Luta por tratamento une parentes e pacientes de doenças raras
Enfermidades, que acometem 13 milhões de brasileiros, são difíceis de diagnosticar
MPS VI. Regina Próspero e o filho Dudu: ativismo mudou a vida deles
- Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
RIO - Quando Regina Próspero olha para trás, quase não acredita no rumo que tomou sua vida: faz reuniões frequentes no Congresso Nacional, em Brasília, formou-se em Direito, debruçou-se sobre artigos científicos, fez parte de um deles, foi convidada a conhecer o Papa, escreveu um livro. Regina não é cientista, escritora ou política. A instrumentadora cirúrgica de Guarulhos, em São Paulo, é mãe. Seu filho, Dudu, nasceu com mucopolissacaridose (MPS) tipo VI, uma rara doença metabólica e genética que afeta o desenvolvimento físico dos pacientes e pode ser fatal. Niltinho, o primogênito, morreu em decorrência dela.
Regina é também uma das idealizadoras da campanha “Muitos Somos Raros”, criada para sensibilizar sobre uma luta quase solitária, pois portadores dessas enfermidades vivem à margem dos esforços das indústrias farmacêuticas e das políticas públicas.
Doenças raras, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), são aquelas que acometem uma a cada duas mil pessoas. Se separadas, são pouco frequentes. Juntas, somam 13 milhões de brasileiros. Há cerca de sete mil diagnosticadas, sendo 80% de origem genética. Dessas, apenas cem têm algum tipo de tratamento.
Nas demais, o que restam são cuidados paliativos. O diagnóstico é o primeiro e um dos principais desafios.
Uma pesquisa da Aliança Brasil MPS e do Ibope mostrou que 50% dos pacientes com a doença precisaram passar por, no mínimo, seis médicos até chegar ao diagnóstico. O estudo também mostra que mais de 70% dos pais cuidadores tiveram de abdicar da vida profissional para cuidar das crianças. A maioria desses pais está na faixa dos 40 a 49 anos e integra a classe C.
DEZENAS DE MÉDICOS ATÉ TER DIAGNÓSTICO
Regina peregrinou por dezenas de médicos para saber do que sofria Niltinho, diagnóstico que só foi fechado aos 6 anos. Em seguida, ele morreu. Os sintomas começaram quando bebê e se confundiam com problemas corriqueiros: garganta e ouvidos inflamados. Depois, ele perdeu a visão e a audição até ir regredindo em outras funções. Ela lamenta que à época não havia o que fazer.
Portadores de MPS VI são mais baixos, têm cabeça maior, pescoço curto, nariz largo. São raros no mundo, mas curiosamente “frequentes” no Brasil (600 pessoas). Dudu, dois anos mais novo que o irmão, recebeu o mesmo diagnóstico. Um médico chegou a dizer à mãe: “Dê todo amor e carinho, ele não viverá muito”.
— Fiquei em luto uma semana. Depois precisei agir. Ele requer um tratamento intensivo — lembra.
Enquanto o marido, Nilton, trabalhava, Regina se dedicava 24 horas ao menino. Dudu tem hoje 24 anos e é formado em Direito. Quando percebeu, ainda na década de 1990, que a ciência e os médicos podiam fazer muito pouco pelo filho, ela resolveu, sozinha, ler todas as pesquisas que encontrava sobre o tema.
Descobriu, por exemplo, que o leite de cabra poderia ser benéfico. Não pensou duas vezes: ligou para um grupo de comerciantes, comprou um freezer, aprendeu uma forma específica de prepará-lo. A melhora veio em seguida. Em 2003, ela descobriu que um remédio experimental estava sendo testado em Porto Alegre.
Homocistinúria. Simone Arede e o filho Thiago: dieta rígida e cuidados com a visão
- Fabio Seixo
— Passei um ano lá
com Dudu. Podia não fazer efeito, mas tenho certeza de que ele está vivo
por conta disso — afirma Regina, lembrando como o caçula, Léo,
saudável, reagiu. — Sofreu muito com a doença em casa, viu-se em segundo
plano muitas vezes, sentiu-se abandonado por mim muitos anos.
Escreveu o livro “Doenças Raras de A a Z”, com a ajuda de médicos e
paramédicos. Preside a Associação Paulista dos Familiares e Amigos dos
Portadores de Mucopolissacaridose, hoje exportando conhecimento sobre a
doença. Desde 2003, Regina bate à porta de deputados pedindo mais
atenção ao grupo. Ajudou a criar um dos primeiros protocolos clínicos,
além de uma política nacional para doenças raras, publicada este ano.
Diagnósticos e tratamentos serão prioridades dessa política.
— A pesquisa para tratamento de doenças raras, por motivos óbvios, é mais difícil. Desenvolver remédios para hipertensão e diabetes obviamente vale mais a pena do que para uma doença que só atinge 500 pessoas no mundo — exemplifica a geneticista Dafne Horovitz, diretora da Sociedade Brasileira de Genética Médica e coordenadora da campanha. — É preciso ter leis mais específicas para dar atenção às doenças órfãs.
TRATAMENTO CUSTA R$ 76 MIL POR MÊS
Acesso ao tratamento é outro grande desafio de portadores de doenças raras. No caso do estudante de Engenharia de Produção Gustavo Melo, de 21 anos, são R$ 76 mil por mês para frear a doença de Pompe, degenerativa e que afeta os músculos, descoberta por ele há cinco anos. De família humilde e nascido na pequena cidade de Paty do Alferes (RJ), o jovem conseguiu na Justiça uma liminar para receber o medicamento importado, que, mesmo assim, nem sempre chega.
— Recebo por seis meses e, depois, para renovar, sempre tenho problema — conta Gustavo, que sequer parece estar doente. — No início era bem difícil. Mas vou procurando viver ao máximo o presente. Tento levar uma vida normal, saio, vou à faculdade, faço estágio.
— A pesquisa para tratamento de doenças raras, por motivos óbvios, é mais difícil. Desenvolver remédios para hipertensão e diabetes obviamente vale mais a pena do que para uma doença que só atinge 500 pessoas no mundo — exemplifica a geneticista Dafne Horovitz, diretora da Sociedade Brasileira de Genética Médica e coordenadora da campanha. — É preciso ter leis mais específicas para dar atenção às doenças órfãs.
TRATAMENTO CUSTA R$ 76 MIL POR MÊS
Acesso ao tratamento é outro grande desafio de portadores de doenças raras. No caso do estudante de Engenharia de Produção Gustavo Melo, de 21 anos, são R$ 76 mil por mês para frear a doença de Pompe, degenerativa e que afeta os músculos, descoberta por ele há cinco anos. De família humilde e nascido na pequena cidade de Paty do Alferes (RJ), o jovem conseguiu na Justiça uma liminar para receber o medicamento importado, que, mesmo assim, nem sempre chega.
— Recebo por seis meses e, depois, para renovar, sempre tenho problema — conta Gustavo, que sequer parece estar doente. — No início era bem difícil. Mas vou procurando viver ao máximo o presente. Tento levar uma vida normal, saio, vou à faculdade, faço estágio.
Pompe. Gustavo de Melo faz um tratamento caro para minorar a degeneração muscular
- Fabio Seixo / Fabio Seixo
A
irmã de 14 anos também foi diagnosticada com Pompe. Segundo Gustavo,
seus pais “demonstram uma preocupação menor do que realmente sentem”. E
ele tenta preocupar o menos possível. É focado. Mesmo com restrições,
passou em vestibulares de universidades públicas e na PUC, com bolsa de
100%. É lá que ele estuda:
— Quero me formar logo, conseguir um emprego, porque no futuro eu sei que posso estar numa cadeira de rodas, ter risco cardíaco... Então, quero garantir uma condição financeira desde já. Mas tenho confiança no tratamento, ele faz efeito.
Também pensa em ter família. E filhos? Faz um silêncio. “Não sei”, responde depois de segundos. Tem medo de transmitir o Pompe às crianças. As chances são de 25%.
Já Thiago Arede, de 28 anos, nem pensa na possibilidade de família por enquanto. Ele sofre de homocistinúria, doença rara causada pela dificuldade de metabolização da metionina, provocando no corpo acúmulo desse aminoácido, que pode se tornar tóxico ao corpo. Visão prejudicada é um dos sintomas, e, por isso, ele já fez sete cirurgias. Também precisa de uma dieta bastante rígida, sem proteína animal e outras de origem vegetal. Para não sofrer da falta de nutrientes, ele ingere uma fórmula especial que custa R$ 7 mil por mês.
Meio calado, Thiago não gosta muito de falar no assunto. Diz sofrer
um preconceito velado de colegas. E a mãe, Simone, admite que
ultimamente ele anda muito ansioso. Ela, por outro lado, conta todo o
caminho das pedras. E o compartilha também com outras famílias. Faz o
tipo mãezona. É tão rígida com a dieta do filho que chega, às vezes, a
irritá-lo. Mas o risco, ela explica, é o de trombose e acidente vascular
cerebral (AVC). Quando descobre mais um portador da doença no Brasil
(são 72 diagnosticados), Simone liga e até faz visita. Virou referência
no assunto e recebe ligações de pais de todo o país. Para ficar mais
perto dos avanços, criou a Associação Brasileira de Homocistinúria.
Numa ocasião, descobriu uma família de baixa renda em Araucária (PR). A família, ela conta, vivia numa casa de madeira esburacada, a menina acabou morrendo mas o irmão resiste. Ele já passou temporadas em sua casa para controlar a dieta.
— Esta é a parte que mais gosto de fazer — garante.
— Quero me formar logo, conseguir um emprego, porque no futuro eu sei que posso estar numa cadeira de rodas, ter risco cardíaco... Então, quero garantir uma condição financeira desde já. Mas tenho confiança no tratamento, ele faz efeito.
Também pensa em ter família. E filhos? Faz um silêncio. “Não sei”, responde depois de segundos. Tem medo de transmitir o Pompe às crianças. As chances são de 25%.
Já Thiago Arede, de 28 anos, nem pensa na possibilidade de família por enquanto. Ele sofre de homocistinúria, doença rara causada pela dificuldade de metabolização da metionina, provocando no corpo acúmulo desse aminoácido, que pode se tornar tóxico ao corpo. Visão prejudicada é um dos sintomas, e, por isso, ele já fez sete cirurgias. Também precisa de uma dieta bastante rígida, sem proteína animal e outras de origem vegetal. Para não sofrer da falta de nutrientes, ele ingere uma fórmula especial que custa R$ 7 mil por mês.
Numa ocasião, descobriu uma família de baixa renda em Araucária (PR). A família, ela conta, vivia numa casa de madeira esburacada, a menina acabou morrendo mas o irmão resiste. Ele já passou temporadas em sua casa para controlar a dieta.
— Esta é a parte que mais gosto de fazer — garante.
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