Anvisa faz votação para decidir se adia prazo para pôr alergênicos no rótulo
Enquanto empresas alimentícias querem prorrogação de até 18 meses, pais de crianças com alergia pedem urgência
por Clarissa Pains
RIO — A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizará
nesta quarta-feira, dia 1º, às 10h, uma reunião pública para decidir se
vai adiar ou não o prazo para as empresas alimentícias especificarem em
seus rótulos os ingredientes que podem provocar alergia, como leite,
soja, amendoim e trigo. Pela resolução aprovada em 3 de julho de 2015,
a indústria deveria cumprir essa determinação em um ano, isto é, até o
próximo 3 de julho. No entanto, pouco mais de um mês antes de esse prazo
se esgotar, algumas empresas pediram à Anvisa a prorrogação da entrada
em vigor dessa norma por até 18 meses. Entidades civis como o movimento
"Põe no Rótulo" e a associação Proteste, que cuida dos direitos do
consumidor, criticam o pedido.
Na quarta, na sede da Anvisa em Brasília, representantes dessas
associações e da indústria de alimentos terão alguns minutos para expor
seus argumentos contra o adiamento e a favor dele, respectivamente.
Depois, os cinco diretores da Anvisa votarão. Esta será a última palavra
do órgão sobre o caso, e, se ficar determinado o adiamento do prazo, o
movimento "Põe no Rótulo" deve recorrer à Justiça.
— O consumidor não pode ser responsabilizado pela omissão da
indústria, que nega o direito de as pessoas conhecerem o que consomem.
Pelo código de defesa do consumidor, já existe há muito tempo o dever de
dar essa informação — defende a advogada Cecilia Cury, doutora em
Direito Constitucional pela PUC-SP, além de fundadora e coordenadora do
"Põe no Rótulo". — Por isso, se o prazo determinado pela própria Anvisa
no ano passado for adiado, pretendemos entrar com uma ação na Justiça.
Muitas empresas alegam que um ano foi um período curto demais para
criar novos rótulos para seus produtos e mudar suas cadeias de produção —
se, por exemplo, um produto não leva leite, mas é feito em uma máquina
que entrou em contato com leite antes, meros traços de lactose já
provocarão reação em quem é alérgico. Porém, Cecilia diz que muitas
empresas já fizeram essas modificações, de acordo com a nova
regulamentação, o que mostra que o prazo inicial de um ano era
suficiente.
— Na reunião pública, queremos mostrar que os consumidores não podem
ficar à mercê daquelas empresas que, possivelmente, esperaram para ver
se a lei "pegava" ou não — pontua ela.
8% DAS CRIANÇAS BRASILEIRAS SÃO ALÉRGICAS
No
Brasil, cerca de 8% das crianças e 3% dos adultos possuem alergia
alimentar, cujo tratamento demanda um cuidado especial em relação ao que
é consumido. Reações alérgicas graves podem levar até mesmo à morte.
Por isso, a norma estabelecida pela Anvisa determina que os rótulos dos
produtos industrializados tragam informações claras, legíveis, em língua
portuguesa, incluindo dados sobre o risco de contaminação cruzada com
outros alimentos, que não estão declarados na lista de ingredientes.
Segundo o regulamento, os rótulos de alimentos e bebidas deverão
informar a existência dos seguintes alimentos: trigo (centeio, cevada,
aveia e suas estirpes hibridizadas); crustáceos; ovos; peixes; amendoim;
soja; leite de todos os mamíferos; amêndoa; avelã; castanha de caju;
castanha do Pará; macadâmia; nozes; pecã; pistaches; pinoli; castanhas; e
látex natural.
Desde que a campanha #PõeNoRótulo começou, em 2014, atraiu o apoio de
muitas pessoas famosas, como Fatima Bernardes, Juliana Paes, Natalia
Thimberg, Tiago Leifert, Adriana Esteves, Mateus Solano e Zico.
Para a jornalista Mariana Claudino, também coordenadora do "Põe no
Rótulo", a tentativa de adiar a entrada em vigor dessa norma evidencia a
falta de cuidado de parte da indústria em relação à segurança
alimentar.
— O uso de nomenclatura técnica ou em outra língua, pouco acessível
ao consumidor brasileiro, como caseinato, whey, albumina, lisozima,
entre outros, é responsável por uma série de reações adversas que
poderiam ser evitadas se os rótulos já estivessem adequados à resolução —
ressalta ela.
Coordenadora institucional da associação Proteste, Maria Inês Dolci
reforça que o dia a dia de famílias com crianças alérgicas terá um
grande impacto positivo quando todas as embalagens contiverem
informações corretas sobre os ingredientes alergênicos.
— Informação adequada pode fazer toda a diferença para quem tem
alguma alergia alimentar. A garantia de acesso a alimentos seguros é o
principal obstáculo encontrado por quem tem esse tipo de alergia —
alerta Maria Inês.
Representantes de um grupo de mais de 10 mil mães de crianças
alérgicas de todo o país e da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito
Federal (OAB-DF) também devem participar da reunião pública.
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