terça-feira, 27 de junho de 2017

'Invisíveis': a realidade dos albinos brasileiros

Portadores da condição genética que inibe a produção de melanina convivem com o desamparo do poder público e a desinformação generalizada no país.

 
Família sem barreiras: Fernanda e Flávio têm duas filhas albinas e um moreno; na casa deles, todos são tratados com igualdade (Foto: Marcelo Brandt/G1) 
Família sem barreiras: Fernanda e Flávio têm duas filhas albinas e um moreno; na casa deles, todos são tratados com igualdade (Foto: Marcelo Brandt/G1) 
 
No Brasil de muitas raças e todas as cores, há um tom de pele deixado de lado. De amplamente notados nas ruas, nos shoppings ou nos metrôs, os albinos passam, contraditoriamente, à completa invisibilidade aos olhos do poder público brasileiro. 

Não existe no país, por exemplo, nenhuma política pública em vigor que lhes auxilie, diretamente. Eles também nunca constaram em quaisquer pesquisas demográficas realizadas por aqui. 

"A gente sabe quantas geladeiras tem no Brasil, quantas pessoas assinam TV a cabo, mas não sabemos quantos albinos existem, porque não constamos no Censo. Somos invisíveis aos olhos do poder público. Se não existe uma quantificação populacional, como você vai estudar e planejar políticas públicas a uma população que você nem reconhece que existe?", questiona o professor doutor Roberto Bíscaro, criador do blog Albino Incoerente e um dos defensores dos direitos dos albinos no país. 

O G1 e o Bem Estar mostram, desta terça-feira (27) até a sexta, uma série de reportagens sobre a realidade dos albinos no Brasil.
Entre a população, albina ou não, muito existe de curiosidade sobre a mutação genética que rende aos portadores olhos, pele e pelos extremamente brancos, mas pouco se tem de informação sobre o que é, de fato, o albinismo. Bíscaro foi vítima desse desconhecimento generalizado quando tentou obter visto para viajar aos Estados Unidos. 

O albinismo é uma desordem genética que, de modo geral, inibe a produção de melanina, o pigmento que dá cor a alguns órgãos e nos protege da radiação do sol. 

Existem diferentes tipos da mutação, com variados resultados. Atualmente, já foram identificados setes genes ligados ao albinismo no mundo, de acordo com a Santa Casa de São Paulo, referência na área. 

"Tem vários graus [de albinismo]. Dependendo do tipo de mutação que acontece, você vai ver desde uma forma em que não se produz nada de pigmento, quando peles e cabelos são completamente brancos, até os que produzem uma certa quantidade de melanina, que são os que têm o cabelo mais amarelado e uma pele que até bronzeia", explica a coordenadora do programa Pró-Albino, da Santa Casa, o único que oferece atendimento especializado e gratuito aos albinos no Brasil. 

A limitação dos albinos é puramente de pigmentação – ou seja, eles têm problemas exclusivamente na pele e nos olhos, e não mental, como muitos acham. 

Na rotina diária, o principal percalço é a baixa visão. A maioria enxerga menos de 30% da capacidade total dos olhos, o que, se não tratado, provoca grande dificuldade no aprendizado e em situações que podem parecer banais para os outros, como ver qual é a linha do ônibus que vem. 

O grande inimigo dos albinos, contudo, é o câncer. Aliadas a pouca fragilidade da pele, a exposição recorrente ao sol e a falta de tratamento adequado, a doença é a que mais mata os portadores prematuramente. 

A dona de casa Aparecida de Souza, de 43 anos, diz ter perdido as contas de quantos tumores já teve espalhados pelo corpo. Só na região da cabeça, foram cinco, que por muito pouco não lhe tiraram a vida. 

Por desconhecimento, ela passou toda a infância exposta ao sol forte do interior de Minas Gerais, onde vive sua família. 

"No tempo que você está ali, tomando sol, não tem problema nenhum. Eu não sabia que era albina, então me preocupava. Mas, no decorrer do tempo, a consequência vem. Eu já perdi as contas de quantas pequenas cirurgias já fiz em todo o corpo, para tirar os tumores. Graças a Deus, encontrei uma equipe médica muito boa, que cuidou de mim com muito carinho e me salvou", diz. 

Quando saem de suas casas, os albinos têm que lidar com outro incômodo permanente, além do sol: a zombaria. A lista de apelidos comuns a todos eles é extensa, principalmente na infância e adolescência. 

Quando estão em multidões, os olhares vidrados e os frequentes mexericos incomodam. 

Para muitos, no entanto, isso fortalece. Foi o que aconteceu com a modelo, atriz, engenheira e professora Andreza Cavalli, que usou a raridade de sua pele como matéria-prima do que faz, profissional e artisticamente.

As gêmeas Lara e Mara, de 12 anos, também reviraram o estereótipo de que albinos são pessoas limitadas. 

Ao lado da irmã Sheilla, de 14 anos, elas se tornaram sucesso no mundo da moda e mantém um site, em que relatam a rotina de trabalho e de ativistas contra o preconceito. 

"Com a diferença a gente pode descobrir novas coisas, novas maneiras diferentes e com a diferença a gente pode perceber que, se fosse tudo igual, ia ser sem graça", comenta Lara. 

"É importante porque, quanto mais a gente fala que a diferença é uma coisa bonita, que quanto mais diferente melhor, as pessoas vão aceitando aos poucos e aí o preconceito vai diminuindo", diz Sheilla. 

"Para uma pessoa que sofre preconceito, eu diria que ela deveria não ligar, porque algumas pessoas praticam o preconceito porque elas sofrem ou já sofreram, ou para se sentirem mais populares. Eu diria que elas não deveriam ficar dando bola e para não se chatearem, porque não vai importar o que os outros pensam nem o que os outros dizem, mas sim o que ela é", recomenda Mara. 
Irmãs Lara, Sheilla e Mara são sucesso na moda (Foto: Vinicius Terranova/Bawar) 
Irmãs Lara, Sheilla e Mara são sucesso na moda (Foto: Vinicius Terranova/Bawar) 
 
A professora Fernanda Quintiliano e o técnico em segurança do trabalho Flávio André Silva, albinos, também calaram a intolerância e a ignorância. Há sete anos, eles decidiram adotar uma criança diferente dos dois. 

Augusto, um menino moreno, chegou à família e preencheu a pequena casa, em Osasco, na Grande São Paulo. Uma semana depois, a surpresa: Fernanda estava grávida de Beatriz, uma menina albina. 

"A gente já tinha o plano de adotar. Uma semana depois, eu descobri que estava grávida. O plano inicial era ter dois e adotar um. Começamos a ir atrás da adoção, que é um processo moroso. Aí aconteceu antes", relembra Fernanda. 
Irmãos Beatriz e Augusto brincam na casa em que vivem, em Osasco (Foto: Marcelo Brandt/G1) 
Irmãos Beatriz e Augusto brincam na casa em que vivem, em Osasco (Foto: Marcelo Brandt/G1) 
 
O plano se concluiu pouco tempo depois: nasceu Clarice, outra portadora de albinismo. "A gente queria logo. Hoje, temos sete anos de casados e os filhos todos que a gente queria", diz a mãe. 

Na casa da família completa, os três filhos têm o mesmo tratamento, independentemente de cor, idade ou gênero, afirma a professora. "Aqui em casa é tudo igual: protetor solar para todo mundo, chapéu para todo mundo. Tudo que faz para um, faz para os três. Todo mundo protegido. Proteção demais não faz mal. Albino ou não albino, meus filhos são todos iguais, com tratamentos iguais". 

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