4/1/2016 às 00h10 (Atualizado em 4/1/2016 às 09h13)
Remédios sem receita: dipirona, paracetamol e
antiácidos podem prejudicar fígado, rim e levar à morte
Uso indevido desses medicamentos pode transformar em problema o que
seria uma solução
Acompanhamento médico continua a ser necessárioReprodução/Facebook
Uma dor de cabeça,
uma noite de tosse, uma febre repentina. Esses e outros motivos corriqueiros
levam muitas pessoas a buscarem medicamentos que não exigem receita para
solucionar tais incômodos. A ideia é aliviar sintomas de maneira prática e
rápida. Mas, se ingeridos de forma errada, esses remédios, que seriam uma
solução, podem trazer sérios problemas para a saúde dos pacientes.
O acompanhamento de
um médico, principalmente em relação à dosagem, continua a ser necessário,
conforme afirma Paulo Picon, consultor do comitê de medicamentos do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz. Ele defende uma limitação legal para a venda desses
produtos, mesmo ela sendo uma maneira de reduzir filas e a sobrecarga de
profissionais em um sistema de saúde saturado.
— A recomendação é
usá-los com moderação. O paciente nunca deve tomar este tipo de remédio por
mais de dois dias sem orientação médica. Deve usar a menor quantidade possível,
para aliviar uma dor e não para ficar repetindo o seu uso.
Picon, que é
cardiologista, explica de que maneira a comercialização livre pode gerar graves
complicações, também alimentadas por uma leitura ineficiente da bula e de recomendações
de uso. Segundo ele, o famoso paracetamol (Tylenol, Trimedal, Sonridor, entre
outros), comprimido de 750 mg, pode ser eficiente se tomado na dose certa. Mas,
com uma dosagem um pouco maior, já se torna perigoso.
— 1,5g equivale a
dois comprimidos. A ingestão de 7g do paracetamol, o que não é muito mais do
que isso, pode gerar necrose hepática, uma doença gravíssima do fígado.
Em relação à
dipirona (Doril, Novalgina, Anador, Neosaldina e Dorflex, entre outros), Picon
ressalta que o uso sem receita não é permitido em vários países da Europa e nos
Estados Unidos, por causa do risco, extremamente raro, de causar anemina
aplástica, a forma mais grave das anemias, independentemente da dose.
— É um fenômeno que
atinge um entre 50 mil, mas pode levar à morte, a medula óssea para de fabricar
células vermelhas e brancas. Alguns países foram bastante criteriosos. Mas em
outros, como o Brasil, se compra dipirona em qualquer farmácia e sem limite de
quantidade.
Limitação nas vendas
Há ainda riscos
consideráveis com o uso indevido de antiácidos e laxantes, de acordo com a
explicação de Picon.
— Antiácidos em
excesso podem causar cálculos renais. Quase 85% da população tem azia e é muito
comum o uso desse produto. Com utilização inadequada de laxantes, o intestino
se acomoda e não funciona naturalmente, causando uma espécie de dependência
para que ocorra o funcionamento.
Por tudo isso, ele
considera que deveria haver uma limitação na venda de qualquer tipo de
medicamento, citando o exemplo de países europeus.
— Na Europa, se pode
comprar anti-inflamatórios em quantidades pequenas, 10, 12, 14 comprimidos por
pessoa. Depois disso, a farmácia não pode vender. É papel da Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) controlar, mas ela deveria também limitar o número
de comprimidos por comprador. Se libera, o uso é sem critério.
Ao site do Senado
federal, o clínico geral Alfredo Salim Helito, do Hospital Sírio-Libanês, diz
que esse tipo de automedicação também é prejudicial para o controle e
tratamento dos efeitos colaterais.
— (O paciente) não
saberá quais as atitudes a serem tomadas para conter o problema. Por isso, a
necessidade do médico. É ele quem tem condições de orientar o paciente quanto a
todas essas questões. Além disso, se automedicar subentende-se se autodiagnosticar,
o que também é um problema.
Compensações e
perdas
Desde 1972, quando a
FDA, agência americana responsável pelo controle da alimentação, começou a
listar esse tipo de produto, mais de 300 mil remédios passaram a ser
comercializados nas farmácias dos Estados Unidos. Os medicamentos isentos de
receita podem compensar por um lado o custo da Saúde para os governos.
Uma estatística
divulgada pelo The New York Times mostra que, em 2014, R$ 177 bilhões (US$ 44
bilhões) foram gastos pelos consumidores americanos neste produto. Isso
proporcionou uma economia de algo perto de R$ 410 bilhões (US$ 102 bilhões) a
Saúde no país.
Mas, por outro lado,
se o uso inadequado levar a outras doenças, irá aumentar esse custo. A Abifarma
(Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas) informa que, a cada ano,
cerca de 20 mil pessoas morrem, no Brasil, vítimas da automedicação, em que
estão incluídos os fármacos isentos de receita, como colírios e
descongestionantes.
Já em pesquisa do
Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas), da Fundação
Oswaldo Cruz, os medicamentos são a causa de 28% de todas as notificações de
intoxicação. Quando isso ocorre, Helito faz um alerta.
— A quantidade e
variedade de problemas que podem resultar da intoxicação por medicamentos é tão
grande que o único conselho apropriado é procurar imediatamente um médico ou um
pronto-socorro. Quando o medicamento é prescrito pelo médico, o mesmo orienta o
paciente a respeito dos possíveis sintomas da intoxicação pelo medicamento e o
que fazer caso eles ocorram.
Segundo a OMS
(Organização Mundial de Saúde), o número de farmácias ideal em um país é o de
uma a cada 8.000 habitantes. No Brasil, há pelo menos uma para cada três mil,
além das ofertas de medicamentos em feiras livres e pela internet.
Um número acima de
12 mil substâncias está disponível no mercado brasileiro, espalhadas em 32 mil
rótulos de remédios. A OMS recomenda um limite de 300 rótulos ou 6.000
substâncias como a quantidade média suficiente para lidar com as doenças da
população, em cada país.
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