terça-feira, 27 de junho de 2017

É possível sobreviver comendo apenas um tipo de alimento?

Toda hora ouvimos falar dos benefícios de uma dieta variada; mas se você tivesse que sobreviver com apenas um alimento, como seria?

Nem só de pão vive o homem - em parte porque esse homem desenvolveria escorbuto (uma doença desencadeada pela carência de vitamina C) em cerca de um mês nesse experimento. 

Em geral, as melhores dietas são as que oferecem uma boa variedade de alimentos, garantindo que você tenha tudo, desde vitamina C até ferro ou ácido linoleico, sem você sequer ter que pensar no assunto. 

Até mesmo dietas da moda que focam em algumas comidas ou em eliminar algumas coisas geralmente são variadas o bastante para oferecer um nível razoável de nutrição. 

Ainda assim, e se você tivesse que viver a situação extremamente improvável de ter que se alimentar apenas de um único alimento, qual seria o mais nutritivo e completo de todos? Você poderia conseguir o que precisa a partir de, digamos, somente batatas, ou bananas, ou abacates? 

Há apenas uma certeza, a de que entre os alimentos candidatos não estarão carne nem a maioria das frutas, legumes e verduras na dieta. A carne não tem fibra, nem vitaminas e nutrientes importantes. 

Frutas, legumes e verduras podem ter vitaminas, mas não chegam perto da quantidade de gordura e proteína da carne, mesmo se consumidos em grandes quantidades. 

O explorador do Ártico Vilhjalmur Stefansson escreveu sobre um fenômeno conhecido no norte do Canadá como "rabbit starvation" ("inanição do coelho"), que ocorre quando só se come carne magra - sem gordura -, como a de coelho. Após uma semana, a pessoa "tem diarreia, dor de cabeça, lassidão e um vago desconforto". 

Acredita-se que quando todas as calorias diárias são obtidas apenas de proteína, o fígado é sobrecarregado e não consegue processar a proteína. 

Uma opção melhor seria comer só batatas. A nutricionista Jennie Jackson, da Glasgow Caledonian University, escreveu no ano passado sobre o caso do australiano Andrew Taylor, que passou um ano comendo apenas batatas para perder peso e desenvolver hábitos mais saudáveis. 

O que faz das batatas um alimento especial é que, para um amiláceo, ela tem uma quantidade incomum de proteína, o que inclui uma grande variedade de aminoácidos, diz Jackson. Mesmo assim, comer 3 kg de batatas por dia chegaria apenas a dois terços da quantidade de proteína recomendada para alguém do tamanho de Taylor. 

As batatas também não têm a quantidade recomendada de gordura e, apesar de Taylor ter incluído batata-doce na categoria, o que incluiria vitaminas A e E, ferro e cálcio, Jackson percebeu que vitaminas B, zinco e outros minerais estariam em falta. Mas ele parece ter conseguido sobreviver ao seu desafio sem grandes prejuízos. E ele conseguiu perder bastante peso. 
Australiano passou um ano comendo só batatas (Foto: Reprodução/TV Morena) 
Australiano passou um ano comendo só batatas (Foto: Reprodução/TV Morena) 
 
Como acompanhamento, as batatas frequentemente são mencionadas nesse tipo de assunto. Há alguns anos, um leitor perguntou à famosa coluna The Straight Dope do jornal The Chicago Reader, dedicada a responder dúvidas sobre vários assuntos, se era verdade que você poderia viver apenas à base de batatas e leite. 

Afinal de contas, diz-se que antes da Grande Fome da Irlanda, as pessoas viviam praticamente só de batata. 

Cecil Adams, o principal autor dessa coluna, diz ter investigado a questão com seu assistente e descoberto que com muita batata e leite você consegue quase tudo o que precisa - com exceção do mineral molibdênio. 

Mas você resolve o problema se acrescentar um pouco de aveia à dieta. 

Ao ouvir isso, Jackson ri. "Ah, essa é a nossa dieta, é a dieta escocesa há centenas de anos. Isso faz sentido. Batatas, leite e aveia, com um pouco de couve também." 

Mas além da mera nutrição, há outras barreiras para a dieta de um alimento só. Os humanos têm mecanismos feitos justamente para evitar esse tipo de situação (provavelmente porque isso acaba levando alguém à desnutrição) - um fenômeno chamado saciedade sensorial específica, em que quanto mais você come de um alimento, menos seu estômago consegue processá-lo. 

"Eu chamo isso de situação sobremesa", diz Jackson, "quando você come uma refeição e fica cheio, você não conseguiria dar mais nenhuma mordida. Então alguém traz uma sobremesa e você consegue ingerir mais algumas calorias". Há o perigo de que comer a mesma coisa dia após dia por um longo período torna mais difícil você comer o suficiente disso para mantê-lo firme (alguém se habilita a comer 3 kgs de abacate por dia?). 

Além disso, a lógica de que deve ser possível viver com um único alimento - desde que todas as vitaminas, minerais e calorias estejam presentes - não funciona. Para entender por que, considere como chegamos à visão da nutrição ideal. 

Pesquisadores no começo do século 20 tiravam certos nutrientes dos ratos e os acompanhavam para ver se eles ficariam doentes ou morreriam. Foi assim que aprendemos sobre a existência de vitaminas, por exemplo. Esse tipo de experimento mostra quais são os nutrientes vitais - que precisam ser consumidos a curto prazo para evitar a morte. 

Porém, é possível que alguns benefícios de uma dieta variada - que faz a diferença a longo prazo - não sejam detectados em experimentos desse tipo, diz Jackson. 

Dados epidemiológicos das pessoas deixaram claro que uma variedade de legumes e verduras na dieta é mais saudável do comer apenas alguns, por exemplo, mas ainda não se sabe ao certo o motivo. 

Talvez uma dieta sem hortaliças verdes signifique que, em algum momento da vida, você terá uma probabilidade maior de desenvolver câncer. 

"Não sabemos exatamente que comidas provocam quais efeitos", diz Jackson. "Então se por um lado você pode saber o que consegue tirar de nutrientes macro, pelo outro, você não saberá exatamente o que está perdendo". 

A dieta de apenas um alimento pode poupar tempo e estresse, mas seria uma maneira rápida de ficar doente e também entediado. 

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