30/5/2016 às 00h40
Remédio mais usado contra infecção urinária pode causar dor nas articulações e até rompimento de tendão
Pacientes relatam problemas ósseos e musculares após o uso do ciprofloxacino
Substância é uma das mais eficazes no tratamento de infecções urinárias, respiratórias, prostatite e DSTs
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Diagnosticado em janeiro passado com prostatite, o professor Cristiano*,
de 34 anos, passou por diversos médicos em busca de um tratamento
eficaz que acabasse com os problemas que a doença lhe trazia: incômodo
para urinar, queimação, dor pélvica. De todos os consultórios, saiu com
receitas de ciprofloxacino, antibiótico usado para combater não só a
prostatite, como também infecções urinárias e DSTs. Ao fim de três meses
de tratamento, no entanto, Cristiano tinha até se curado do problema
original, mas ganhara novos sintomas — dores lancinantes nas
articulações e fraqueza muscular, que indicavam que ele poderia estar
sofrendo de algo que até mesmo os médicos têm dificuldade em
diagnosticar.
Cristiano era agora uma vítima de efeitos colaterais do ciprofloxacino. E, entre os cinco profissionais que o atenderam ao longo de quase um semestre, apenas um deles levantou a hipótese de que o problema talvez estivesse relacionado à medicação.
“Percebi os efeitos depois de 15 dias tomando o remédio, mas ninguém acreditava em mim”, relembra o professor. “A maioria dos médicos sabia que ele podia causar dor de estômago e enjoo, mas nada parecido com o que eu sentia. Quando a dor começou a aumentar progressivamente, fui me informar por conta própria e encontrei muito material no exterior que alertava para o problema”.
De fato, há pouca informação disponível na literatura médica brasileira a respeito desta classe de efeitos colaterais. No entanto, em sites hospedados fora do país é vasta a oferta de estudos e movimentos de pacientes que se dizem afetados inclusive permanentemente por distúrbios como artralgia (dores nas articulações), mialgia e miastenia, consequências descritas na bula da medicação como extremamente raras, com incidência abaixo de 1%.
Cristiano era agora uma vítima de efeitos colaterais do ciprofloxacino. E, entre os cinco profissionais que o atenderam ao longo de quase um semestre, apenas um deles levantou a hipótese de que o problema talvez estivesse relacionado à medicação.
“Percebi os efeitos depois de 15 dias tomando o remédio, mas ninguém acreditava em mim”, relembra o professor. “A maioria dos médicos sabia que ele podia causar dor de estômago e enjoo, mas nada parecido com o que eu sentia. Quando a dor começou a aumentar progressivamente, fui me informar por conta própria e encontrei muito material no exterior que alertava para o problema”.
De fato, há pouca informação disponível na literatura médica brasileira a respeito desta classe de efeitos colaterais. No entanto, em sites hospedados fora do país é vasta a oferta de estudos e movimentos de pacientes que se dizem afetados inclusive permanentemente por distúrbios como artralgia (dores nas articulações), mialgia e miastenia, consequências descritas na bula da medicação como extremamente raras, com incidência abaixo de 1%.
“Cada um dos efeitos colaterais dos remédios tem uma explicação. No caso
do problema articular trata-se de uma reação autoimune”, explica Carlos
Henrique Belluci, chefe do Departamento de Urologia Feminina da
Sociedade Brasileira de Urologia. “O nosso organismo, ao perceber que a
ciprofloxacina não é uma substância natural, gera anticorpos contra ela,
e, com isso, o próprio organismo acaba também sendo atacado por eles”.
Há cinco anos, o mestre em genética e biologia molecular Felipe Thadeu Tolentino percebeu que, embora a ciprofloxacina tenha um amplo espectro de atuação no tratamento de infecções bacterianas, ela também causa, entre seus efeitos colaterais, o aparecimento de tendinopatias, doença que acomete os tendões. Em seu estudo, publicado em 2011, Tolentino avalia que a substância é capaz de causar pane no metabolismo dos tenócitos, que compõem os tendões.
“Ela tem um efeito levemente tóxico nas células que produzem o colágeno, prejudicando a reposição da molécula. As células produtoras acabam sendo afetadas, e isso tem um efeito mais rápido ou mais nítido em pessoas que tenham mais suscetibilidade”, explica o geneticista. “A droga em si ela tem tantos efeitos colaterais quanto qualquer outra, mas idosos, pessoas com histórico de problemas de tendão ou pacientes mais doentes acabam sofrendo mais, e podem ter um algo mais grave, como, por exemplo, a ruptura de tendão”.
O professor Cristiano conta que foi justamente seu tendão calcâneo – popularmente chamado de tendão de aquiles — o primeiro lugar afetado pelos efeitos colaterais do ciprofloxacino. Ele relata que a dor “caminhava” pelo corpo, se movendo para os quadris, panturrilhas e braços, onde acometeu principalmente as articulações.
“A dor era de como se eu tivesse apanhado”, relembra. “Perdi a força nas mãos e pernas. No final dos dias, eu sentia como se fosse entrar em colapso e desabar. Comecei também a sofrer ataques de ansiedade e paranoia, especialmente no final do período de quatro semanas tomando o medicamento”.
Em um documento de 253 páginas intitulado The Flox Report (O Relatório Flox, em tradução livre), disponível em inglês na internet e publicado pela primeira vez em 2007, dezenas de colaboradores compilaram os malefícios que o ciprofloxacino teria causado em pacientes que, de maneira voluntária, descreveram seus casos. Na grande maioria deles, os relatos são similares ao de Cristiano.
O urologista Carlos Henrique Belluci, no entanto, esclarece que efeitos colaterais desta ordem, com fraqueza e dores nas articulações, são extremamente raros, totalizando menos de 1% dos pacientes medicados com a droga. “Os problemas mais comuns são efeitos no trato digestivo, náuseas, vômitos. Além disso, há registros de manchas na pele e erupções cutâneas, mas todos sem risco nenhum”.
A conduta nestes casos, explica Belluci, é primeiro identificar que há uma relação temporal dos sintomas com o tratamento e, em seguida, suspendê-lo, trocando por outra medicação indicada para aquela infecção específica — sendo importante lembrar que é preciso que o novo antibiótico não seja da mesma “família” que o ciprofloxacino, as chamadas fluoroquinolonas.
Fabricante do Cipro, uma das principais versões de ciprofloxacino disponíveis no mercado, a Bayer diz estar ciente do Comunicado sobre Segurança de Medicamentos emitido pela FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos em 12 de maio deste ano, que alerta para os problemas causados pelas fluoroquinolonas.
O laboratório informa que vai “analisar cuidadosamente” as informações publicadas no documento, e que, visando a segurança dos pacientes, vai trabalhar em estreita colaboração com a agência regulatória sobre o tema.
“A ciprofloxacina tem muita importância na medicina. Ela cobre bactérias gram negativas que causam infecções urinárias, respiratórias e eventualmente de pele. É um medicamento muito eficaz”, avalia Carlos Henrique Belluci. “A prostatite, por exemplo, é uma doença grave que, se não for tratada adequadamente, pode até levar ao óbito, e a ciprofloxacina é o remédio que tem melhor penetração na próstata, sendo comumente prescrita por no mínimo três semanas, geralmente sem maiores complicações”.
Para o médico, o ideal é que o paciente seja sempre informado sobre os riscos de todos os medicamentos que lhe forem prescritos. Para ele, os efeitos benéficos da ciprofloxacina ainda se sobressaem aos seus malefícios.
“Costumo falar para o paciente sobre a droga receitada, ainda que de uma forma superficial, e ressalto que, na situação em que ele se encontra, com uma infecção, ele precisa de um antibiótico”, exemplifica. “Efeitos colaterais não são exclusividade do ciprofloxacino, é algo que acontece com todos os medicamentos”.
*O nome do paciente foi trocado para preservar sua identidade
Há cinco anos, o mestre em genética e biologia molecular Felipe Thadeu Tolentino percebeu que, embora a ciprofloxacina tenha um amplo espectro de atuação no tratamento de infecções bacterianas, ela também causa, entre seus efeitos colaterais, o aparecimento de tendinopatias, doença que acomete os tendões. Em seu estudo, publicado em 2011, Tolentino avalia que a substância é capaz de causar pane no metabolismo dos tenócitos, que compõem os tendões.
“Ela tem um efeito levemente tóxico nas células que produzem o colágeno, prejudicando a reposição da molécula. As células produtoras acabam sendo afetadas, e isso tem um efeito mais rápido ou mais nítido em pessoas que tenham mais suscetibilidade”, explica o geneticista. “A droga em si ela tem tantos efeitos colaterais quanto qualquer outra, mas idosos, pessoas com histórico de problemas de tendão ou pacientes mais doentes acabam sofrendo mais, e podem ter um algo mais grave, como, por exemplo, a ruptura de tendão”.
O professor Cristiano conta que foi justamente seu tendão calcâneo – popularmente chamado de tendão de aquiles — o primeiro lugar afetado pelos efeitos colaterais do ciprofloxacino. Ele relata que a dor “caminhava” pelo corpo, se movendo para os quadris, panturrilhas e braços, onde acometeu principalmente as articulações.
“A dor era de como se eu tivesse apanhado”, relembra. “Perdi a força nas mãos e pernas. No final dos dias, eu sentia como se fosse entrar em colapso e desabar. Comecei também a sofrer ataques de ansiedade e paranoia, especialmente no final do período de quatro semanas tomando o medicamento”.
Em um documento de 253 páginas intitulado The Flox Report (O Relatório Flox, em tradução livre), disponível em inglês na internet e publicado pela primeira vez em 2007, dezenas de colaboradores compilaram os malefícios que o ciprofloxacino teria causado em pacientes que, de maneira voluntária, descreveram seus casos. Na grande maioria deles, os relatos são similares ao de Cristiano.
O urologista Carlos Henrique Belluci, no entanto, esclarece que efeitos colaterais desta ordem, com fraqueza e dores nas articulações, são extremamente raros, totalizando menos de 1% dos pacientes medicados com a droga. “Os problemas mais comuns são efeitos no trato digestivo, náuseas, vômitos. Além disso, há registros de manchas na pele e erupções cutâneas, mas todos sem risco nenhum”.
A conduta nestes casos, explica Belluci, é primeiro identificar que há uma relação temporal dos sintomas com o tratamento e, em seguida, suspendê-lo, trocando por outra medicação indicada para aquela infecção específica — sendo importante lembrar que é preciso que o novo antibiótico não seja da mesma “família” que o ciprofloxacino, as chamadas fluoroquinolonas.
Fabricante do Cipro, uma das principais versões de ciprofloxacino disponíveis no mercado, a Bayer diz estar ciente do Comunicado sobre Segurança de Medicamentos emitido pela FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos em 12 de maio deste ano, que alerta para os problemas causados pelas fluoroquinolonas.
O laboratório informa que vai “analisar cuidadosamente” as informações publicadas no documento, e que, visando a segurança dos pacientes, vai trabalhar em estreita colaboração com a agência regulatória sobre o tema.
“A ciprofloxacina tem muita importância na medicina. Ela cobre bactérias gram negativas que causam infecções urinárias, respiratórias e eventualmente de pele. É um medicamento muito eficaz”, avalia Carlos Henrique Belluci. “A prostatite, por exemplo, é uma doença grave que, se não for tratada adequadamente, pode até levar ao óbito, e a ciprofloxacina é o remédio que tem melhor penetração na próstata, sendo comumente prescrita por no mínimo três semanas, geralmente sem maiores complicações”.
Para o médico, o ideal é que o paciente seja sempre informado sobre os riscos de todos os medicamentos que lhe forem prescritos. Para ele, os efeitos benéficos da ciprofloxacina ainda se sobressaem aos seus malefícios.
“Costumo falar para o paciente sobre a droga receitada, ainda que de uma forma superficial, e ressalto que, na situação em que ele se encontra, com uma infecção, ele precisa de um antibiótico”, exemplifica. “Efeitos colaterais não são exclusividade do ciprofloxacino, é algo que acontece com todos os medicamentos”.
*O nome do paciente foi trocado para preservar sua identidade
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