'Doença da urina preta': o que a ciência já descobriu sobre o problema
Mais de 50 pessoas tiveram sintomas na Bahia e no Ceará; dois morreram. Suspeitas recaem sobre toxina de peixe ou vírus, mas ainda não há conclusão.
Em dezembro de 2016, moradores de Salvador e de dois municípios da
região metropolitana da capital começaram a buscar os serviços de saúde
com fortes dores musculares e urina escura. Desde então, mais de 50
pessoas tiveram os sintomas. Duas delas morreram. Veja o que médicos e
pesquisadores já sabem sobre a doença misteriosa até o momento:
Quantas pessoas foram afetadas?
Houve 57 casos. Na Bahia, 52 apresentaram os sintomas: 50 em Salvador, 1 em Vera Cruz e 1 em Lauro de Freitas, ambos municípios da região metropolitana da capital. No Ceará, 5 casos foram registrados.
Duas pessoas da Bahia morreram com os sintomas.
Novos casos continuam aparecendo?
Não houve novas notificações desde o dia 5 de janeiro na Bahia. Os casos mais recentes foram registrados no Ceará.
Quais são os sintomas?
Pacientes têm dores fortes no pescoço e nos músculos. Em alguns casos, apresentam urina escura e insuficiência renal.
Esses sintomas sugerem um quadro de rabdomiólise, que é a morte das
células musculares por inflamação.
Quando essas células morrem, liberam
no sangue uma proteína chamada mioglobina, de coloração escura.
A
mioglobina é filtrada pelos rins, por isso a urina fica escura. Além
disso, como a mioglobina é tóxica aos rins, uma grande quantidade
presente no sangue pode levar à insuficiência renal.
A rabdomiólise pode ter causas físicas (esforços físicos extremos ou
trauma por esmagamento), químicas (toxinas ou drogas) ou infecciosas
(por vírus ou bactérias).
Por causa desses sintomas, a doença tem sido tratada nos boletins
epidemiológicos como "mialgia aguda a esclarecer" (mialgia significa dor
muscular).
Qual o perfil dos pacientes?
Segundo o infectologista Tiago Lobo, que atendeu vários pacientes com o
quadro, a maioria das pessoas afetadas são de classe média alta, o que
sugere que a doença não tenha relação com falta de saneamento básico.
O que provoca a doença?
Ainda não há uma conclusão definitiva. As duas principais hipóteses consideradas são:
Intoxicação por peixeDos
52 pacientes da Bahia, 44 afirmaram terem comido peixe e 8 disseram que
não comeram. Os peixes consumidos foram das espécies olho de boi e
badejo.
Existem casos registrados em vários lugares do mundo
de pacientes com sintomas parecidos aos da Bahia e do Ceará provocados
pela ingestão de peixe, classificados como doença de Haff. Em 2008, um
surto de doença de Haff ligado ao consumo do peixe pacu-manteiga atingiu
27 pessoas no Amazonas.
Desde 1924, quando a doença foi descrita pela primeira vez, houve
surtos registrados na Suécia, estados da antiga União Soviética, Estados
Unidos e China.
ParechovirusPesquisadores
também verificam se o parechovirus poderia ter provocado os sintomas.
Amostras de fezes de alguns dos pacientes avaliadas pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA) indicaram a presença do vírus, mas uma
investigação mais aprofundada ainda é aguardada. Casos de infecção pelo
vírus já ocorreram anteriormente no Brasil, Estados Unidos e Austrália.
Quem está investigando os casos?
Análises de amostras de urina, soro e fezes estão sendo conduzidas pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA), pela Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) no Rio de Janeiro, pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL) em São
Paulo e pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla
em inglês) dos Estados Unidos.
A doença pode se espalhar pelo Brasil?
A doença foi primeiro identificada na Bahia e depois surgiram casos no
Ceará. Quatro dos cinco casos do Ceará ocorreram em uma mesma família e
têm ligação com uma pessoa que esteve em Salvador. Como a causa da
doença ainda não foi identificada, ainda não é possível saber se ela
pode se espalhar pelo país. Se for um vírus, há chance de a doença se
espalhar. Se for uma intoxicação, os casos tendem a ser pontuais.
Um caso registrado na cidade de Alagoinhas, na Bahia, traz indícios que
apontam para a transmissão por vírus. Segundo o infectologista Gúbio
Soares, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), uma mulher grávida
desenvolveu os sintomas após entrar em contato com a irmã. Ela diz que
não consumiu peixe. Uma criança de 5 anos, da mesma família, também foi
infectada. “Estes casos mostram que a transmissão pode ser fecal/oral.
Pode ser de uma família de vírus que se dissemina desta maneira”,
afirmou o médico.
Como se proteger?
Enquanto as causas não forem identificadas, o infectologista Tiago Lobo
recomenda que quem for visitar Salvador não consuma as duas espécies de
peixe que estão sendo investigadas como possível causa da doença: olho
de boi e badejo. “Não é motivo para pânico, mas é motivo para
preocupação: se tiver algum dos sintomas, procure assistência médica.”
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