Pesquisa aponta presença de salmonela mais invasiva e mais resistente no Brasil
Cientistas identificaram nove amostras de ST313, a primeira isolada em 1989. Bactéria cai na corrente sanguínea e pode provocar infecção, aumentando o risco de morte.
Uma pesquisa publicada na última edição da revista “Infection, Genetics and Evolution”
revela a presença de um subtipo mais invasivo e mais patogênico de
salmonela no Brasil. Até hoje, o ST313, como é chamado, havia sido
registrado quase exclusivamente na África Subsaariana.
Ao contrário de outros subtipos de Salmonella enterica sorovariedade
Typhimirium, que provocam gastroenterite, com febre, náuseas, vômito e
diarreia, essa variação da bactéria consegue quebrar a barreira
gastrointestinal e cair na corrente sanguínea, provocando infecção.
Estudos anteriores com pacientes africanos apontam que a taxa de
mortalidade com o ST313 é de mais de 25%.
“Esse achado é filogeneticamente importante e extremamente
interressante, porém muito preocupante em termos de saúde pública",
avalia Cristiano Gallina Moreira, professor da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas de Araraquara (FCF-Unesp) e um dos autores do estudo, uma
parceria entre cientistas da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão
Preto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do Instituto Adolfo
Lutz de Ribeirão Preto, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e
do Food and Drug Administration, dos Estados Unidos.
"Muitos casos esporádicos, infelizmente, passam despercebidos, sem sua devida identificação”
Circulação silenciosa
O artigo publicado, intitulado “Multilocus Sequence Typing of Salmonella
Typhimurium reveals the presence of the highly invasive ST313 in
Brazil”, aponta a presença do ST313 em nove das 88 amostras analisadas.
Foram estudadas amostras isoladas entre 1983 e 2013, provenientes de
São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Goiás,
Paraná e Bahia, e todas com a presença do ST313 são de São Paulo. A
primeira unidade com o subtipo data de 1989. Também há registros de
1990, 1993, 1995, 1996, 1998, 2000 e 2003, retirados de fezes humanas,
salsicha de porco crua, alface e sangue.
“Se considerarmos a amostra isolada no ano 2000, por exemplo, são 17
anos até sua identificação e descrição científica”, diz Cristiano sobre a
demora para identificar o subtipo no país, problema que para o grupo
pode estar relacionado à não obrigatoriedade de notificação de casos de
Salmonella no Brasil.
Atualmente, episódios isolados não precisam ser comunicados, apenas
surtos alimentares. Por conta disso, há poucos dados disponíveis para
análise e o acesso a eles é difícil. "Muitos casos esporádicos,
infelizmente, passam despercebidos, sem sua devida identificação”,
alerta o pesquisador.
Outro problema da falta de notificação, segundo os pesquisadores, é o
uso indiscriminado de antibióticos de amplo espectro contra diferentes
linhagens bacterianas. Durante um período a medicação funciona, mas, com
o passar do tempo, os organismos unicelularesse tornam resistentes e o
remédio pode deixar de surtir efeito. Nesse cenário, a situação sai do
controle antes que os centros de pesquisa consigam concluir de que forma
a bactéria atua especificamente.
Trabalho em equipe
A pesquisa surgiu da tese de doutorado defendida por Fernanda Almeida
na USP de Ribeirão Preto em 2016 e cada grupo de cientistas ficou
responsável por uma área. A equipe coordenada pela professora Juliana
Pfrimer Falcão reuniu, identificou e tipou molecularmente as amostras,
além de estudar o viés epidemiológico das linhagens. Já Cristiano e o
doutorando Patrick da Silva pesquisaram a patogenicidade das bactérias,
os mecanismos pelos quais elas provocam doenças.
“Fizemos o ensaio de invasão, para avaliar o processo de invasão em
células epiteliais, e o ensaio de sobrevivência em macrófago, para
verificar como ela consegue se defender”, explica Patrick.
No primeiro teste, os pesquisadores analisaram os resultados após 90 minutos de interação entre as bactérias e as células in vitro
e, no segundo, verificaram a capacidade de sobrevivência das bactérias
durante três horas dentro de células capazes de englobar agentes
estranhos. Com as análises, eles descobriram que o ST313 é mais invasivo
que outros subtipos e seus níveis de replicação são maiores.
"É um alerta para as autoridades competentes do país"
Próximos passos
Os pesquisadores querem agora fazer estudos em camundongos para
entender melhor os mecanismos do ST313 no organismo e tentam novos
aportes junto às agências de fomento para dar continuidade à pesquisa,
financiada na primeira etapa pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e FDA.
Eles também esperam que a descoberta sirva de aviso para as autoridades
competentes e leve à comunicação obrigatória de casos de contaminação
por Salmonella no Brasil, como já ocorre em países como os Estados Unidos.
“É um alerta para as autoridades competentes do país, onde esses
patógenos alimentares importantes por vezes não são notificados e, dessa
forma, vão se adaptando e empregando estratégias diferenciadas, como no
caso do ST313, havendo a necessidade de novos estudos para entender
melhor os detalhes da virulência desse microrganismo”, afirma Cristiano.
Anvisa
Procurada pelo G1
na tarde de sexta-feira (17), a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) ainda não se manifestou sobre a não obrigatoriedade
de reporte de casos de Salmonella.
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