'Invisíveis': a realidade dos albinos brasileiros
Portadores da condição genética que inibe a produção de melanina convivem com o desamparo do poder público e a desinformação generalizada no país.
No Brasil de muitas raças e todas as cores, há um tom de pele deixado
de lado. De amplamente notados nas ruas, nos shoppings ou nos metrôs, os
albinos passam, contraditoriamente, à completa invisibilidade aos olhos
do poder público brasileiro.
Não existe no país, por exemplo, nenhuma política pública em vigor que
lhes auxilie, diretamente. Eles também nunca constaram em quaisquer
pesquisas demográficas realizadas por aqui.
"A gente sabe quantas geladeiras tem no Brasil, quantas pessoas assinam
TV a cabo, mas não sabemos quantos albinos existem, porque não
constamos no Censo. Somos invisíveis aos olhos do poder público. Se não
existe uma quantificação populacional, como você vai estudar e planejar
políticas públicas a uma população que você nem reconhece que existe?",
questiona o professor doutor Roberto Bíscaro, criador do blog Albino
Incoerente e um dos defensores dos direitos dos albinos no país.
O G1 e o Bem Estar mostram, desta terça-feira (27) até a sexta, uma série de reportagens sobre a realidade dos albinos no Brasil.
Entre a população, albina ou não, muito existe de curiosidade sobre a
mutação genética que rende aos portadores olhos, pele e pelos
extremamente brancos, mas pouco se tem de informação sobre o que é, de
fato, o albinismo. Bíscaro foi vítima desse desconhecimento generalizado
quando tentou obter visto para viajar aos Estados Unidos.
O albinismo é uma desordem genética que, de modo geral, inibe a
produção de melanina, o pigmento que dá cor a alguns órgãos e nos
protege da radiação do sol.
Existem diferentes tipos da mutação, com variados resultados.
Atualmente, já foram identificados setes genes ligados ao albinismo no
mundo, de acordo com a Santa Casa de São Paulo, referência na área.
"Tem vários graus [de albinismo]. Dependendo do tipo de mutação que
acontece, você vai ver desde uma forma em que não se produz nada de
pigmento, quando peles e cabelos são completamente brancos, até os que
produzem uma certa quantidade de melanina, que são os que têm o cabelo
mais amarelado e uma pele que até bronzeia", explica a coordenadora do
programa Pró-Albino, da Santa Casa, o único que oferece atendimento
especializado e gratuito aos albinos no Brasil.
A limitação dos albinos é puramente de pigmentação – ou seja, eles têm
problemas exclusivamente na pele e nos olhos, e não mental, como muitos
acham.
Na rotina diária, o principal percalço é a baixa visão. A maioria
enxerga menos de 30% da capacidade total dos olhos, o que, se não
tratado, provoca grande dificuldade no aprendizado e em situações que
podem parecer banais para os outros, como ver qual é a linha do ônibus
que vem.
O grande inimigo dos albinos, contudo, é o câncer. Aliadas a pouca
fragilidade da pele, a exposição recorrente ao sol e a falta de
tratamento adequado, a doença é a que mais mata os portadores
prematuramente.
A dona de casa Aparecida de Souza, de 43 anos, diz ter perdido as
contas de quantos tumores já teve espalhados pelo corpo. Só na região da
cabeça, foram cinco, que por muito pouco não lhe tiraram a vida.
Por
desconhecimento, ela passou toda a infância exposta ao sol forte do
interior de Minas Gerais, onde vive sua família.
"No tempo que você está ali, tomando sol, não tem problema nenhum. Eu
não sabia que era albina, então me preocupava. Mas, no decorrer do
tempo, a consequência vem. Eu já perdi as contas de quantas pequenas
cirurgias já fiz em todo o corpo, para tirar os tumores. Graças a Deus,
encontrei uma equipe médica muito boa, que cuidou de mim com muito
carinho e me salvou", diz.
Quando saem de suas casas, os albinos têm que lidar com outro incômodo
permanente, além do sol: a zombaria. A lista de apelidos comuns a todos
eles é extensa, principalmente na infância e adolescência.
Quando estão
em multidões, os olhares vidrados e os frequentes mexericos incomodam.
As gêmeas Lara e Mara, de 12 anos, também reviraram o estereótipo de
que albinos são pessoas limitadas.
Ao lado da irmã Sheilla, de 14 anos,
elas se tornaram sucesso no mundo da moda e mantém um site, em que relatam a rotina de trabalho e de ativistas contra o preconceito.
"Com a diferença a gente pode descobrir novas coisas, novas maneiras
diferentes e com a diferença a gente pode perceber que, se fosse tudo
igual, ia ser sem graça", comenta Lara.
"É importante porque, quanto mais a gente fala que a diferença é uma
coisa bonita, que quanto mais diferente melhor, as pessoas vão aceitando
aos poucos e aí o preconceito vai diminuindo", diz Sheilla.
"Para uma pessoa que sofre preconceito, eu diria que ela deveria não
ligar, porque algumas pessoas praticam o preconceito porque elas sofrem
ou já sofreram, ou para se sentirem mais populares. Eu diria que elas
não deveriam ficar dando bola e para não se chatearem, porque não vai
importar o que os outros pensam nem o que os outros dizem, mas sim o que
ela é", recomenda Mara.
A professora Fernanda Quintiliano e o técnico em segurança do trabalho
Flávio André Silva, albinos, também calaram a intolerância e a
ignorância. Há sete anos, eles decidiram adotar uma criança diferente
dos dois.
Augusto, um menino moreno, chegou à família e preencheu a pequena casa,
em Osasco, na Grande São Paulo. Uma semana depois, a surpresa: Fernanda
estava grávida de Beatriz, uma menina albina.
"A gente já tinha o plano de adotar. Uma semana depois, eu descobri que
estava grávida. O plano inicial era ter dois e adotar um. Começamos a
ir atrás da adoção, que é um processo moroso. Aí aconteceu antes",
relembra Fernanda.
O plano se concluiu pouco tempo depois: nasceu Clarice, outra portadora
de albinismo. "A gente queria logo. Hoje, temos sete anos de casados e
os filhos todos que a gente queria", diz a mãe.
Na casa da família completa, os três filhos têm o mesmo tratamento,
independentemente de cor, idade ou gênero, afirma a professora. "Aqui em
casa é tudo igual: protetor solar para todo mundo, chapéu para todo
mundo. Tudo que faz para um, faz para os três. Todo mundo protegido.
Proteção demais não faz mal. Albino ou não albino, meus filhos são todos
iguais, com tratamentos iguais".
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