Dados sugerem queda de nascimentos no Brasil no 2º semestre de 2016; zika pode ter tido impacto
Números de nascidos vivos são preliminares e ainda podem ser atualizados nos próximos meses. Pesquisa indica que epidemia de zika impactou planos de gravidez.
No segundo semestre de 2016, a médica Sandra Valongueiro, pesquisadora
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), começou a ouvir relatos
sobre uma diminuição do número de mulheres nas maternidades do Recife.
Como o estado foi um dos epicentros da emergência de zika a partir de
novembro de 2015, a observação chamou a atenção da especialista, que
também faz parte do Grupo de Pesquisa da Epidemia da Microcefalia (Merg,
na sigla em inglês).
Ao mesmo tempo, a pesquisadora Leticia Marteleto, professora do Centro
de Estudos de População da Universidade do Texas em Austin, nos Estados
Unidos, passou a estudar os possíveis impactos da zika no comportamento
reprodutivo. Entrevistas que ela e sua equipe fizeram com grupos de
mulheres do Recife e de Belo Horizonte revelaram de maneira clara o medo
de engravidar no contexto da epidemia, afinal grávidas infectadas por
zika têm risco aumentado de terem bebês com microcefalia. As duas
pesquisadoras se uniram para investigar se os números de nascimentos
refletiam esses relatos.
A questão também despertou o interesse do médico Fredi Alexander Diaz
Quijano, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), que iniciou uma busca
por informações atualizadas sobre nascimentos no Brasil em 2016.
Atualmente, dados ainda preliminares obtidos pelo G1
sugerem uma redução do número de nascidos vivos a partir do segundo
semestre de 2016 em todo o país, em comparação com os anos anteriores,
precisamente nove meses depois do início da emergência por zika e
microcefalia no país.
O G1
solicitou os dados de nascidos vivos por mês, de 2013 a 2016, ao
Ministério da Saúde e às secretarias de saúde em todo o país. Recebemos
do ministério os dados nacionais de nascimentos e, das secretarias, os
números específicos referentes a 10 estados. As informações estão
representadas no infográfico. Além disso, também foram obtidos dados de
nascimentos referentes a 11 capitais.
Há algumas limitações em relação a esses números. O registro de
nascidos vivos não é imediato: existe um período de latência entre o
nascimento ocorrer, ser registrado pelos municípios e essa informação
ser inserida no sistema nacional. Portanto, nascimentos ocorridos em
2016 podem ainda não constar no sistema, especialmente aqueles ocorridos
no segundo semestre.
Queda significativa
Se os dados consolidados de nascimentos no Brasil de 2016 se mantiverem
estáveis mesmo após a contabilização de registros tardios, eles
revelarão uma queda estatisticamente significativa a partir do segundo
semestre, segundo Fredi Quijano. Ele lembra que essa redução pode ter
outros fatores envolvidos, como a crise econômica e a instabilidade
política, que podem fazer com que as famílias se sintam mais inseguras
para ter filhos.
Por outro lado, o fato de estados especialmente afetados por
ocorrências de zika e microcefalia terem tido uma queda maior torna
plausível a hipótese de que o zika teve um papel importante. “A gente
ainda tem que conferir a qualidade dos dados e não se pode descartar
outras explicações, mas, se for essa a razão, é um achado bem
interessante que fala do impacto que pode ter sobre a comunidade uma
situação de pânico e de alarme associado a um evento epidemiológico como
a epidemia por zika”, diz Quijano.
“Tanto a crise econômica quanto a crise política podem entrar como
fatores associados. Por outro lado, tem o fator da zika, não se pode
tirar o papel da zika”, avalia diz Leticia Marteleto.
Em nota, o Ministério da Saúde esclareceu que “não é possível, neste
momento, estabelecer relação entre o número de nascidos vivos e a
microcefalia” devido ao caráter preliminar dos dados.
Apesar disso, em um estado como Pernambuco, onde o efeito aparece de
forma bastante clara, dificilmente registros tardios poderiam reverter a
tendência. Segundo Sandra Valongueiro, o estado registrou cerca de 15
mil nascimentos a menos entre agosto e dezembro de 2016 em comparação
com os anos anteriores. “A gente acha que essa queda está posta, pelo
menos nesses meses. Só não sabemos se isso vai continuar nos meses
seguintes ou se vai ser algo temporário”, diz Marteleto.
Pernambuco foi o primeiro estado onde o aumento dos casos de chamou a
atenção das autoridades de saúde. “É preciso lembrar que aqui a gente
respirava zika. Nos serviços de saúde, era uma coisa muito forte, sempre
havia mulheres com bebês com microcefalia. A gente estava vivendo de
fato a epidemia”, observa Sandra.
Medo de engravidar
Em um estudo publicado em 5 de junho pela revista "Population and
Development Review", as pesquisadoras Letícia, Sandra e o restante de
sua equipe relatam a percepção de mulheres sobre como a epidemia de zika
impactou seus planos de engravidar. Em grupos de discussão organizados
no Recife e em Belo Horizonte, essas mulheres contaram que viam a zika
como uma tragédia que poderia acontecer com qualquer uma e que, por
isso, preferiam evitar a gravidez ou pelo menos adiar os planos até que a
situação melhorasse.
“Elas diziam claramente que não queriam ter filho, mais fortemente em
Recife do que em Belo Horizonte. Mencionavam, por exemplo, que tinham
visto no ônibus uma criança que parecia ter microcefalia. A proximidade
da doença fazia com que esse pânico e esse desejo de evitar a gravidez
fosse muito mais forte no Recife”, diz Letícia.
O medo, segundo a pesquisadora, apareceu em todas as classes sociais.
As mulheres de classes mais altas, porém, demonstraram ter mais acesso a
informações confiáveis sobre o problema.
Mesmo em áreas que não foram afetadas de maneira tão intensa pela
microcefalia, como São Paulo, o medo esteve presente. “O grande medo da
microcefalia assustou bastante as mulheres e coube aos médicos
explicarem que, na região Sudeste, esse não era um problema tão comum e
que existiam formas de prevenir, como o uso de repelente”, diz a médica
Zsuzsanna Ilona Katalin de Jármy Di Bella, professora do Departamento de
Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e
Coordenadora do Ambulatório de Planejamento Familiar da instituição.
Luciana de Souza Alonso Carvalho, de 35 anos, tinha planos de
engravidar e até começou um tratamento de fertilidade no início do ano
passado, mas logo começaram a chegar as notícias da epidemia do zika.
“Apesar de morar aqui em São Paulo, tenho familiares em outros lugares e
viajava bastante para visitar”.
Ela resolveu adiar os planos. “Foi uma decisão bem triste. Agora é
partir pra próxima e tentar novamente.
Fiz isso justamente para não
ficar ansiosa, o que já sou por natureza, e isso seria só um agravante. E
também por segurança.” Com a queda dos casos no início de 2017,
resolveu retomar as tentativas.
Maior demanda por aborto?
Para a pesquisadora Greice Maria de Souza Menezes, médica
epidemiologista do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), é preciso levar em conta o quanto a emergência de zika
também pode ter impactado nas demandas por aborto. Como a prática é
ilegal no Brasil, com exceção de algumas situações específicas, é
difícil medir esse possível efeito.
Mas um estudo publicado na revista “The New England Journal of
Medicine” em julho de 2016 aponta para um aumento da demanda por
medicações abortivas por meio da ONG Women on Web em países da América
Latina afetados pela zika. No Brasil, o aumento foi de 108% a partir do
anúncio da emergência.
Colaboraram:
G1 AM, G1 AL, G1 CE, G1 ES, G1 GO, G1 MG, G1 MS, G1 PB, G1 PE, G1 PR,
G1 RS, G1 SC, G1 SE, Carolina Dantas, Megui Donadoni e Ricardo Gallo
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