segunda-feira, 25 de julho de 2016

Movimento propõe aumentar o tempo de ar livre das crianças

Pesquisas mostram benefícios como redução de obesidade e aumento na criatividade


Ibirapuera. A artista plástica Renata Afonso com seu filho Pedro, de 2 anos, no parque de São Paulo, aonde costumam ir para ver passarinhos
Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo 
Ibirapuera. A artista plástica Renata Afonso com seu filho Pedro, de 2 anos, no parque de São Paulo, aonde costumam ir para ver passarinhos - Pedro Kirilos / Agência O Globo
 
 
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SÃO PAULO - Sair do mundo bidimensional dos eletrônicos, dos brinquedos de plástico e levar as crianças ao mundo 4D das texturas, do cheiro do mato, da terra molhada. Cresce entre especialistas do Rio e de São Paulo um consenso de que é preciso reconectar os pequenos com a natureza. O movimento Crianças e Natureza (Children and Nature) surgiu em Minneapolis, nos EUA, capitaneado pelo escritor Richard Louv. No Brasil, virou uma das principais bandeiras do Instituto Alana, que vem promovendo debates entre médicos, educadores, pais e o poder público com o objetivo de aumentar o tempo de ar livre das crianças.

Pesquisas internacionais mostram os benefícios de um passeio na mata, uma caminhada no parque ou da manipulação de uma hortinha, mesmo que na varanda de casa. Segundo Louv, crianças mais em contato com a natureza tendem a ser menos hiperativas, menos agressivas, a colaborar mais umas com as outras — além disso, se reduzem os índices de obesidade e alergias, a capacidade cognitiva é aumentada, elas ficam mais focadas e criativas.

— Precisamos de mais pesquisa sobre quanto tempo de exposição à natureza seria necessário para aliviar cada sintoma. Mas sempre digo: alguma experiência na natureza é melhor do que nenhuma, e mais é melhor do que alguma — diz o escritor. — Pais e cuidadores precisam se engajar e questionar: as crianças estão molhando as mãos? Estão com os pés cheios de lama? Se não, mãos à obra.

“TRANSTORNO DE DÉFICIT DE NATUREZA”
Em seu livro recém-lançado no Brasil, “A última criança na natureza”, considerado um dos mais importantes sobre o assunto, o americano aborda ciência, História e comportamento. E criou uma expressão, “transtorno de déficit de natureza”, para chamar a atenção para o conjunto de problemas físicos e mentais que podem ocorrer em decorrência de uma vida desconectada desse mundo.

Sem apelar a radicalismos, Louv propõe maneiras de driblar o excesso de urbanização de cidades como São Paulo. Diz que, por mais que 80% dos brasileiros vivam em centros urbanos, não pode haver desculpa para que o ar livre não seja explorado.

— A pessoa pode comprar um carregamento de terra (mais barato do que um videogame) para plantar uma horta em casa ou uma banheira para pássaros. Nos fins de semana, menos visitas a shoppings e mais visitas ao ar livre. Há uma forte transformação cultural a ser feita — recomenda.

No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) já está atenta e conversa sobre como médicos podem passar a “prescrever natureza” a pacientes. A instituição pretende ainda chancelar pesquisas científicas sobre o tema — que não existem no Brasil — para estabelecer padrões de tratamento.

— Os benefícios da natureza já estão 100% comprovados nas análises clínicas. Mais tempo ao ar livre regula hormônios como a melatonina (atuante no sono) e o cortisol (que controla estresse, inflamações, o sistema imunológico, entre outras funções). Há clara atuação no chamado eixo psiconeuroimunoendrócrino da criança — diz o pediatra e médico da família da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo Ghelman, integrante da SBP.

Ricardo vem obtendo sucesso clínico prescrevendo natureza a pacientes com déficit de atenção, sinais de depressão, agressividade e alergia porque, segundo ele, o contato com os antígenos naturais “no mato ou na praia” deixa o organismo mais forte. O pediatra começou a promover viagens de fins de semana com grupos a locais como a Ilha do Cardoso, no litoral de São Paulo.

Estudo realizado pelo Landscape and Human Health Laboratory da Universidade de Illinois mostrou redução dos sintomas em todas as 452 crianças de 7 a 13 anos avaliadas com transtornos de ansiedade, após o aumento do tempo em parques. Um outro estudo, realizado em Massachussetts em mais de 900 escolas, mostrou que alunos até 11 anos tiveram notas mais altas em inglês e matemática após ficarem mais tempo ao ar livre. Há estudos nessa linha sendo feitos também em Chicago e na Suécia e que ainda não foram publicados, comenta Louv.

— Ou seja, esverdear as escolas pode ser a maneira mais eficaz e barata de também aumentar a performance dos alunos — salienta Louv.


Laís Fleury, diretora do Projeto Criança e Natureza do Instituto Alana, diz que há muito ainda a se desenvolver no Brasil. Ela cita uma pesquisa, feita a pedido de uma marca de sabão em pó, que mostrou que 40% das crianças brasileiras passam uma hora ou menos ao ar livre — “número muito insatisfatório”, segundo ela. A ideia do projeto é “unificar o debate”, engajando a todos.

Os especialistas acreditam que os benefícios acontecem desde os primeiros meses de vida.

— Quanto mais cedo o estímulo, melhor. É, afinal, na primeira infância, dos 0 aos 6 anos, que nosso sistema nervoso mais se desenvolve — conta Ghelman.

Em São Paulo, a Umapaz, departamento de Educação Ambiental da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), já aderiu ao projeto. Promove e oferece em seu site uma série de opções de caminhadas e experiências ao ar livre pelos 109 parques que existem na cidade.

— Finalmente os parques estão sendo colocados como espaços educadores para a população — comemora Monica Borba, diretora da Umapaz. — No Rio, por conta da Lagoa, da praia (sim, praia também vale como terapia natural), do Jardim Botânico, a experiência é mais acessível. Em São Paulo, os pais têm que se mobilizar um pouco mais.

DE FESTAS A ACAMPAMENTOS EM FLORESTAS
Experiências mais radicais do que a praia, no Rio, são propostas pelo Instituto Moleque Mateiro. O centro promove de festas infantis a acampamentos em florestas; o público-alvo é dos 3 aos 15 anos.

— Os benefícios a gente percebe logo de cara: num grupo, é muito comum chegarem crianças competindo umas com as outras; no final, uma está é colaborando com a outra — comenta Chico Schnoor, diretor do instituto.

A artista plástica Renata Afonso Viellas, 37 anos, é frequentadora assídua do Parque do Ibirapuera, sempre com o filho Pedro, de 2 anos, a tiracolo. Além disso, vai muito à praia, ao sítio. Pedro já pede: “Mamãe, vamos ao Ibila, ver os passarinhos?”.

— Criança gosta de simplicidade, ama mais a caixa de papelão do que o presente em si, não é mesmo? — diz ela. — Na natureza a gente monta a brincadeira, um pedaço de pau vira uma nave. Num parque público, ele convive com a diversidade, explora todos os sentidos.

QUANTO MAIS VERDE, MELHOR
Planeje. O ideal é passar pelo menos uma hora por dia ao ar livre; mas duas vezes por semana, durante uma hora, já seriam suficientes para ajudar muitas crianças.

Caminhe. Caminhar é sempre melhor do que sair de carro; faça as crianças observarem as árvores e as nuvens pelo caminho. Procure “coisas nojentas” por ruas e parques.

Discuta. Converse com professores e coordenadores da escola sobre se o tempo de exposição à natureza pode ser aumentado.


Produza. Deixe um prato de frutas para os pássaros na varanda. Mantenha um “pote de maravilhas” em casa, com terras, sementes, plantas, insetos.

Resgate. Mostre fotos e leia livros que registrem a natureza, ao ar livre.

Permita. Deixa-a brincando descalça o maior tempo possível. Adote uma árvore em sua vizinhança e faça a criança “se relacionar” com ela.

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