Os 4 irmãos centenários que podem ajudar a desvendar o segredo genético da longevidade
Projeto investiga há quase duas décadas mutações nos genes de 670 idosos a partir de 95 anos.
Quatro irmãos que viveram até depois dos 100 anos são peças centrais de
um estudo que há duas décadas investiga os genes por trás da
longevidade.
Nenhum dos irmãos Kahn, que nasceram em Nova York na década de 1910, se
importava em ter hábitos muito saudáveis. Mesmo assim, eles viveram até
os 102, 107, 109 e 110 anos.
A irmã mais velha, Helen, fumou por mais de 90 anos. "Ela dizia que o
segredo de sua vida longa era exatamente ela ter fumado tanto", contou à
BBC Brasil Nir Barzilai, diretor do Instituto para Pesquisa do
Envelhecimento na Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York.
Barzilai coordena desde 1998 o Projeto dos Genes da Longevidade, que
investiga o material genético e o histórico médico de 670 idosos e seus
filhos. Fazem parte do estudo judeus asquenazes - provenientes da Europa
Central e do Leste e que têm um material genético historicamente mais
homogêneo, ideal para a pesquisa.
Na época da coleta de amostras, eles tinham idades entre 95 e 112 anos,
e eram todos saudáveis. Boa parte, como os irmãos Kahn, já faleceu, mas
seus genes continuam trazendo novas respostas sobre como é possível
viver tanto.
"Fico fascinado por pessoas como os Kahn; me intriga como a idade
cronológica de alguns parece não combinar com a biológica", comenta
Barzilai. "E em centenários, hoje já temos evidências de que a genética
tem um papel muito maior que o ambiente".
Entre os irmãos Khan, Irving começou sua carreira antes da Grande
Depressão, de 1929, e há três décadas coordenava o fundo de hedge Kahn
Brothers Group, que ele próprio fundou. Até os 106 anos, ele ainda
trabalhava todos os dias na movimentada Wall Street e gerenciava US$ 700
milhões (R$ 2,7 bilhões) em ativos.
"Eu pagaria se você tirasse (o trabalho) de mim, eu o compraria de
volta", disse Irving numa entrevista concedida para a pesquisa aos 104
anos, cinco anos antes de sua morte, em 2015.
Irving também fumou por anos. Aliás, entre os centenários do estudo,
30% das mulheres e 60% dos homens fumaram durante a maior parte da vida.
Além disso, 50% eram obesos e 50%, sedentários. Mesmo assim, eram mais
saudáveis que os demais indivíduos do estudo (o grupo controle).
Barzilai faz questão de ressaltar que os hábitos saudáveis e o avanço
da medicina continuam sendo essenciais para a longevidade dos humanos.
A população mundial de centenários vem, inclusive, crescendo com o
passar dos anos: de 2,9 centenários em cada dez mil adultos em 1990 para
7,4 em dez mil, em 2015, segundo a ONU.
Mas a principal conclusão de Barzilai é que há genes que protegem os
humanos de doenças relacionadas ao envelhecimento, como câncer, doenças
cardiovasculares e neurológicas.
O bom colesterol
No caso dos irmãos Kahn (e de outros indivíduos pesquisados), as
análises encontraram mutações em dois genes - CETP e APOC3 - que elevam
os níveis de HDL, o "bom colesterol".
Enquanto os níveis normais de HDL da população ficam entre 40-50 mg/dL
para homens, e 50-59 mg/dL, para mulheres, os indivíduos da pesquisa
tinham em média 147 mg/dL.
O alto HDL, por sua vez, mostrou proteger contra o declínio cognitivo e o mal de Alzheimer.
"A maioria da população não tem estas mutações, mas muitos centenários
as têm", comenta Barzilai. "Com base nessas informações, já há estudos
sendo feitos por farmacêuticas para imitar a ação dessas mutações
genéticas em medicamentos".
O hormônio do crescimento
Uma nova pesquisa do grupo americano tem inspiração na natureza: cães
pequenos vivem mais que os maiores, e pôneis vivem mais que cavalos
normais.
Além disso, testes em camundongos já mostraram que baixos níveis do
hormônio de crescimento (GH) estão associados com a longevidade.
"Eu duvidava que este padrão pudesse ocorrer também em humanos", disse
Barzilai. "Mas encontramos alterações no funcionamento do hormônio de
crescimento em mais de 50% dos centenários".
Os resultados das últimas análises trazem mais detalhes sobre o
processo que já vem sendo estudado há alguns anos e serão em breve
publicados na revista científica Science Advances. Em linhas gerais,
eles mostram mutações (Ala-37-Thr e Arg-407-His) no receptor IGF1 do GH e
outros fatores que inibem o hormônio de crescimento.
Nas mulheres, este efeito é ainda maior. As idosas com níveis mais
baixos de hormônio do crescimento sobreviviam mais tempo e tinham
melhores funções cognitivas do que aquelas com níveis acima da média.
A produção do GH aumenta durante a infância, tem seu pico na puberdade e
começa a cair mais rapidamente a partir da meia idade. Por isso,
tratamentos à base dessa proteína são promovidos para desacelerar os
sinais de envelhecimento, especialmente nos Estados Unidos.
Alguns estudos já vinham sinalizando que seu uso não deveria ser
recomendado. E agora Barzilai reforça que a prática é prejudicial.
"Há médicos que estão dando GH para idosos. Mas se você quer ajudar
pessoas a envelhecer bem, você deveria pensar em ter menos GH, e não
injetar mais. Temos mais evidências de que esta prática está errada e
deveria ser interrompida", afirma o pesquisador.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) libera o
uso de medicamentos à base de GH sob prescrição médica apenas para
tratar alterações do hormônio. Mas há casos de outros usos, sem
aprovação, para fins estéticos ou melhora da performance esportiva.
As mitocôndrias
Barzilai junto a outros pesquisadores também descobriu proteínas
originadas das mitocôndrias - organelas de energia das células - que
aparecem em altos níveis no organismo de centenários e ajudam contra as
doenças do envelhecimento.
O objetivo de Barzilai é aplicar as descobertas sobre os genes da
longevidade em tratamentos futuros para fazer com que aqueles que não
têm essas mutações envelheçam com mais saúde.
Enquanto isto, outros estudos mostraram que a genética tem uma
influência de 25% na longevidade humana (não especificamente entre
centenários), como resume uma pesquisa da revista Immunity & Ageing.
Por isso, boa parte das pesquisas ainda foca em fatores ambientais que
têm impacto na extensão da vida humana e apontam tanto para o consumo da
dieta mediterrânea como para o nível de felicidade dos indivíduos.
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