quinta-feira, 23 de março de 2017

Pesquisa aponta presença de salmonela mais invasiva e mais resistente no Brasil

Cientistas identificaram nove amostras de ST313, a primeira isolada em 1989. Bactéria cai na corrente sanguínea e pode provocar infecção, aumentando o risco de morte.

 
Uma pesquisa publicada na última edição da revista “Infection, Genetics and Evolution” revela a presença de um subtipo mais invasivo e mais patogênico de salmonela no Brasil. Até hoje, o ST313, como é chamado, havia sido registrado quase exclusivamente na África Subsaariana. 

Ao contrário de outros subtipos de Salmonella enterica sorovariedade Typhimirium, que provocam gastroenterite, com febre, náuseas, vômito e diarreia, essa variação da bactéria consegue quebrar a barreira gastrointestinal e cair na corrente sanguínea, provocando infecção. Estudos anteriores com pacientes africanos apontam que a taxa de mortalidade com o ST313 é de mais de 25%. 

“Esse achado é filogeneticamente importante e extremamente interressante, porém muito preocupante em termos de saúde pública", avalia Cristiano Gallina Moreira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara (FCF-Unesp) e um dos autores do estudo, uma parceria entre cientistas da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do Instituto Adolfo Lutz de Ribeirão Preto, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Food and Drug Administration, dos Estados Unidos.
"Muitos casos esporádicos, infelizmente, passam despercebidos, sem sua devida identificação”

Circulação silenciosa

O artigo publicado, intitulado “Multilocus Sequence Typing of Salmonella Typhimurium reveals the presence of the highly invasive ST313 in Brazil”, aponta a presença do ST313 em nove das 88 amostras analisadas. 

Foram estudadas amostras isoladas entre 1983 e 2013, provenientes de São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Goiás, Paraná e Bahia, e todas com a presença do ST313 são de São Paulo. A primeira unidade com o subtipo data de 1989. Também há registros de 1990, 1993, 1995, 1996, 1998, 2000 e 2003, retirados de fezes humanas, salsicha de porco crua, alface e sangue. 

“Se considerarmos a amostra isolada no ano 2000, por exemplo, são 17 anos até sua identificação e descrição científica”, diz Cristiano sobre a demora para identificar o subtipo no país, problema que para o grupo pode estar relacionado à não obrigatoriedade de notificação de casos de Salmonella no Brasil. 

Atualmente, episódios isolados não precisam ser comunicados, apenas surtos alimentares. Por conta disso, há poucos dados disponíveis para análise e o acesso a eles é difícil. "Muitos casos esporádicos, infelizmente, passam despercebidos, sem sua devida identificação”, alerta o pesquisador. 

Outro problema da falta de notificação, segundo os pesquisadores, é o uso indiscriminado de antibióticos de amplo espectro contra diferentes linhagens bacterianas. Durante um período a medicação funciona, mas, com o passar do tempo, os organismos unicelularesse tornam resistentes e o remédio pode deixar de surtir efeito. Nesse cenário, a situação sai do controle antes que os centros de pesquisa consigam concluir de que forma a bactéria atua especificamente.

Trabalho em equipe

A pesquisa surgiu da tese de doutorado defendida por Fernanda Almeida na USP de Ribeirão Preto em 2016 e cada grupo de cientistas ficou responsável por uma área. A equipe coordenada pela professora Juliana Pfrimer Falcão reuniu, identificou e tipou molecularmente as amostras, além de estudar o viés epidemiológico das linhagens. Já Cristiano e o doutorando Patrick da Silva pesquisaram a patogenicidade das bactérias, os mecanismos pelos quais elas provocam doenças. 

“Fizemos o ensaio de invasão, para avaliar o processo de invasão em células epiteliais, e o ensaio de sobrevivência em macrófago, para verificar como ela consegue se defender”, explica Patrick. 

No primeiro teste, os pesquisadores analisaram os resultados após 90 minutos de interação entre as bactérias e as células in vitro e, no segundo, verificaram a capacidade de sobrevivência das bactérias durante três horas dentro de células capazes de englobar agentes estranhos. Com as análises, eles descobriram que o ST313 é mais invasivo que outros subtipos e seus níveis de replicação são maiores.
"É um alerta para as autoridades competentes do país"

Próximos passos

Os pesquisadores querem agora fazer estudos em camundongos para entender melhor os mecanismos do ST313 no organismo e tentam novos aportes junto às agências de fomento para dar continuidade à pesquisa, financiada na primeira etapa pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e FDA. 

Eles também esperam que a descoberta sirva de aviso para as autoridades competentes e leve à comunicação obrigatória de casos de contaminação por Salmonella no Brasil, como já ocorre em países como os Estados Unidos. 

“É um alerta para as autoridades competentes do país, onde esses patógenos alimentares importantes por vezes não são notificados e, dessa forma, vão se adaptando e empregando estratégias diferenciadas, como no caso do ST313, havendo a necessidade de novos estudos para entender melhor os detalhes da virulência desse microrganismo”, afirma Cristiano.

Anvisa

Procurada pelo G1 na tarde de sexta-feira (17), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não se manifestou sobre a não obrigatoriedade de reporte de casos de Salmonella.

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