quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

'Doença da urina preta': o que a ciência já descobriu sobre o problema

Mais de 50 pessoas tiveram sintomas na Bahia e no Ceará; dois morreram. Suspeitas recaem sobre toxina de peixe ou vírus, mas ainda não há conclusão.

 
Em dezembro de 2016, moradores de Salvador e de dois municípios da região metropolitana da capital começaram a buscar os serviços de saúde com fortes dores musculares e urina escura. Desde então, mais de 50 pessoas tiveram os sintomas. Duas delas morreram. Veja o que médicos e pesquisadores já sabem sobre a doença misteriosa até o momento:

Quantas pessoas foram afetadas?

Houve 57 casos. Na Bahia, 52 apresentaram os sintomas: 50 em Salvador, 1 em Vera Cruz e 1 em Lauro de Freitas, ambos municípios da região metropolitana da capital. No Ceará, 5 casos foram registrados.

Duas pessoas da Bahia morreram com os sintomas.

Novos casos continuam aparecendo?

Não houve novas notificações desde o dia 5 de janeiro na Bahia. Os casos mais recentes foram registrados no Ceará.

Quais são os sintomas?

Pacientes têm dores fortes no pescoço e nos músculos. Em alguns casos, apresentam urina escura e insuficiência renal. 

Esses sintomas sugerem um quadro de rabdomiólise, que é a morte das células musculares por inflamação. 

Quando essas células morrem, liberam no sangue uma proteína chamada mioglobina, de coloração escura. 

A mioglobina é filtrada pelos rins, por isso a urina fica escura. Além disso, como a mioglobina é tóxica aos rins, uma grande quantidade presente no sangue pode levar à insuficiência renal. 

A rabdomiólise pode ter causas físicas (esforços físicos extremos ou trauma por esmagamento), químicas (toxinas ou drogas) ou infecciosas (por vírus ou bactérias). 

Por causa desses sintomas, a doença tem sido tratada nos boletins epidemiológicos como "mialgia aguda a esclarecer" (mialgia significa dor muscular).

Qual o perfil dos pacientes?

Segundo o infectologista Tiago Lobo, que atendeu vários pacientes com o quadro, a maioria das pessoas afetadas são de classe média alta, o que sugere que a doença não tenha relação com falta de saneamento básico.

O que provoca a doença?

Ainda não há uma conclusão definitiva. As duas principais hipóteses consideradas são: 

Intoxicação por peixeDos 52 pacientes da Bahia, 44 afirmaram terem comido peixe e 8 disseram que não comeram. Os peixes consumidos foram das espécies olho de boi e badejo. 

Existem casos registrados em vários lugares do mundo de pacientes com sintomas parecidos aos da Bahia e do Ceará provocados pela ingestão de peixe, classificados como doença de Haff. Em 2008, um surto de doença de Haff ligado ao consumo do peixe pacu-manteiga atingiu 27 pessoas no Amazonas. 

Desde 1924, quando a doença foi descrita pela primeira vez, houve surtos registrados na Suécia, estados da antiga União Soviética, Estados Unidos e China. 

ParechovirusPesquisadores também verificam se o parechovirus poderia ter provocado os sintomas. Amostras de fezes de alguns dos pacientes avaliadas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) indicaram a presença do vírus, mas uma investigação mais aprofundada ainda é aguardada. Casos de infecção pelo vírus já ocorreram anteriormente no Brasil, Estados Unidos e Austrália.

Quem está investigando os casos?

Análises de amostras de urina, soro e fezes estão sendo conduzidas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL) em São Paulo e pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

A doença pode se espalhar pelo Brasil?

A doença foi primeiro identificada na Bahia e depois surgiram casos no Ceará. Quatro dos cinco casos do Ceará ocorreram em uma mesma família e têm ligação com uma pessoa que esteve em Salvador. Como a causa da doença ainda não foi identificada, ainda não é possível saber se ela pode se espalhar pelo país. Se for um vírus, há chance de a doença se espalhar. Se for uma intoxicação, os casos tendem a ser pontuais. 

Um caso registrado na cidade de Alagoinhas, na Bahia, traz indícios que apontam para a transmissão por vírus. Segundo o infectologista Gúbio Soares, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), uma mulher grávida desenvolveu os sintomas após entrar em contato com a irmã. Ela diz que não consumiu peixe. Uma criança de 5 anos, da mesma família, também foi infectada. “Estes casos mostram que a transmissão pode ser fecal/oral. Pode ser de uma família de vírus que se dissemina desta maneira”, afirmou o médico.

Como se proteger?

Enquanto as causas não forem identificadas, o infectologista Tiago Lobo recomenda que quem for visitar Salvador não consuma as duas espécies de peixe que estão sendo investigadas como possível causa da doença: olho de boi e badejo. “Não é motivo para pânico, mas é motivo para preocupação: se tiver algum dos sintomas, procure assistência médica.” 

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