Cientistas desvendam por que leite materno tem moléculas de açúcar que bebês não digerem
Pesquisadores descobriram que oligossacarídeos exercem uma função importante na proteção de infecções e já testam esse conhecimento na prevenção de doenças em prematuros.
Por BBC
O ser humano nasce com 3,5 kg e 45 cm de comprimento, em média. A
partir daí, nas primeiras semanas de vida, é quando crescemos mais
rápido: quase um centímetro por semana. E o único alimento que ingerimos
para sustentar esse impressionante ritmo é o leite materno, que contém
tudo que é necessário para o desenvolvimento de um bebê.
Para produzi-lo, o corpo da mãe precisa usar componentes de si próprio.
Por exemplo, derreter a gordura que armazena, primeiramente dos quadris
e das nádegas. Por isso, pode parecer estranho que um dos principais
ingredientes do leite materno não possa ser digerido por humanos.
"O leite materno é tudo o que o bebê necessita nutricionalmente e muito mais", destaca Bruce German, do Departamento de Ciência e Tecnologia Alimentícia da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos.
"É repleto de água, proteínas, gordura, açúcar... Mas o surpreendente é
que tenha uma enorme quantidade de oligossacarídeos complexos, que são
totalmente indigestos para bebês."
Os cientistas descobriram há mais de meio século que essas moléculas
complexas de açúcar não são absorvidas pelo intestino e não têm nenhum
benefício nutritivo, mas não sabiam explicar sua presença no leite
materno. German e sua equipe se dedicaram a resolver esse enigma e a
descobrir por que as mães produzem grandes quantidades dessas moléculas.
"Nossa hipótese era que, se essas moléculas não alimentavam o bebê, deviam alimentar outra coisa: bactérias", diz German.
Proteção
Amostras de oligossacaerídeos foram entregues ao renomado microbiólogo
David Mills. "Ele testou bactérias até encontrar uma que crescia com
essas moléculas", explica German.
A bifidobacterium infantis é a única que pode se alimentar dos
oligossacarídeos do leite humano.
Assim, deduziu-se que as moléculas
indigestas estavam presentes nele para que essas bactérias pudessem
crescer e florescer.
Um bebê vive em um ambiente estéril e protegido até o nascimento,
quando começa a adquirir bactérias do seu entorno. O intestino delgado é
particularmente suscetível a bactérias infecciosas patogênicas.
Assim, como essa bactéria floresce nos oligossacarídeos, o intestino
delgado se enche de bifidobacterium infantis, cobre o intestino do bebê e
impede que qualquer patógeno cresça. Ou seja, as mães literalmente
recrutam outra forma de vida para cuidar de seus bebês após o parto.
Prevenção
Na unidade neonatal de Sacramento, na Califórnia, os médicos estão testando um novo tratamento para ajudar bebês prematuros.
Um dos maiores desafios enfrentados por esses recém-nascidos é
conseguir que as bactérias adequadas colonizem seus intestinos. Sem
isso, correm o risco de desenvolver uma grave infecção intestinal, a
enterocolite necrosante. Caso o tecido intestinal esteja infectado,
podem surgir orifícios na parede do órgão, o que chega a ser fatal.
Por isso, os médicos começaram a alimentá-los com uma mistura de leite
materno e bifidobacterium infantis. E mediram depois um aumento de
bactérias nas amostras de fezes dos bebês. As evidências acumuladas até
agora mostram que a bactéria pode prevenir a enterocolite necrosante.
O trabalho de German e sua equipe estão ampliando nossa compreensão de
como bactérias podem ser benéficas e ajudar nosso organismo.
Há uma comunidade diversa de micróbios que vivem em cada um de nós: é o
nosso microbioma. À medida que crescemos, ele cresce com a gente: a
comida que ingerimos, os lugares que visitamos, as pessoas com quem
interagimos, cada nova experiência modifica esse bioma. É algo tão
individual quanto nossas digitais.
Temos milhares de espécies de bactérias vivendo em nossa pele, por
exemplo. Em cada centímetro quadrado, pode haver mais de 1 milhão de
bactérias ou mais. Um estudo identificou mais de 1 mil espécies que até
então eram desconhecidas simplesmente a partir de amostras do umbigo.
Esses bilhões de bactérias com que convivemos não são parasitas. Há
pesquisas que mostram que um desequilíbrio nas bactérias intestinais
pode ter um enorme impacto no funcionamento dos nossos corpos.
A obesidade, a pressão arterial e doenças cardíacas já foram vinculadas
a microbiomas deficientes. É possível ainda que afetem nosso estado de
ânimo, causando depressão.
Por isso, é essencial que tenham um bioma de bactérias saudável -- desde o berço.
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