'Meu sonho é respirar sem aparelhos': o drama da fila de transplante de pulmão
De acordo com o Ministério da Saúde, 42.306 pessoas estão aguardando transplante de órgão no Brasil.
"Medo é psicológico", diz Maria Eduarda Zilio, de 14 anos. Uma
sorridente jovem que, apesar da pouca idade, já enfrenta uma corrida
pela vida e cujo sonho é ter um dia a dia normal, como qualquer menina.
Duda, como gosta de ser chamada, sofre de fibrose cística, doença de
origem genética que compromete os órgãos - em especial os pulmões.
Por força da enfermidade, ela entrou, em 7 de janeiro de 2016, para a
fila de 42.306 pessoas que, segundo dados do Ministério da Saúde,
aguardam por um transplante de órgão hoje no Brasil. O de pulmão está
entre as cirurgias consideradas mais complexas pela medicina.
A espera de Duda se torna ainda mais particular por suas
peculiaridades: o pulmão precisa ser pequeno, de alguém com até 1,40 m
de altura. Para complicar ainda mais seu caso, ela está entre os 6% de
pessoas no mundo que tem sangue B+, o que reduz, e muito, as
probabilidades de encontrar um doador compatível.
O diagnóstico da doença veio aos 3 anos - os problemas mais sérios
começaram em 2014, aos 12. "Ela fazia esportes, educação física no
colégio, sempre levou uma vida normal. Mas em julho daquele ano ficou 21
dias internada", conta a mãe Margarete Zilio, de 52 anos.
Desde então, a doença evoluiu e levou a uma mudança de vida de toda
família. Na volta para casa, ela sofreu um pneumotórax (acúmulo anormal
de ar entre o pulmão e a pleura, membrana que reveste internamente a
parede do tórax) e ficou mais 39 dias internada.
"Foram quarenta. Cada dia a mais conta", corrige logo Duda.
Na busca por tratamento, os pais e a menina se mudaram de Jundiaí, no
interior de São Paulo, para Gravataí, na região metropolitana de Porto
Alegre, a capital gaúcha.
A família chegou a fazer campanha nas redes sociais pedindo ajuda. A página "Duda Zilio - Garota de fibra" ainda está no ar.
Na Santa Casa de Porto Alegre, centro de referência em transplantes no
país, a menina faz reabilitação junto a outros 40 pacientes enquanto
aguarda um órgão compatível. "Duda engordou dez quilos depois que
começou a reabilitação, foi maravilhoso pra ela", conta a mãe.
Lá, todos vivem conectados ao cilindro de oxigênio, o equipamento com o
qual Duda convive 24 horas por dia. Uma fonte de vida, mas também de
problemas.
"As pessoas tropeçam no fio. A minha mãe e a minha avó também. Quando
eu grito 'Mãe!' já é tarde, acaba que até arranca do nariz", conta a
menina, rindo.
Ela também passa por dificuldades na rua. As pessoas não enxergam a
mangueira fina e passam no meio, entre a menina e a mãe - o paciente não
deve levar o equipamento e, por isso, tampouco pode andar sozinho.
"O sonho dela é entrar na sala de cirurgia e sair de lá sem ter que carregar mais esse tubo", diz a mãe.
Duda vai à escola normalmente, mas não pôde participar da viagem de
formatura. Como o órgão pode surgir a qualquer momento, a família não
pode viajar.
"Gostaríamos de ir conhecer a serra e outros lugares, mas não podemos
nos afastar e correr o risco de não conseguir chegar na Santa Casa a
tempo", explica Margarete.
Enquanto isso, a adolescente curte as férias lendo e vendo filmes com
os pais. "Outro dia, ficamos até às 3h da manhã assistindo a Harry
Potter", conta.
A mãe já fez exames para avaliar a compatibilidade de fazer um
transplante intervivos - aquele em que o doador está vivo. Nesse caso,
porém, é preciso mais de um doador.
"Eu sou compatível, mas estamos vendo se alguém mais da família é. Isso
é muito difícil porque as pessoas tem medo da cirurgia. Eu entendo",
afirma.
Duda pensa no futuro com otimismo: "Quero ser médica, geriatra ou pediatra, adoro velhinhos e crianças", diz.
A escolha de Sofia
O médico Sadi Sochio, coordenador clínico da equipe de transplante de
pulmão da Santa Casa, define a luta de Duda e dos demais pacientes como o
"jogo perverso de ganhar a corrida da morte que está se avizinhando. É
uma corrida imoral", define.
Todos os anos são realizados em média 30 transplantes de pulmão em
Porto Alegre, apesar da capacidade e da estrutura do hospital permitirem
o dobro disso.
"Nós estamos aqui, prontos. Podemos realizar de 50 a 60 transplantes
por ano, mas precisamos de ajuda da sociedade. Precisamos que as pessoas
se declarem doadoras e que as famílias saibam disso", diz.
A lista de espera por transplantes de pulmão na Santa Casa tem 60
pacientes. O prognóstico é de que a chance de esses pacientes morrerem
em dois anos é de 50%.
"As pessoas não são um litro de leite que vem com data de validade. Não
temos como saber quando a pessoa vai morrer. Caso esses pacientes não
recebam o enxerto (órgão novo), metade deles vai morrer.
Isso é um dado
bem real que acompanhamos há bastante tempo", explica o médico.
Dos pacientes que chegam a fazer o procedimento, 50% veem melhora em
sua qualidade de vida e tem uma expectativa de vida ampliada em cinco
anos. Para 99% deles, não existe a possibilidade de transplante
intervivos, até porque, para isso, não existe cobertura pelo SUS.
Um transplante de pulmão entre duas pessoas vivas custa cerca de US$ 100 mil dólares.
"Se eu fizer isso, vou ter que fechar o programa de transplantes,
porque diminui o número de operações que posso fazer por ano", afirma
Sochio.
Segundo dados do Ministério da Saúde, 2,3 mil pessoas morreram à espera de um órgão no Brasil em 2015.
Na Santa Casa de Porto Alegre, foram realizados 30 transplantes de
pulmão em 2016, dois a mais do que em 2015 - ano em que foram realizados
quatro transplantes em intervivos.
No país inteiro (o procedimento também é feito em hospitais em
Fortaleza e em São Paulo) foram realizados 74 transplantes de pulmão em
2015 e 72 até agosto de 2016, de acordo com o Ministério da Saúde - 182
pessoas estão à espera do órgão.
Sochio afirma que a principal causa da necessidade de transplantes
ainda é o tabagismo. Ele pede que as pessoas externem seu desejo de
serem doadoras e, assim, ajudar essas pessoas.
"No jantar de Natal, no almoço de domingo... as pessoas têm que
informar a família de que querem doar órgãos caso algo ocorra", diz.
O médico afirma o órgão recebido deve ser usado da forma mais cuidadosa
possível e que a busca é por pacientes que tenham mais cuidado e
disciplina, que vão cuidar bem deles.
"Vivemos uma escolha de Sofia diária", relata.
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