segunda-feira, 30 de maio de 2016

29/05/2016 16h06 - Atualizado em 29/05/2016 16h12

Pacientes protestam pela liberação da 'pílula do câncer' em São Carlos, SP

Com chuva e frio, cerca de 30 pessoas pediram pela fosfoetanolamina.
No dia 19 de maio, STF suspendeu lei que autorizava uso da substância.

Manifestantes pedem a liberação do uso da fosfoetanolamina em frente à USP de São Carlos (Foto: João Victor Néo/ EPTV) 

Manifestantes pedem a liberação do uso da fosfoetanolamina em frente à USP (Foto: João Victor Néo/ EPTV)

Cerca de 30 pessoas fizeram uma manifestação pela liberação do uso fosfoetanolamina sintética, a chamada pílula do câncer, na tarde deste domingo (29), em frente à Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.

O protesto nacional estava previsto para ocorrer em 23 cidades de 16 estados. O STF suspendeu a lei sancionada no mês passado pela presidente afastada Dilma Rousseff (PT) que permitiria o uso do composto antes da conclusão dos testes clínicos. A decisão é temporária, até o julgamento definitivo da ação, e atendeu a um pedido da Associação Médica Brasileira (AMB).

Desenvolvida no campus da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos para o tratamento de tumor maligno, a substância é apontada como possível cura para diferentes tipos de câncer, mas não passou por esses testes em humanos e não tem eficácia comprovada, por isso não é considerada um remédio. Ela não tem registro na Anvisa e seus efeitos nos pacientes ainda são desconhecidos. O governo federal e do Estado de São Paulo trabalham em testes do composto.
Pacientes e parentes pedem liberação da 'pílula do câncer' em São Carlos (Foto: João Victor Néo/ EPTV) 
Pacientes e parentes pedem liberação da 'pílula
do câncer'  (Foto: João Victor Néo/ EPTV)

Com cartazes, faixa e bexigas nas cores da cápsula, azul e branco, os manifestantes enfrentaram o frio e a chuva e se reuniram por volta das 14h na Avenida Trabalhador Sãocarlense, que teve o trânsito interditado no trecho da entrada da universidade. Pacientes, familiares e apoiadores da substância usaram também um carro de som para pedir que o STF reconsidere a decisão de impedir o uso.

Acesso e ações judiciais
Apesar da decisão, os pacientes, mesmo com liminares, já não estavam tendo acesso à substância. No dia 1º de abril, a Universidade de São Paulo (USP) fechou o laboratório do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) onde o composto era produzido. Desde então, a substância é fabricada apenas em um laboratório em Cravinhos, mas só para os testes clínicos que serão feitos pelo Governo do Estado de São Paulo.

A decisão do STF vai dificultar ainda mais o acesso, mas os recursos devem ser avaliados caso a caso pela Justiça como era feito antes da lei, na opinião de advogados de São Carlos que têm mais de 1,5 mil clientes que ingressaram com ações.

Por 6 votos a 4, o STF decidiu na quinta-feira (19) suspender a lei, aprovada no Congresso e sancionada em abril pela presidente Dilma Rousseff.  No mesmo julgamento, os ministros mantiveram suspensas decisões judiciais que obrigavam o governo a fornecer a substância.
Advogado diz que suspenção afeta apenas os processos na região do TRF3 (Foto: Marlon Tavoni/EPTV) 
Advogado diz que suspensão vai dificultar o acesso
às 'pílulas do câncer' (Foto: Marlon Tavoni/EPTV)

Vias indiretas
O advogado Jurandir de Castro Junior lembrou que a Justiça garantiu várias liminares a pacientes mesmo antes da existência da lei. “Antes, nós utilizávamos a Constituição pelas vias indiretas. Essa lei foi específica para fornecimento durante os testes clínicos. Nós entendemos também que existem legislações indiretas que entregam a possibilidade de o estado de fornecer essa substância, mas parte desse fundamento é evidente que está comprometida tendo em vista esse julgamento”, declarou ao G1 no dia 20 de maio.

Castro reforçou que é preciso aguardar o desenvolvimento do processo da ação direta de inconstitucionalidade usado no julgamento do STF para suspender imediatamente a lei.

“Ainda não julgou-se o mérito, mas quando a lei é criada é evidente que torna-se obrigatória. Essa obrigatoriedade o STF suspendeu. A gente começa novamente a pedir ao juiz que observe as questões de fato. Eu acredito que os juízes vão deixar de entregar de as substâncias e vão utilizar a decisão do STF como fundamento nas decisões deles. A gente tem teses com carga probatória, vamos brigar em cima, mas acredito que isso vai dificultar e muito o acesso a substância, infelizmente", disse na ocasião.

A AMB acionou o STF para derrubar a lei, que dispensou o registro Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para produção e distribuição do medicamento para tratamento de câncer. A própria lei diz que a permissão foi dada "em caráter excepcional", mesmo enquanto estudos clínicos são realizados sobre a substância.
Cápsulas de fosfoetanolamina produzidas desde os anos 90 no Instituto de Química de São Carlos (Foto: Cecília Bastos/USP Imagem) 
AMB alega que uso da pílula não tem eficácia
comprovada (Foto: Cecília Bastos/USP Imagem)

Direitos à saúde
Na ação, a Associação Médica Brasileira (AMB) alegou que o uso da fosfoetanolamina, além de não ter eficácia comprovada, pode prejudicar os pacientes, ao comprometer o tratamento convencional contra o câncer. A lei, argumenta, contraria os direitos à saúde, à segurança e à vida, garantidos pela Constituição.

Votaram para suspender a lei os ministros Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Outro grupo de ministros, minoritário e, portanto, vencido no julgamento, votou para liberar a substância somente para pacientes terminais: Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O ministro Celso de Mello, ausente, não votou no julgamento.

Em nota, a AMB afirma que não é contra a fosfoetanolamina, mas não concorda com a liberação antes dos testes clínicos que vão avaliar a eficácia dela como medicamento e, até que isso seja feito, entende que permitir o uso da substância colocaria pacientes em risco.

Liminares
A PDT Pharma, laboratório de Cravinhos (SP) que está produzindo apenas o princípio ativo para os testes com humanos e ainda não encapsula, recebeu permissão somente para entregá-lo à Fundação para o Remédio Popular (Furp), que deve encapsular e repassar ao Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). O primeiro lote com 35 quilos da fosfoetanolamina já foi entregue à Furp e deve se transformar em 70 mil cápsulas.
Princípio ativo será enviado à Furp para produção das cápsulas de fosfoetanolamina (Foto: Alexandre Sá/EPTV) 
Princípio ativo será enviado à Furp para produção
das cápsulas sintéticas (Foto: Alexandre Sá/EPTV)

Estudos clínicos
Na primeira fase da pesquisa, dez pacientes serão avaliados para determinar a segurança das doses. Caso a fosfoetanolamina não apresente efeitos colaterais graves, os testes passarão a ser realizados com mais 21 pacientes em cada grupo de tumor diferente.

Serão estudados os efeitos em pacientes com tumores na cabeça e pescoço, pulmão, mama, cólon e reto, colo uterino, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado. Constatados sinais de atividade da substância, o estágio seguinte incluirá 20 pacientes em cada grupo.

Comprovada a atividade relevante da fosfoetanolamina, novos pacientes vão sendo incluídos, nos teste, até chegar a um total de mil pessoas. O estudo será coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com investimento estimado em R$ 5 milhões.

Os primeiros relatórios sobre as pesquisas financiadas pelo Ministério apontam que as cápsulas têm uma concentração de fosfoetanolamina menor do que era esperado e que somente um dos componentes - a monoetanolamina - apresentou atividade citotóxica e antiproliferativa, ou seja, capacidade de destruir células tumorais e inibir seu crescimento.

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