São Paulo tem 800 mandados obrigando a distribuir 'pílula do câncer'
Secretário diz que situação é 'enlouquecida' e que substância servirá apenas para testes
Cápsulas de fosfoetanolamina: mandados judiciais podem inviabilizar testes de eficácia - CECILIA BASTOS /USP Imagem / Cecilia Bastos /USP Imagem
SÃO PAULO – Às vésperas de começar a realizar testes com a
fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”, o governo
de São Paulo já recebeu 800 mandados expedidos pela Justiça
determinando a distribuição da substância a pacientes com a doença. De
acordo com o secretário estadual de Saúde, David Uip, isso poderia até
mesmo inviabilizar as pesquisas para verificar a eficácia do composto
químico, que jamais foi testado em humanos.
A fosfoetanolamina que será utilizada nos testes foi sintetizada e
entregue pelo laboratório PDT Pharma, em Cravinhos, interior de São
Paulo, à Fundação para o Remédio Popular (Furp) há 15 dias. A substância
foi então encapsulada e encaminhada ao Instituto do Câncer de São Paulo
(Icesp), que comandará os testes com a fórmula, criada nos anos 90 por
um pesquisador do Instituto de Química da Universidade de São Paulo
(USP) em São Carlos.
O secretário de Saúde disse que está esperando um aval da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (Conep) para
o início dos testes. Mas Uip demonstra preocupação com a quantidade de
liminares obrigando o governo estadual a distribuir o estoque de
fosfoetanolamina adquirido com o único objetivo de realizar os estudos.
— Isso é absolutamente descabido e enlouquecido, porque o que nós
encapsulamos é para protocolo, não para distribuição. Se tirar a pílula
do Icesp, não teremos como fazer a pesquisa. O compromisso do estado é
comprar o número necessário de pílulas para cumprir o protocolo. Não
vamos comercializar, mesmo porque há um pedido de patente do pesquisador
— explica o secretário, sem esclarecer se vai ou não cumprir as ordens
judiciais.
Não é a primeira vez que a Justiça determina a distribuição do
composto químico, que, mesmo antes de ser submetido a testes adequados,
ficou conhecido devido a relatos não comprovados de pacientes dando
conta de que a pílula reduziu seus tumores.
A substância vinha sendo distribuída informalmente por funcionários
da USP em São Carlos até junho de 2014, quando a universidade publicou
uma portaria interrompendo o repasse. Em meados do ano passado, uma
paciente do Rio conseguiu da Justiça autorização para obter o composto
químico. Logo depois, centenas de outros pacientes obtiveram liminares
obrigando a USP a entregar a fosfoetanolamina. A Justiça, porem, voltou
atrás, proibindo a distribuição.
No início deste ano, o governo federal sancionou uma lei aprovada
pelo Congresso Nacional que autorizava a distribuição da "pílula do
câncer" mesmo antes de estudos adequados sobre a sua eficácia, o que foi
duramente criticado pela comunidade médica e científica. A lei, porém,
foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em maio.
Testes em andamento com a fosfoetanolamina, financiados pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia e conduzidos na Universidade Federal
do Ceará (UFC), já apresentaram resultados negativos. Segundo estes
trabalhos, o composto não demonstrou eficácia na redução de tumores em
roedores criados em laboratório.
Ainda são necessários, porém, exames
clínicos para determinar os efeitos da pílula.
Em fevereiro deste ano, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,
anunciou que a substância seria sintetizada para testes no tratamento do
câncer pelo laboratório PDT Pharma. Na época, ele explicou que seriam
avaliados, inicialmente, dez pacientes para determinar a segurança da
droga.
Segundo Uip, a concentração de fosfoetanolamina entregue à Furp era
diferente da que estava prevista. Por conta disso, segue explicando o
secretário, o inventor da fórmula, o professor de Química aposentado
Gilberto Chierice, da USP de São Carlos, precisou assinar um termo de
aceitabilidade, “entendendo que aquilo (diferença na concentração) era
pertinente”:
— A última notícia que tenho, que é da segunda-feira passada, é que
estavam analisando esse aditivo no protocolo. Assim que o Conep liberar,
o teste estará pronto para começar. Chegou, é no dia seguinte — diz
Uip.
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