Como maternidades brasileiras estão conseguindo reduzir taxa de cesáreas
Projeto trabalha com planos de saúde para readequar honorário médico e valorizar enfermeiras obstetras; hospital participante conseguiu aumentar de 15% para 50% o percentual de partos normais.
Há anos o Brasil vinha tentando implementar medidas para lidar com a epidemia de cesáreas que atinge o país. Em vão.
Nos últimos oito anos, as taxas desse tipo de parto nos hospitais
particulares - onde o problema é mais grave - variaram apenas um ou dois
pontos percentuais e ficaram em torno dos 84%.
O índice é considerado alarmante e alavanca o Brasil para o posto de país com mais cesáreas no mundo.
Mas uma iniciativa chamada Parto Adequado vem conseguindo resultados
positivos. As 26 maternidades que integram o projeto conseguiram
derrubar a taxa de cesárea em uma média de 24% em pouco mais de um ano.
Ou seja, se antes a cada 100 partos 21 eram normais, hoje o número saltou para 37 em pouco mais de um ano.
Alguns dos hospitais conseguiram inclusive bater a meta de 40% de
partos normais. É o caso do Nipo-Brasileiro, em São Paulo, que passou de
apenas 15% de partos normais para 50%.
O projeto inclui iniciativas em várias frentes, mas uma das principais
mexe com um fator que até então era quase intocável: o bolso dos planos
de saúde, dos médicos e dos hospitais.
A mudança na forma de remuneração está ligada a novas maneiras de
organizar o trabalho médico, e assim estimular o parto normal. Isso
porque o modelo brasileiro para quem tem plano de saúde é considerado
insustentável, segundo especialistas.
Nele, o médico do convênio escolhido pela gestante a acompanha no
pré-natal e no parto - mas o valor que ele recebe pela cesárea (que
exige cerca de três horas de assistência médica) ou pelo parto vaginal
(que pode chegar a 10-12 horas, dependendo do ritmo do trabalho de
parto) é semelhante.
Assim, acaba não compensando para o obstetra, financeiramente falando, aguardar a evolução de um parto normal.
Tabus
Para reverter essa lógica, a ideia do Parto Adequado é trabalhar com
equipes, e não com um médico específico. Assim, o médico não ganha por
procedimento (no caso, o parto) e sim por turno, não importando se ele
vai ficar longas horas esperando a hora de o bebê nascer.
É o que acontece no Nipo-Brasileiro, que atende basicamente pacientes por planos de saúde.
"Cerca de 70% das pacientes fazem o pré-natal aqui e, assim, vão
conhecendo os obstetras e enfermeiras da equipe. Elas já sabem que o
parto pode ser com qualquer um dos obstetras, ou seja, o que estiver de
plantão, e não um específico", conta o gerente médico do hospital, o
obstetra Rodrigo Borsari.
Segundo ele, os números vindos com o crescimento do índice de partos
normais ajudam a desmistificar tabus e a convencer as operadoras de
saúde a aceitar o novo esquema de trabalho.
"Mostramos e comprovamos que, com menos bebês nascidos de cesárea, se
reduz a taxa de internação na UTI (porque há menos prematuros) e o tempo
de permanência da mãe na maternidade - e isso é vantajoso para todos",
afirmou o obstetra.
Enfermagem obstétrica valorizada
Outra mudança apontada por Borsari foi uma maior coesão da equipe e uma
maior valorização maior do papel das enfermeiras obstetras, já que
monitoram todo o trabalho de parto. "O próximo passo do projeto deveria
passar pela remuneração da enfermagem", afirmou.
Segundo a enfermeira obstetra Simone Fernanda Silva, foram adotadas
muitas medidas alinhadas com o projeto, que incentivam o parto normal.
"Sugerimos para as mulheres tomarem banho, fazemos massagem para
aliviar as dores, liberamos a alimentação, usamos um banquinho para
ajudar o bebê a descer melhor", contou Simone.
Pressão das mulheres
Outro ponto destacado pelo gerente médico do hospital, que explica a redução das cesáreas, está na informação.
"O fator que mais colaborou para queda nas cesáreas foi a pressão da
sociedade. As mulheres hoje estão mais bem informadas sobre os
benefícios do parto normal e encontram aqui um lugar seguro para isso."
O ginecologista e obstetra Julio Toyama, que atua no Nipo-Brasileiro,
conta que sente diariamente essa mudança, que ele credita à maior
atenção da mídia à valorização do parto normal e especialmente ao "boca a
boca" entre gestantes.
"Há dois anos, a maioria dos pacientes só queria cesárea. Eu não
conseguia convencê-las por nada. Dizia: eu respeito sua escolha, mas no
seu caso um parto normal pode ser mais indicado. Mas não adiantava."
"Hoje a paciente já me questiona se a escolha dela pelo parto normal
vai ser respeitada. Há um casamento entre paciente mais bem informada e
um hospital que proporciona essa realidade."
Para o obstetra, a receita que tem feito a maternidade reverter as
taxas alarmantes de cesárea passa por uma cadeia hospitalar em que todos
os setores têm de estar envolvidos - desde a recepção -, com uma equipe
coesa.
Fui acolhida
A fisioterapeuta Thais Alves de Lima teve o filho João Pedro no
hospital e contou que começou a fazer o pré-natal no hospital quando
estava com 36 semanas de gravidez.
"Foi ótimo conhecer toda a equipe. Sabia que os médicos comentam os
casos com os outros, dessa maneira todos ficam a par. Isso me deu muita
segurança. Todos me apoiaram muito na minha decisão de ter um parto
normal, se não tivesse nenhum problema."
Ela conta ainda que as enfermeiras também foram fundamentais nessa
opção, com iniciativas como evitar exames de toque desnecessários, que
podem aumentar as chances de cesárea.
"As enfermeiras do pré-parto me incentivaram a tomar um banho quente, a usar a bola. Enfim, me acolheram de verdade."
'Mudança cultural'
O Parto Adequado é uma iniciativa que reúne governo, diretoria de
hospitais privados, planos de saúde e consultores internacionais.
O projeto reúne 26 hospitais que participaram de todas as estratégias adotadas, e outros 35, que aplicam apenas algumas delas.
Para o diretor superintendente do Hospital Israelita Albert Einstein
(um dos integrantes do projeto), Miguel Cendoroglo Neto, o Parto
Adequado vem trazendo uma série de mudanças na infraestrutura e na
operação das maternidades e ajudando a provocar uma mudança cultural em
toda a sociedade.
"Ter mais enfermeiras participando e uma nova forma de compreender a
assistência ao trabalho de parto possibilita uma reorganização das
equipes e permite mais segurança para a realização de partos vaginais."
Nenhum comentário :
Postar um comentário