Heloisa Seixas: literatura para falar de Alzheimer e morte
Heloisa
Seixas é jornalista e escritora, autora de mais de 20 livros, sendo que
o mais recente deles é o romance “Agora e na hora”. Escreveu também “O
lugar escuro”, sobre a doença de Alzheimer da mãe, que está sendo
lançado este mês em Portugal.
Em 2013, a própria Heloisa adaptou essa
história para o teatro. É também autora de dois musicais, em parceria
com Julia Romeu: “Era no tempo do rei” e “Bilac vê estrelas”. Este
último, encenado em 2015, recebeu os prêmios Shell, APTR e Bibi
Ferreira. Segue a nossa conversa sobre literatura, envelhecimento e o
Alzheimer:
Seu livro mais recente interliga várias histórias sobre a morte: não só a morte física, mas a dor de perder alguém, e também o fim de muitas coisas que pareciam certas, imutáveis. É impressionante sua descrição de um mundo sem livros. Como surgiu a ideia de se debruçar tão intensamente sobre o tema da finitude?
Heloisa Seixas: Desde que comecei a escrever, há vinte e poucos anos, sempre escrevi sobre o que me fascina, o que me espanta, o que me corrói. A paixão, a solidão, a loucura. A morte. Sempre soube que escreveria sobre a morte um dia.
Seu livro mais recente interliga várias histórias sobre a morte: não só a morte física, mas a dor de perder alguém, e também o fim de muitas coisas que pareciam certas, imutáveis. É impressionante sua descrição de um mundo sem livros. Como surgiu a ideia de se debruçar tão intensamente sobre o tema da finitude?
Heloisa Seixas: Desde que comecei a escrever, há vinte e poucos anos, sempre escrevi sobre o que me fascina, o que me espanta, o que me corrói. A paixão, a solidão, a loucura. A morte. Sempre soube que escreveria sobre a morte um dia.
Comecei a escrever “Agora e na hora” em 2004 (foi um
livro que levei muito tempo para terminar, e que escrevi aos pedaços,
desde o início). Naquela época, eu já estava convivendo com o
esfacelamento mental da minha mãe, que um dia eu narraria em “O lugar
escuro”. Era, já, uma espécie de morte. Uma quase morte. Talvez a
necessidade de escrever sobre a morte e a finitude tenha vindo daí.
Como você encara o envelhecimento? Passar dos 50 foi, em alguma medida, libertador?
Heloisa: Não diria que foi libertador, mas foi de certa forma fácil. Tenho uma história de vida que me facilitou essa transição. Sabe aquele clichê de que “a vida começa aos 40”? Pois é: no meu caso, comecei a escrever por volta de 40 anos, o que mudou completamente minha vida. Foi como se eu tivesse descoberto para que nasci, o que estou fazendo aqui no planeta. Também foi por volta dos 40 que conheci o Ruy (Castro), com quem estou até hoje, 27 anos depois, e com quem tenho uma relação muito rica, muito leve, de muita troca, muitas risadas. Com isso, ao chegar aos 50, eu me sentia ainda muito jovem, muito viva. E me sinto ainda, aos quase 65. Apesar de todos os problemas físicos, que sempre vão surgindo.
“O lugar escuro”, seu livro sobre a doença de Alzheimer da sua mãe, começa agora uma carreira internacional. Escrever foi uma forma de tentar entender todo o impacto que isso causou na sua vida?
Heloisa: Escrevi “O lugar escuro” para acabar de me pacificar, para dar um fecho àquela história dentro de mim. Porque percebia com clareza que tinha feito um caminho em relação à minha mãe, que foi da raiva à compaixão. Quis botar isso no papel. Acho que já tinha entendido bem as coisas, mas, ao escrever, o círculo se fechou. Escrevi o livro quando minha mãe ainda estava viva (ela só morreria cinco anos depois), mas sabia que precisava fazer aquele relato. Porque, em tudo o que escrevo, tenho sempre a sensação de que estou ancorando no papel os meus medos, as minhas vergonhas, os meus terrores e obsessões. Tirando “os lugares escuros” de dentro de mim. E outro exemplo disso foi o livro que publiquei em 2014, “O oitavo selo”, um quase-romance em que relato os confrontos do Ruy com a morte, episódios terríveis com os quais, em alguns casos, eu convivi.
No livro, você conta que, inclusive, teve problemas de saúde neste período, tal era o estresse do dia a dia. Que conselhos ou dicas você compartilharia com outras pessoas vivendo o mesmo problema?
Heloisa: A doença de Alzheimer é uma doença familiar. Todo mundo em volta adoece um pouco – pode até enlouquecer também. É muito difícil você ver uma pessoa importante na sua vida, sua mãe ou seu marido, bem ali na sua frente em corpo, mas não em espírito. A pessoa está ali, mas já não é ela mesma. Isso é assombroso.
Como você encara o envelhecimento? Passar dos 50 foi, em alguma medida, libertador?
Heloisa: Não diria que foi libertador, mas foi de certa forma fácil. Tenho uma história de vida que me facilitou essa transição. Sabe aquele clichê de que “a vida começa aos 40”? Pois é: no meu caso, comecei a escrever por volta de 40 anos, o que mudou completamente minha vida. Foi como se eu tivesse descoberto para que nasci, o que estou fazendo aqui no planeta. Também foi por volta dos 40 que conheci o Ruy (Castro), com quem estou até hoje, 27 anos depois, e com quem tenho uma relação muito rica, muito leve, de muita troca, muitas risadas. Com isso, ao chegar aos 50, eu me sentia ainda muito jovem, muito viva. E me sinto ainda, aos quase 65. Apesar de todos os problemas físicos, que sempre vão surgindo.
“O lugar escuro”, seu livro sobre a doença de Alzheimer da sua mãe, começa agora uma carreira internacional. Escrever foi uma forma de tentar entender todo o impacto que isso causou na sua vida?
Heloisa: Escrevi “O lugar escuro” para acabar de me pacificar, para dar um fecho àquela história dentro de mim. Porque percebia com clareza que tinha feito um caminho em relação à minha mãe, que foi da raiva à compaixão. Quis botar isso no papel. Acho que já tinha entendido bem as coisas, mas, ao escrever, o círculo se fechou. Escrevi o livro quando minha mãe ainda estava viva (ela só morreria cinco anos depois), mas sabia que precisava fazer aquele relato. Porque, em tudo o que escrevo, tenho sempre a sensação de que estou ancorando no papel os meus medos, as minhas vergonhas, os meus terrores e obsessões. Tirando “os lugares escuros” de dentro de mim. E outro exemplo disso foi o livro que publiquei em 2014, “O oitavo selo”, um quase-romance em que relato os confrontos do Ruy com a morte, episódios terríveis com os quais, em alguns casos, eu convivi.
No livro, você conta que, inclusive, teve problemas de saúde neste período, tal era o estresse do dia a dia. Que conselhos ou dicas você compartilharia com outras pessoas vivendo o mesmo problema?
Heloisa: A doença de Alzheimer é uma doença familiar. Todo mundo em volta adoece um pouco – pode até enlouquecer também. É muito difícil você ver uma pessoa importante na sua vida, sua mãe ou seu marido, bem ali na sua frente em corpo, mas não em espírito. A pessoa está ali, mas já não é ela mesma. Isso é assombroso.
Quem convive com um doente de Alzheimer
precisa se preservar, precisa encontrar espaços claros na própria vida,
válvulas de escape. Se tentar ficar ali o tempo todo, tentando resolver o
que não tem solução, vai adoecer também. E outra coisa: não deve se
envergonhar por sentir raiva, revolta, cansaço. Tanto no livro quanto na
peça, eu falei muito da minha raiva. Não posei de filha boazinha, que
se sacrifica pela mãe. Mostrei meu lado escuro também. E acho que foi
isso que comoveu mais as pessoas, tanto no livro quanto na peça. No
teatro, muitas pessoas vinham me abraçar e, chorando, me agradeciam,
dizendo: “Eu sentia raiva, mas não tinha coragem de confessar”.
Foto: Chico Cerchiaro/divulgação
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