Geração com mais de 50 anos revoluciona velhice e cria 'gerontolescência', diz guru da longevidade
Alexandre Kalache vê baby boomers promovendo nova forma de envelhecer, mais saudável e economicamente ativa do que gerações anteriores.
Envelhecer não é mais o que era antes graças aos baby boomers, que
estão transformando esse período e vivendo de forma diferente das
gerações anteriores - é o que diz uma das maiores autoridades em
envelhecimento do mundo, o médico brasileiro Alexandre Kalache.
Em entrevista à BBC Brasil, Kalache diz que o brasileiro terá que
trabalhar mais tempo "quer goste ou não", acima de tudo porque terá uma
vida mais longa. Mas a boa notícia, afirma, é que a chegada à velhice da
geração do pós-guerra cria uma nova construção social, o que chamou de
gerontolescência.
Segundo Kalache, os baby boomers - geração que nasceu no pós-guerra e
que atualmente tem mais de 50 anos - estão revolucionando a velhice e
transformando o período em uma nova fase porque são em maior número, têm
um nível de saúde e vitalidade maior e melhor formação do que as
gerações que envelheceram antes deles.
Para o médico, que atuou como diretor de envelhecimento na Organização
Mundial da Saúde e já lecionou sobre o tema em universidades como a de
Oxford, isso abre a possibilidade de promoção de uma nova forma de
envelhecer, que vem sendo construída socialmente por esse grupo.
"A gente revolucionou o conceito de fazer a transição da infância para a
idade adulta e criamos uma coisa que não havia antes da Segunda Guerra
Mundial, que é a adolescência", explica Kalache, ao explicar que a
adolescência como construção social não existia antes dos anos 1950.
"Fizemos muita coisa que está aí: a revolução sexual, a pílula, as
revoluções musicais, a luta contra a ditadura - não vou deixar de ser
essa mesma pessoa de 50 anos atrás. Eu e esse grupo todo, os baby
boomers, estamos envelhecendo com isso tudo como legado. E daqui a um
tempo vamos olhar para trás e ver que, assim como criamos a adolescência
há alguns anos, estamos criando a gerontolescência", diz ele.
Para ele, no entanto, há uma diferença entre essas duas construções
sociais. "A adolescência deve durar quatro ou cinco anos - se durar mais
tem algo errado. Mas a gerontolescência é para durar 20, 30, 40 anos.
É
muito tempo para a gente se rebelar, virar a mesa."
Encarando a morte
Para tratar do tema do envelhecimento em palestras, Kalache costuma
pedir à plateia que imagine rapidamente como vai morrer. O exercício,
segundo ele, serve para mostrar como há uma "idealização da morte que já
não é mais a regra".
Isso porque, diz ele, "vamos morrer mais velhos, mais doentes e mais lentamente do que muitos imaginam".
"A gente tem que se preparar para uma vida muito mais longa e pensar no
processo de morte, porque no Brasil três quartos das mortes são de
pessoas idosas e por doenças crônicas, inclusive aquelas arrastadas que
causam sofrimento e despesas. Então é preciso tentar assegurar qualidade
de vida até o final."
E essa é uma realidade que deve ser levada em conta especialmente no
Brasil, que envelhece a passos largos. Estimativas da Organização das
Nações Unidas apontam que até 2050 o Brasil terá 64 milhões de idosos -
ou 30% da população, em comparação aos atuais 12%. Em 2001 esse total
era de apenas 9%. Em menos tempo - em 2025 - o país deverá ocupar o
sexto lugar em número de idosos no mundo.
Para Kalache, além de estar envelhecendo rapidamente, o Brasil percorre esse caminho em um padrão sem precedentes.
"Estamos envelhecendo com uma grande parcela da população em pobreza. É
um desafio grande porque não temos precedentes, modelos. Nenhum país
até hoje envelheceu sem ser rico. E estamos envelhecendo rápido e ao
mesmo tempo sem recursos para políticas sociais e de saúde que possam
responder a uma população já muito envelhecida, como seremos em três
décadas."
Mais trabalho
Então vamos ter que trabalhar mais? Kalache, que atualmente preside o
Centro Internacional Longevidade Brasil, responde que sim, e vai além:
critica o "luxo" do nosso sistema previdenciário atual.
"Vai ter que trabalhar mais tempo? Eu acho que sim. Um país como o
Brasil que se dá ao luxo de ter a aposentadoria média aos 54 anos é um
país inviável. Não existe nenhum país que tenha conseguido por muito
tempo manter tanta gente aposentada, sobretudo porque a base da
pirâmide, que são os jovens, está diminuindo. Então, a gente goste ou
não, vamos ter que nos preparar para uma vida laboral mais longa. E já
que vai ter que trabalhar mais tempo, vamos trabalhar para ter projetos e
para ser estimulante", opina.
Por isso, segundo ele, será necessário pensar em uma política
pró-natalidade para equilibrar a pirâmide social, ou seja, ter uma
proporção menos desigual de jovens e idosos no país, e ainda garantir um
envelhecimento melhor aos mais velhos.
Ele afirma que, para isso, são necessários quatro capitais
fundamentais: saúde, conhecimento para não se tornar obsoleto (o
manter-se antenado), bem-estar financeiro e bem-estar social (ou o
"capricho nas relações para ter para a quem recorrer quando o negócio
apertar").
"A gente sabe que a pensãozinha só no fim da vida não vai dar conta.
Aproveite para fazer suas economias porque, no final da vida, a gente
precisa de mais renda e mais dinheiro, e não de menos."
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