Primeiro remédio para atrofia espinhal será submetido à Anvisa
Recém-aprovado nos EUA, medicamento promoveu melhora em bebês que têm a doença
A aprovação da droga nos EUA gerou repercussão internacional. No Brasil, famílias de vítimas desse mal usaram as redes sociais para manifestar sua esperança de que o medicamento chegue ao país. O caminho é longo, mas uma empresa responsável pelo remédio informou que vai enviar, no início do ano, a documentação para solicitar o registro à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Neuropediatras que atuam no país já começaram a se organizar para entender mais sobre a droga.
A atrofia muscular espinhal é causada pela ausência ou pelo defeito de um gene, o SMN-1, sigla em inglês para “sobrevivência do neurônio motor”. Mesmo sem saberem, muitas pessoas carregam uma cópia do gene defeituoso, sem serem afetadas. Mas, quando pai e mãe têm cópias do gene problemático, há 25% de risco de o filho nascer com a doença. Embora as funções desse gene não sejam totalmente compreendidas, certo é que os neurônios motores morrem quando ele não funciona bem. E, sem as células neuromotoras da coluna espinhal — responsáveis pela comunicação entre o cérebro, a coluna e os músculos —, até o ato de respirar passa a exigir um esforço extraordinário.
À medida que essas células morrem, os bebês manifestam sintomas como dificuldade de mover os membros, manter o tronco ereto e engolir. Existem quatro tipos de AME, e as crianças que têm o mais severo, o tipo 1, nascem com a expectativa de viver apenas até os 2 anos de idade. Quem tem os tipos 2 e 3, dependendo do grau de gravidade, pode chegar à vida adulta; e, nos que têm o tipo 4, uma minoria, os sintomas só aparecem quando adultos. Mas a longevidade dos portadores dessa doença depende de quantas cópias eles carregam de um gene ligeiramente diferente, o SMN-2, que produz uma quantidade modesta da mesma proteína, SMN.
DROGA ‘ENGANA’ GENE
A nova droga se baseia em um fragmento de RNA modificado que “obriga” o gene SMN-2 a produzir a proteína SMN em seu comprimento total, de forma estável, fazendo o papel que seria do gene SMN-1. A aplicação da droga é feita por meio de injeção no local por onde circula o líquido que envolve a medula espinhal e o cérebro. No início da terapia, as doses são frequentes, e, depois, passam a ter intervalos maiores. O laboratório Ionis Pharmaceutical e a empresa de biotecnologia Biogen, que desenvolveram o medicamento, preparam-se para começar a vendê-lo, mas ainda não divulgaram o preço.
Dos 20 bebês que iniciaram o tratamento durante 2014 e 2015, por exemplo, 13 estão vivos e respirando por conta própria, hoje, aos 2 e 3 anos de idade. Com tantos resultados positivos, dois testes chegaram a ser interrompidos este ano porque se considerou antiético manter algumas crianças no grupo de controle — aquele que não recebe a droga para proporcionar uma comparação com o grupo que recebe o medicamento. Nesses dois testes, o nusinersen passou a ser dado a todas as crianças do estudo. A evolução desses pacientes foi descrita num artigo publicado na revista “The Lancet” deste mês.
— Estamos essencialmente no caminho para a verdadeira cura de uma doença neurológica degenerativa, o que é inédito — comentou em entrevista à “Science Magazine” o neurologista americano Jeffrey Rothstein, da Escola de Medicina Johns Hopkins, que não participou do estudo.
Com a terapia, nem todas as crianças foram salvas: três morreram antes do primeiro ano de vida por infecções respiratórias. Um quarto bebê morreu de asfixia após completar um ano. Ainda assim, quando as células cerebrais e da medula espinhal deles foram examinadas na autópsia, havia evidências de que o nusinersen fez o SMN-2 produzir de duas a seis vezes mais da proteína protetora do neurônio motor.
‘MOMENTO MARCANTE’
No Brasil, a aprovação da droga pelo FDA foi recebida com entusiasmo. A página da Associação Amigos da Atrofia Muscular Espinhal (AAME) no Facebook recebeu mensagens de diferentes estados e publicou uma série de perguntas e respostas sobre o medicamento. Fundadora do grupo, Izabel Kropsch, que perdeu uma filha para a doença, destaca que esta é a primeira esperança concreta, mas é preciso “ajustar expectativas para não se frustrar”.
Professora associada de Neuropediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexandra Prufer enviou uma carta às associações de AME afirmando que uma rede de especialistas brasileiros quer ajudar nesse processo. “Os neuropediatras estão se organizando para listar pelo menos um colega por estado que possa receber informação sobre as pesquisas, entender a forma de uso, os efeitos colaterais e a estrutura necessária para administração do medicamento”, diz a carta. “Para ter indicação para futura prescrição do medicamento, é fundamental que se haja a confirmação genética de que as manifestações são decorrentes da alteração neste gene SMN-1 e não em outros genes”.
A empresa de biotecnologia Biogen informou, também em carta às associações, que “aguarda a aprovação da agência europeia de medicamentos e que, em breve, submeterá o pedido de registro no Brasil para apreciação da Anvisa”.
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