Em ação, MPF exige recolhimento de remédio chinês usado pelo SUS para tratar leucemia em crianças
Procuradora alega que testes apontam "elevado grau de impurezas" no LeugiNase e pede que Ministério da Saúde volte a importar o medicamento Anginasa, que era fornecido até o ano passado.
O Ministério Público Federal (MPF) em Ribeirão Preto (SP) ingressou com
uma ação na Justiça exigindo que o Ministério da Saúde recolha todos os
lotes do medicamento LeugiNase distribuídos a hospitais públicos do
país para tratamento de leucemia linfoide aguda (LLA), doença que atinge
principalmente crianças e adolescentes.
Em nota, o Ministério da Saúde nega as acusações do MPF, destacando que
o remédio indicado foi aprovado por seis diferentes laboratórios e
explica que a compra de medicamentos oncológicos é obrigatoriedade dos
hospitais. A pasta importa o medicamento apenas para auxiliar
instituições que tem dificuldade na aquisição do produto.
Na ação, o MPF pede que a União interrompa imediatamente futuras
compras do remédio, fabricado por laboratório chinês, e volte a importar
o Anginasa, produzido por empresa japonesa em parceria com laboratório
alemão, e que era usado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até o ano
passado.
Ambos os medicamentos são nomes comerciais da substância
L-Asparaginase, que junto com outras quatro drogas é usada em processo
quimioterápico em pacientes com LLA, tipo de câncer que provoca
alterações nas células-tronco e registra cerca de 4 mil novos casos por
ano no Brasil.
Em nota, o MPF destaca que testes realizados pelo Laboratório Nacional
de Biociências (LNBio) e pelo laboratório norte-americano MSBioworks
apontam que o remédio chinês “contém grau elevado de impurezas,
apresentando 41 proteínas contaminantes, contra seis do concorrente
japonês/alemão”.
Ainda segundo o MPF, a LeugiNase não possui registro na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, apesar de ter permitido a
“importação excepcional”, o próprio órgão regulador ressaltou que não
dispõe de informações técnicas necessárias para emitir parecer
conclusivo sobre o produto.
A discussão sobre o uso desse medicamento teve início em maio, depois que o Centro Boldrini em Campinas (SP), referência na América Latina no combate ao câncer infantil, ficou sem o estoque de Anginasa e decidiu não usar a nova droga comprada pelo governo federal, alegando que o produto não tem comprovação de eficácia.
O Centro Boldrini também ingressou com ação na Justiça Federal
para que o Ministério da Saúde suspenda a importação da LeugiNase. O
pedido tem como base um teste feito a pedido da própria instituição que
apontou que 40% do medicamento está contaminado por proteínas, o que, segundo especialistas, não garante a sua eficiência.
Ainda no processo, que tramita na 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto, a
procuradora Daniela Gozzo de Oliveira ressalta que o processo de compra
da LeugiNase, realizado em 2016 e que resultou na aquisição de 30,6 mil
doses do remédio, foi marcado por inúmeras irregularidades, como
dispensa de licitação
“O Ministério da Saúde empregou a dispensa de licitação, argumentando
se tratar de uma compra emergencial. No entanto, a pasta tivera 17 meses
para normalizar o abastecimento da l-asparaginase e foi negligente ao
não realizar procedimento licitatório regular”, diz nota enviada pelo
MPF.
A procuradora destaca também que a Polícia Federal instaurou inquérito
para apurar a compra do medicamento de origem chinesa, através de uma
empresa uruguaia, que não possui estrutura física no país de origem e
cujo representante no Brasil está instalado em “pequeno e precário
escritório de contabilidade em Barueri (SP)”.
Além de exigir o recolhimento da LeugiNase já distribuída, o MPF quer
que a União suspenda novas compras e volte a importar a Anginasa, ou
medicamento similar que possua evidência científica. O remédio deverá
ser distribuído em até 10 dias a partir da decisão judicial e a
procuradora sugere multa mínima de R$ 50 mil em caso de descumprimento.
União nega laudos
Em nota, o Ministério da Saúde informou que a LeugiNase contém o
princípio ativo L-Asparaginase com atividade enzimática comprovada por
seis laboratórios, entre eles o Instituto Nacional de Controle de
Qualidade em Saúde (INCQS), e que análise não apontou contaminantes
bacterianos que possam causar danos ao usuário.
A pasta diz que o abastecimento da rede pública de saúde está regular e
que 21 estados, além do Distrito Federal, estão usando o remédio. "Na
farmacovigilância (acompanhamento junto a essas unidades), até o
momento, não se observou efeito além do esperado pela literatura
disponível", diz o comunicado enviado.
O Ministério destaca ainda que a compra de medicamentos oncológicos é
obrigatoriedade dos hospitais e que o valor já é contemplado pelos
repasses, de acordo com os procedimentos realizados. O governo federal
diz que importa a LeugiNase apenas para auxiliar instituições que têm
dificuldade na aquisição do produto.
Ainda em nota, a União defende ter seguido todos os trâmites que
permitem uma importação excepcional do medicamento, conforme parecer da
Anvisa, em janeiro de 2017, e ressalta que tem atuado com transparência,
inclusive participando de audiência pública no Congresso Nacional e
promovendo reuniões com especialistas da área.
"Por fim, a pasta ressalta que após reunião realizada em 27 de junho de
2017, a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica colocou em ata,
'não vemos aspectos graves suficientes para justificar a suspensão
imediata e retirada da Leuginase de uso'", finaliza o comunicado enviado
pelo Ministério da Saúde.
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