o percentual foi de 14% —
menos de metade da taxa média para americanos na casa dos 80 anos, o
que era esperado, pois os participantes eram sadios no início do
experimento —, e entre os que realizaram o treinamento cognitivo o
índice foi ligeiramente menor, de 12,1%. Mas entre os que receberam
sessões adicionais, a taxa foi de apenas 8,2%.
— O que nós demonstramos foi que os que completaram 11 ou mais
sessões de treinamento reduziram o risco do desenvolvimento de demência
em 48% no período de dez anos — diz Jerri. — Eu acredito que esse
treinamento é eficaz porque incentiva os participantes a recuperarem a
agilidade no pensamento, a velocidade que perderam naturalmente com o
avançar da idade.
Dulcinéa e as colegas Marluça da Costa, de 84 anos, e Hayde
Brasileiro, de 71, confirmam essa melhoria observada por Jerri. Lúcidas e
ativas, elas ressaltam a importância de exercitar a mente, conscientes
das perdas com o avançar da idade.
— Para a perna, a gente usa muleta; para o braço, usa o outro braço,
mas para a cabeça não tem jeito. Precisa cuidar, porque é ela que
coordena todo o resto — diz a sorridente Dulcinéa.
Valesca Marinho, do Departamento de Psicogeriatria da Associação
Brasileira de Psiquiatria, concorda com a importância de se manter o
cérebro ativo. Segundo ela, a ideia é “ganhar tempo”, fazer com que o
mal chegue mais tarde à vida das pessoas.
Apesar dos avanços nas pesquisas, ainda não existe cura para a
doença, só formas de reduzir os riscos. A primeira recomendação é seguir
a receita de que o que faz bem para o coração, faz bem para o cérebro.
Praticar exercícios físicos, abandonar o cigarro e manter uma
alimentação saudável melhoram a capacidade vascular, inclusive no
cérebro. Cuidar do sono e tratar distúrbios psicológicos ajudam a
retardar o declínio cognitivo.
— Se não for possível fazer esses treinamentos no computador, as
pessoas podem ler, jogar cartas, dominó... Realizar atividades que
ponham o cérebro em movimento de forma prazerosa.
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