2/1/2016 às 13h21 (Atualizado em 2/1/2016 às 15h45)
O estranho caso da mulher que só enxerga quando
muda de personalidade
Visão tinha sido perdida por completo havia 13 anos, após ela sofrer um
acidente traumático
Mulher foi diagnosticada com cegueira cortical, causada pelo dano
cerebral ocasionado pelo acidenteBBC Brasil
Ela
tinha 33 anos quando visitou pela primeira vez a clínica psiquiátrica do médico
alemão Bruno Waldvogel acompanhada de seu cão-guia, como costumava fazer há
mais de uma década.
Tinha
perdido a visão por completo havia 13 anos, após sofrer um acidente traumático
sobre o qual os médicos não fornecem detalhes.
Na
época, ela foi diagnosticada com cegueira cortical, causada – de acordo com seu
laudo médico – pelo dano cerebral ocasionado pelo acidente.
Mas
os motivos que a levaram à clínica de Waldvogel não tinham a ver com a
cegueira.
A
protagonista desta história, cujas iniciais são B.T., também sofria de
transtorno dissociativo de identidade (múltipla personalidade) desde antes do
evento traumático.
Personalidades
diferentes
"Ela
apresentava mais de 10 personalidades", diz artigo assinado pelo doutor
Waldvogel e por Hans Strasburger, professor assistente de psicologia médica do
Instituto de Medicina Psicológica de Munique, e que também tratou a paciente.
"Ela
mudava de identidade espontaneamente. Em cada personalidade adotava nome,
idade, gênero, atitudes e temperamento diferentes", relata o
artigo, recentemente publicado na revista especializada PsyCh Journal.
— Em
alguns casos, a paciente falava até mesmo línguas diferentes; às vezes só
inglês, outras alemão e, algumas vezes, os dois idiomas misturados.
Segundo
a análise médica, a paciente havia vivido alguns anos, durante sua infância, em
um país de língua inglesa. Por isso conhecia o idioma.
"O
mais surpreendente foi quando, na quarta consulta, encarnando a identidade de
um garoto adolescente, ela recuperou a visão de repente", disse à BBC o
professor Strasburger.
— A
paciente reconheceu algumas palavras no título de uma revista. No princípio
eram só letras, mas depois, muito rapidamente, começou a visualizar objetos,
até que chegou a recuperar a visão por completo.
Os
médicos começaram a utilizar técnicas de hipnose terapêutica, e a capacidade
visual de B.T. "se estendeu a outras identidades ou estados de
personalidade", segundo o trabalho publicado.
Cegueira
'psicológica'
"É
incrível como esta paciente é capaz de mudar de um estado a outro, de modo que
às vezes ela enxerga e outras vezes não. É o primeiro caso que se conhece
dessas características", disse Strasburger.
Segundo o especialista, nenhum de seus colegas havia ouvido falar de um
algo parecido.
Waldvogel
e Strasburger chegaram à conclusão de que o primeiro diagnóstico havia sido
equivocado: a cegueira de B.T. não era cortical, porque não se devia ao
traumatismo cranioencefálico causado pelo acidente.
Se
tratava de uma cegueira "psicológica", ou uma "perturbação
psicógena da visão", tal como a descreveu Sigmund Freud em 1910.
"Não
é algo tão raro, às vezes acontece e é um conceito que se conhece há muitos
anos", explica Strasburger.
— O
que nunca havia ocorrido até agora é que uma pessoa pudesse ser cega e ver ao
mesmo tempo, de acordo com a personalidade que adote.
De
acordo com o médico, a paciente já não está em tratamento e sua situação atual
é a de uma pessoa cega que, de vez em quando, consegue ver.
Algumas
das conclusões mais interessantes do trabalho, segundo Strasburger, se referem
às "implicações da capacidade cerebral para controlar o fluxo de
informação visual".
— As
pessoas com cegueira por dano cerebral dificilmente recuperam a visão e, se o
fazem, isso leva muitos anos. O fato de que B.T. ter recuperado a visão
repentinamente é muito revelador.
O
cérebro, grande desconhecido
Neste
caso, para poder identificar a atividade cerebral da paciente, os médicos
inseriram eletrodos na parte posterior de sua cabeça, com o objetivo de medir a
resposta do sistema nervoso central aos estímulos sensoriais, o que se conhece
como "potencial visual evocado" (PEV).
—
Normalmente, a informação viaja do olho até o tálamo (no centro do cérebro) e
depois até a parte posterior, no córtex visual.
No
entanto, os psiquiatras descobriram, graças a essa técnica, que a informação
era "bloqueada" no cérebro de B.T. e não chegava a seu destino final.
—
Esse caso mostra como o cérebro é capaz de bloquear informação e também revela
que há uma base biológica nos transtornos visuais psicógenos e de múltiplas
personalidades.
O
especialista afirma que muitas pessoas creem que os as pessoas com cegueira
psicológica "fingem não ver", mas não é o que ocorre porque, de fato,
"há mecanismos no cérebro que o impedem".
De
acordo com os médicos, o caso de B.T. demonstra que as diferenças entre seus
estados da personalidade "variam de acordo com a informação sensorial e
têm fundamentos biológicos".
—
Agora mesmo você e eu estamos tendo uma conversa. Você tem a sua personalidade
e eu tenho a minha. Mas elas são, de alguma forma, inventadas: foram criadas em
alguma parte de nosso cérebro.
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