quinta-feira, 6 de outubro de 2016

06/10/2016 10h13 - Atualizado em 06/10/2016 10h13

Baixo estoque nos bancos de leite afeta tratamento de bebês prematuros

Estoque chegou a 16% da capacidade na central da região de Campinas.
Leite humano vai para bebês em UTIs; veja dicas para ter mais leite e doar.

Centro de Lactação de Campinas está com estoque baixo de leite materno (Foto: Patrícia Teixeira / G1) 

Centro de Lactação de Campinas está com estoque baixo de leite materno (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

O baixo estoque de leite materno nos bancos de leite afeta diretamente o tratamento de bebês internados em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), na maioria prematuros extremos, que nascem com menos de 1,5 kg. Esta é a realidade do estado de São Paulo e de outras cidades do país.

Em Campinas (SP), o Centro de Lactação - Banco de Leite Humano, que atende a demanda de 19 cidades, começou o mês de outubro com 77 litros armazenados. O volume ideal seria de, pelo menos, 250 litros para esta época.

O leite é encaminhado para hospitais que possuem UTI neonatal mediante solicitação médica, como se fosse um medicamento, e dá aos bebês a chance de receberem imunidade e nutrientes essenciais para o desenvolvimento deles, ganho de peso e recuperação até terem alta.

No entanto, quando há estoques baixos, os centros de lactação são obrigados a restringir a entrega do leite para os períodos de saúde mais crítica da criança, apenas, e não durante o tempo integral de internação, como deveria ser.

"Essa escassez [do leite humano] vai impactar no tratamento do bebê. Numa UTI neonatal, o bebê que recebe leite materno vai evoluir melhor do que o outro, com fórmula [leite industrializado]. Se tiver duas UTIs neonatais iguais, quem receber leite humano é melhor. Vai fazer diferença na recuperação do prematuro, ele vai ter menos intercorrências", alerta Andrea Penha Spinola Fernandes, coordenadora do centro de referência de bancos de leite do estado de SP.

De acordo com o Centro de Lactação de Campinas, 1 litro de leite materno doado pode alimentar até dez recém-nascidos por dia. Alguns bebês prematuros começam a ser alimentados com 1 ml nas UTIs.
Sofia nasceu prematura e viveu por 1 ano e 4 meses (Foto: Nauro Junior) 
Bebê prematura recebe leite na seringa na UTI neonatal (Foto: Nauro Junior)

16% da capacidade
No caso de Campinas, o mês de setembro terminou com estoque bem abaixo do ideal. E tem sido assim nos últimos meses. No fim de agosto, os freezers tinham somente 16% da capacidade ideal de armazenamento do Centro de Lactação. Setembro começou com um estoque de 40 litros.

"Nós já chegamos a ter um estoque de 300 litros, então a gente conseguia atender todo mundo, dentro do grupo enquadrado [de bebês em situação de risco nas UTIs neonatais]", afirma a coordenadora do Centro de Lactação Cláudia Maria Monteiro Sampaio.

Nos casos em que a mãe morre no pós parto também se enquadram na demanda do banco de leite, como o que ocorreu em Ribeirão Preto e foi divulgado no Fantástico.

Atualmente, 42 doadoras estão ativas na região de Campinas. As cidades atendidas são: Sumaré (SP), Hortolândia (SP), Monte Mor (SP), Nova Odessa (SP), Santa Bárbara D'Oeste (SP), Americana (SP), Indaiatuba (SP), Valinhos (SP), Vinhedo (SP), Paulínia (SP), Cosmópolis (SP), Jaguariúna (SP), Holambra (SP), Santo Antônio da Posse (SP), Arthur Nogueira (SP), Amparo (SP), Pedreira (SP) e Louveira (SP).

Desde 1994 até setembro deste ano, o Centro de Lactação já fez 76.245 atendimentos. Além do armazenamento do leite doado, as mães também podem agendar horário para receber orientações sobre a amamentação. E as que estão com bebês internados no Hospital Maternidade de Campinas, onde o banco de leite fica localizado, fazem a coleta do leite exclusivo, destinado aos próprios bebês.

Em 22 anos, o Centro de Lactação coletou um total de 22.161,61 litros, e 17.960 doadoras já contribuíram para o banco de leite até o momento. Veja como funciona o banco de leite de Campinas.
 
SP tem 80 mil prematuros por ano
O estado de São Paulo é o que mais recebe doações de leite materno do Brasil, de acordo com a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, órgão vinculado à Fiocruz, no RJ. Mas, também é o estado que mais tem demanda, e os estoques dos bancos de leite estão como o de Campinas, sem condições de salvar todas as vidas que precisam.

Desde o início do ano, foram coletados 29.540 litros de leite humano nos 57 bancos de leite e 35 postos de coleta espalhados por SP. Até esta quarta-feira (5), 22.139 bebês internados receberam 22.965,3 litros de leite. O volume coletado de leite em SP supera o total das regiões Sul, Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, que, aliás, também sofrem com a falta de doações.

"O estado de SP tem mais bancos de leite porque também nascem mais bebês do que em outros estados. Uma média de 650 mil bebês por ano, em torno de 80 mil prematuros por ano. Por isso, precisa de mais postos de coleta. (...) Todo leito neonatal deveria ter um banco de leite", explica Andrea.

Em todo o Brasil, este ano, já foram coletados 122.041,1 litros de leite humano e foram distribuídos 89.078,2 litros. A falta de divulgação e de informação sobre como doar, segundo Andrea, é um dos principais problemas que ocasionam os estoques baixos, sem contar as perdas que ocorrem por contaminação do leite devido à coleta e ao armazenamento inadequados, por exemplo.

"Nós encaramos o leite como um voluntariado. O objetivo é conseguir leite humano para todos os bebês que precisam. Tem gente que acha que banco de leite é lugar que vende leite. Não vendemos. E a gente não tem nem para os nossos prematuros", conta Andrea. Para ela a criação de postos de coleta nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) seria um bom caminho para aumentar as doações.
Nutricionista faz contagem de leite humano doado no Centro de Lactação de Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1) 
Nutricionista faz contagem de leite humano doado no banco de Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

O poder do leite materno
Para os prematuros, o leite é muito mais do que um alimento, segundo a coordenadora de Campinas, Cláudia Sampaio. "A gente está falando de bebês com menos de 1 kg, menos de 1,5 kg, que têm risco muito maior de uma infecção, de complicações respiratórias, que demoram muito tempo internados, perdem peso. Para eles, significa o direito à vida. O direito de lutar para sobreviver", conta a coordenadora do Centro de Lactação de Campinas, Cláudia Sampaio.

O leite humano possui, além de uma grande quantidade de anticorpos, proteína humana, que não agride o bebê, como acontece no caso das fórmulas, que acabam ocasionando, por exemplo, intestino preso.

Segundo a coordenadora de SP Andrea Fernandes, o bebê em tratamento que recebe leite humano tem menos doenças, como enterocolite necrozante, que é extremamente grave e provoca a morte de 40% dos bebês infectados.

Além disso, os prematuros tem melhora do desenvolvimento neuropsicomotor, e maior redução dos riscos de dislipidimias, obesidade, diabetes, infecções hoispitalares, em relação aos bebês que usam fórmula na alimentação.
Veja como tirar o leite materno para a doação (Foto: Matheus Rodrigues / Arte G1) 
Veja como tirar o leite materno para a doação (Foto: Matheus Rodrigues / Arte G1)

Mães doam leite excedente
O leite é doado por mães que amamentam e possuem produção excedente - quando sobra leite nas mamas após o filho ter terminado a mamada. Para doar, é necessário cumprir pré-requisitos, como ter boa saúde, não ser fumante e fazer exames de sangue específicos para garantir que o leite doado não transmita doenças para os bebês nas UTIs, como hepatites, Aids e doença de Chagas.

O incentivo à amamentação é essencial para que os bancos de leite sejam autosuficientes. Quanto mais a mulher amamentar, mais ela terá leite para doar. Para a coordenadora do centro de referência do estado, as taxas de doações aumentam ano a ano, mas ainda estão longe do desejado.

"A gente precisa trabalhar a manutenção do aleitamento materno. Precisa estimular a amamentação até os 6 meses e, depois disso, trabalhar nas creches para que elas [instituições] aceitem. Muitas creches não sabem manipular o leite, não têm orientação. As políticas públicas precisam atuar para ter melhora", afirma Andrea.

Como doar sem sair de casa?
O primeiro passo para a mãe que deseja doar o seu leite é entrar em contato com o banco de leite mais próximo da sua casa. 
Leite doado para por exames rigorosos antes de ser distribuído na região de Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1) 
Leite doado para por exames rigorosos antes de ser distribuído  (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

Uma grande parte dos bancos de leite do Brasil, vinculados à rede brasileira, têm, por prática, fazer visitas a domicílio. Técnicas de enfermagem ou profissionais do Corpo de Bombeiros, como no caso de Brasília (DF), vão até a casa das mães, levam os potes de vidro com tampas de plástico, já esterilizados, e kit com máscara e touca, para evitar a contaminação do leite durante a coleta.

A doadora vai coletar o leite excedente após amamentar o próprio filho e, paralelamente, vai fazer exames de sangue solicitados pelo banco de leite, para saber se a mãe já teve doenças, como hepatite, se é fumante, e assim garantir que o leite doado possa ser distribuído. Também é necessário apresentar o cartão do pré-natal.

"Tem passagem da nicotina para o leite e de outras substâncias. Muda o odor, o sabor desse leite. 

Pensando no nosso receptor, que é um prematuro extremo, internado em uma UTI neonatal, que tem várias patologias, já está internado, e respirador na grande maioria. Então, a gente prima pela qualidade. A gente prefere ter menos leite e não ter esse leite tabagista", ressalta a coordenadora de Campinas Cláudia Sampaio.
Equipamento usado para pasteurizar o leite materno doado em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1) 
Equipamento usado para pasteurizar o leite doado em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

Após identificar o frasco com uma etiqueta, contendo a data, o horário e o nome da doadora, o leite deve ser congelado e, a cada coleta, deve ser depositado sobre o leite colhido anteriormente, até que o pote fique cheio. Alguns dias após o início da coleta, representantes da área da saúde voltam na casa desta mãe doadora para recolher os potes com leite doado e levam para o banco de leite, onde ele é pasteurizado e submetido a um rigoroso controle de qualidade. Esse leite pode ser usado em até seis meses.

No entanto, em alguns locais do país o esquema de coleta do leite não é tão abrangente, o que acaba limitando as doações.

"Muitas vezes tem dificuldade de carro, de recursos humanos, e isso impacta na redução de leite. Às vezes, é difícil a mulher parar tudo e pegar seu frasco congelado para levar ao banco de leite. Se tivesse um esquema de coleta mais abrangente, bem delimitado, com certeza facilitaria o aumento das doações", comenta a coordenadora estadual.

Dicas para aumentar a produção de leite
A produção de leite está diretamente ligada à demanda do próprio filho, ou seja, o corpo da mulher vai produzir o volume de leite conforme o estímulo do bebê a cada mamada. No caso das mães doadoras, o cérebro entende que a produção de leite precisa ser maior, já que ela tira leite além da quantidade oferecida ao bebê. Por isso, as mães não devem se preocupar com a possibilidade de ficar sem leite para o próprio filho.

Após identificar o frasco com uma etiqueta, contendo a data, o horário e o nome da doadora, o leite deve ser congelado e, a cada coleta, deve ser depositado sobre o leite colhido anteriormente, até que o pote fique cheio. Alguns dias após o início da coleta, representantes da área da saúde voltam na casa desta mãe doadora para recolher os potes com leite doado e levam para o banco de leite, onde ele é pasteurizado e submetido a um rigoroso controle de qualidade. Esse leite pode ser usado em até seis meses.

No entanto, em alguns locais do país o esquema de coleta do leite não é tão abrangente, o que acaba limitando as doações.

"Muitas vezes tem dificuldade de carro, de recursos humanos, e isso impacta na redução de leite. Às vezes, é difícil a mulher parar tudo e pegar seu frasco congelado para levar ao banco de leite. Se tivesse um esquema de coleta mais abrangente, bem delimitado, com certeza facilitaria o aumento das doações", comenta a coordenadora estadual.

Dicas para aumentar a produção de leite
A produção de leite está diretamente ligada à demanda do próprio filho, ou seja, o corpo da mulher vai produzir o volume de leite conforme o estímulo do bebê a cada mamada. No caso das mães doadoras, o cérebro entende que a produção de leite precisa ser maior, já que ela tira leite além da quantidade oferecida ao bebê. Por isso, as mães não devem se preocupar com a possibilidade de ficar sem leite para o próprio filho.
Doação de leite materno e amamentação são temas da Semana Estadual de Doação de Leite (Foto: Oswaldo Forte/O Liberal) 
Leite materno deve ser coletado em frasco esterilizado (Foto: Oswaldo Forte/O Liberal)

"Em primeiro lugar, beber muita água, porque a perda é muito grande. A gente sempre orienta colocar uma garrafa do lado enquanto estiver amamentando, suco, água de coco. Além disso, ela precisa se alimentar com comida normal. Não precisa mais tirar um monte de coisa da alimentação, como era antigamente. O que ela usou na gravidez, o bebê já teve contato intraútero, não dá cólica", orienta Cláudia.

A pediatra e coordenadora também explica que o consumo de lanches com frequência não é bom, pois não têm o aporte calórico que a mulher precisa, e a produção de leite pode acabar diminuindo. As mães podem, inclusive, amamentar e comer ao mesmo tempo sem problema. Não tem risco de gases, segundo a médica. "Não existe leite fraco", alerta Cláudia.

Compressas quentes e frias não são recomendadas pois podem provocar um aumento excessivo do leite nas mamas, aumentando o risco de mastite.

"A gelada faz vasoconstrição por um período curto, mas em seguida ela faz vasodilatação que é muito pior que água quente", afirma Cláudia.

As mães que amamentam e gostariam de doar podem buscar orientações nos bancos de leite espalhados pelo país. Independentemente do tamanho do seio ou do bico do peito, todas podem amamentar.
Potes com leite materno já pasteurizados passam por exames rigorosos em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1) 
Potes com leite materno já pasteurizados passam por exames rigorosos (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

Massagem e doação evitam mastite
A mastite é a inflamação das glândulas mamárias causada pelo acúmulo de leite nas mamas. Por isso, a constante estimulação das mamas para a amamentação e doação de leite materno ajudam a evitar essa doença, que pode ocorrer em qualquer momento do período de amamentação.

Segundo a coordenadora do Centro de Lactação de Campinas, a mãe não deve deixar pontos endurecidos, nódulos, nos seios. Para isso, saber fazer a massagem corretamente é essencial. Primeiramente, vai ajudar para o aleitamento correto do próprio filho.
Cláudia Sampaio, pediatra e coordenadora do Centro de Lactação - Banco de Leite de Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1) 
Cláudia, pediatra e coordenadora do bancode leite de Campinas (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

"É sempre importante ela lembrar de fazer a massagem na aréola antes de posicionar o bebê pra mamar. Ela sempre toca e percebe se tem pontos endurecidos. Se a mama estiver cheia, o bebê vai tentar posicionar a boca, escorrega e vai pro bico. O risco de fissiura é muito grande e de o bebê não mamar direito, não tirar o leite que ele precisa", explica Cláudia.

A massagem deve ser feita em movimentos circulares, com uma das mãos embaixo da mama enquanto a outra massageia a aréola, com a ponta dos dedos, e vai subindo em direção ao corpo.

"No caso das doadoras, é nesse momento que elas tiram o leite [excedente]. Se não fizer a massagem, a próxima mamada vai ser do outro lado e o leite, na outra mama, vai acumulando e tem o risco de mastite", alerta a coordenadora de Campinas.
Projeto de lei sobre amamentação, Paula Ribeiro e Clarice (Foto: Paula Ribeiro) 
Mãe deve amamentar o próprio filho para ser doadora de leite humano  (Foto: Paula Ribeiro)

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