quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Cientistas desvendam por que leite materno tem moléculas de açúcar que bebês não digerem

Pesquisadores descobriram que oligossacarídeos exercem uma função importante na proteção de infecções e já testam esse conhecimento na prevenção de doenças em prematuros.

Por BBC
 

O leite materno contém tudo o que um bebê necessita nutricionalmente (Foto: depositphotos) 
O leite materno contém tudo o que um bebê necessita nutricionalmente (Foto: depositphotos) 
 
O ser humano nasce com 3,5 kg e 45 cm de comprimento, em média. A partir daí, nas primeiras semanas de vida, é quando crescemos mais rápido: quase um centímetro por semana. E o único alimento que ingerimos para sustentar esse impressionante ritmo é o leite materno, que contém tudo que é necessário para o desenvolvimento de um bebê. 

Para produzi-lo, o corpo da mãe precisa usar componentes de si próprio. Por exemplo, derreter a gordura que armazena, primeiramente dos quadris e das nádegas. Por isso, pode parecer estranho que um dos principais ingredientes do leite materno não possa ser digerido por humanos.
"O leite materno é tudo o que o bebê necessita nutricionalmente e muito mais", destaca Bruce German, do Departamento de Ciência e Tecnologia Alimentícia da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos.
"É repleto de água, proteínas, gordura, açúcar... Mas o surpreendente é que tenha uma enorme quantidade de oligossacarídeos complexos, que são totalmente indigestos para bebês." 

Os cientistas descobriram há mais de meio século que essas moléculas complexas de açúcar não são absorvidas pelo intestino e não têm nenhum benefício nutritivo, mas não sabiam explicar sua presença no leite materno. German e sua equipe se dedicaram a resolver esse enigma e a descobrir por que as mães produzem grandes quantidades dessas moléculas.
"Nossa hipótese era que, se essas moléculas não alimentavam o bebê, deviam alimentar outra coisa: bactérias", diz German.

Proteção

Amostras de oligossacaerídeos foram entregues ao renomado microbiólogo David Mills. "Ele testou bactérias até encontrar uma que crescia com essas moléculas", explica German. 

A bifidobacterium infantis é a única que pode se alimentar dos oligossacarídeos do leite humano. 

Assim, deduziu-se que as moléculas indigestas estavam presentes nele para que essas bactérias pudessem crescer e florescer. 

Um bebê vive em um ambiente estéril e protegido até o nascimento, quando começa a adquirir bactérias do seu entorno. O intestino delgado é particularmente suscetível a bactérias infecciosas patogênicas. 

Assim, como essa bactéria floresce nos oligossacarídeos, o intestino delgado se enche de bifidobacterium infantis, cobre o intestino do bebê e impede que qualquer patógeno cresça. Ou seja, as mães literalmente recrutam outra forma de vida para cuidar de seus bebês após o parto. 
 
Prevenção 
 
Na unidade neonatal de Sacramento, na Califórnia, os médicos estão testando um novo tratamento para ajudar bebês prematuros. 

Um dos maiores desafios enfrentados por esses recém-nascidos é conseguir que as bactérias adequadas colonizem seus intestinos. Sem isso, correm o risco de desenvolver uma grave infecção intestinal, a enterocolite necrosante. Caso o tecido intestinal esteja infectado, podem surgir orifícios na parede do órgão, o que chega a ser fatal. 

Por isso, os médicos começaram a alimentá-los com uma mistura de leite materno e bifidobacterium infantis. E mediram depois um aumento de bactérias nas amostras de fezes dos bebês. As evidências acumuladas até agora mostram que a bactéria pode prevenir a enterocolite necrosante. 

O trabalho de German e sua equipe estão ampliando nossa compreensão de como bactérias podem ser benéficas e ajudar nosso organismo. 

Há uma comunidade diversa de micróbios que vivem em cada um de nós: é o nosso microbioma. À medida que crescemos, ele cresce com a gente: a comida que ingerimos, os lugares que visitamos, as pessoas com quem interagimos, cada nova experiência modifica esse bioma. É algo tão individual quanto nossas digitais. 

Temos milhares de espécies de bactérias vivendo em nossa pele, por exemplo. Em cada centímetro quadrado, pode haver mais de 1 milhão de bactérias ou mais. Um estudo identificou mais de 1 mil espécies que até então eram desconhecidas simplesmente a partir de amostras do umbigo. 

Esses bilhões de bactérias com que convivemos não são parasitas. Há pesquisas que mostram que um desequilíbrio nas bactérias intestinais pode ter um enorme impacto no funcionamento dos nossos corpos. 

A obesidade, a pressão arterial e doenças cardíacas já foram vinculadas a microbiomas deficientes. É possível ainda que afetem nosso estado de ânimo, causando depressão. 

Por isso, é essencial que tenham um bioma de bactérias saudável -- desde o berço. 

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