Dent: A doença que, de tão rara, obriga uma mãe a buscar sozinha os recursos para a cura
Eva Giménez percorreu 600 km de bicicleta no deserto do Saara em seis dias e agora quer arrecadar 1,5 milhão de euros para os estudos de uma raríssima mutação genética que afeta seu filho de 7 anos.
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Mãe e seu filho que sofre de DentDireito de imagemEVA GIMÉNEZ Image
caption Eva faz sua própria odisseia para financiar pesquisas para a
cura da doença de Nacho (Foto: Eva Gimenez)
"Mamãe, vão me picar hoje?". "Sim", responde Eva Giménez sem hesitar. "Hoje você será picado, Nacho."
"Mamãe, por que eu vou tanto ao hospital e as crianças da minha turma não?"
"É porque você tem a doença de Dent. Não sabe?"
"Ah, sim, claro, mamãe, por isso. Ok, ok."
Nacho mora na Espanha, tem 7 anos e sonha em ser jogador de futebol,
mas está proibido de correr ou jogar bola, exceto por um curto período
de tempo a cada duas ou três semanas. Tudo porque sofre de uma grave
osteoporose.
"Nós vamos dois dias ao hospital e três dias à escola", explica Eva ao
telefone à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC. Mas ressalta que
"Nacho é o garoto mais feliz do mundo".
"Queríamos que Nacho vivesse suas limitações e sua doença com alegria, porque não é algo passageiro. É para a vida toda."
Seu filho é tratado por oito especialistas diferentes, entre
cardiologistas, nefrologistas, ortopedista e endocrinologista. Ele foi
internado seis vezes com risco de ataque cardíaco e redução drástica no
nível de potássio. Todos os dias, toma sete remédios a cada oito horas.
Mas os medicamentos não podem curá-lo. Apenas repõem oralmente o que
Nacho perde pela urina em grandes quantidades: cálcio, potássio e
fósforo.
'Desespero e impotência'
Em 2012, após o diagnóstico de Nacho com Dent, Eva sentiu tanto
"desespero e impotência" que decidiu levar a cabo uma luta pessoal
contra a condição de seu filho.
E ela começou com o básico: fundar uma associação para levantar fundos
para um projeto de pesquisa para encontrar uma cura, uma vez que, de
acordo com Eva, "não há nenhum no mundo".
Dent é uma doença rara e hereditária que, na maioria dos casos, é
causada por uma mutação genética no cromossomo X e afeta os rins. Apenas
algumas centenas de pessoas sofrem desse problema em todo o mundo.
Foi assim que nasceu o Asdent, que agora tem 700 membros e tornou-se um
ponto de referência para as famílias dos pacientes de Dent de outras
partes do mundo que procuram informações na internet.
Pernas tortas
O áudio era um pedido de ajuda de dois pais desesperados, Natalia e Esteban.
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Os pais de Gabi o levaram a um cirurgião ortopédico quando ele tinha um
ano e meio porque ele tinha as pernas "muito tortas" (Foto: Natalia
Negro)
"Aqui na Argentina e, particularmente em Córdoba, ninguém sabia o que
fazer com o Gabi ou como tratá-lo, fosse em hospitais públicos ou
privados", diz Natalia à BBC. "Enviamos um e-mail para Asdent pela manhã
e, à noite, nós já estávamos falando ao telefone com Eva."
Natalia levou o filho ao ortopedista quando ele tinha um ano e meio porque estava preocupada com suas pernas "muito tortas".
E assim ela começou uma saga por diferentes especialistas e hospitais,
com exames de sangue intermináveis e testes de urina que terminaram
num diagnóstico de raquitismo hipofosfatêmico - um distúrbio causado
pela deficiência da absorção intestinal de cálcio.
Mas esse não seria o fim de sua odisseia: duas semanas depois, após uma
análise mais aprofundada, os médicos contaram aos pais que havia 80% de
chance de Gabi ter uma tubulopatia rara chamada doença de Dent, que
afeta principalmente os rins.
"Sabemos agora que o raquitismo é uma das consequências dessa doença", explica Natalia.
Como existem várias doenças renais chamadas "tubulopatias", Gabi
precisou ser submetido a um estudo genético - não disponível na
Argentina e no exterior - de US$ 6 mil para confirmar o diagnóstico de
Dent.
A prioridade agora é que Gabi passe a ter cuidados paliativos o mais
rápido possível, "para evitar que as coisas que não podem ser
recuperadas, como a deformidade das pernas, não continuem se agravando".
"Por seu filho, você tira forças de onde quer que seja, mesmo sem tê-las", diz Natalia.
Passado quase um ano desde o diagnóstico inicial, "agora Gabi não está
tomando nada, apenas a vitamina D e um leite especial porque tem
desnutrição". Mas ele deve começar um tratamento em Buenos Aires, ainda
neste mês.
Natalia também aguarda os resultados de outro teste genético que a
Adent bancou para a irmã gêmea de Gabi, para averiguar se ela tem ou não
a mutação genética do irmão.
Para a sorte de Natalia, do outro lado do Atlântico estava Eva, que já
tinha passado por todo esse processo e tinha muitas respostas.
Ajuda
"Eu teria adorado que, no começo (do diagnóstico de Nacho) alguém do
outro lado do mundo tivesse dito: 'Eva, venha por aqui, vai ser melhor.
Você não vai ficar bem, mas vai se sentir melhor'. Então decidi fazer
isso com todos os pacientes de Dent que encontro", conta a espanhola.
Quando conversou com a BBC, Eva tinha acabado de voltar da Argentina e
do Equador, para onde viajou para atender Gabi e também Daniel, outro
paciente com Dent, de 18 anos.
Há dois anos, o pai de Daniel bateu pessoalmente à porta da Asdent, em
Barcelona, procurando ajuda para seu filho equatoriano, que tinha uma
insuficiência renal em estágio avançado. Assim como Gabi, ele não seguia
nenhum tratamento.
Em ambos os casos, Eva ajudou a organizar gratuitamente os estudos
genéticos que eles precisavam e a fazer o necessário para retornar a
seus países as com orientações médicas específicas sobre como tratar os
efeitos da doença.
"Estou muito feliz em ver que, depois de tudo que eu passei, agora eu posso ajudar os outros."
'Fazer loucuras'
Nacho também passou por vários diagnósticos de doenças renais até os
médicos concluírem, em 2012, que ele tinha Dent. Isso depois de um ano e
meio.
"Naquela época, havia apenas 96 casos relatados em todo o mundo", diz
Eva, e "os médicos nunca tinham tido pacientes como ele."
"E, a partir desse momento, eu comecei a fazer loucuras para levantar fundos e abrir um projeto de pesquisa."
Uma das maiores loucuras foi em 2014, quando participou de uma corrida
de bicicleta pelo deserto do Saara: percorreu 600 km em seis dias.
"Passei dias inteiros pedalando pelo deserto durante mais de 10 horas por dia contra a doença de Dent."
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Mulher pedalou 600 km em seis dias no Saara para chamar a atenção para doença de seu filho (Foto: Eva Giménez)
Eva, a quem uma esclerose múltipla causou perda de força, diz que
durante esses dias seu corpo foi exposto a um sofrimento extremo.
"O quanto eu chorei não está escrito. (Mas) isso me permitiu arrecadar
40 mil euros (R$ 147 mil)", diz ela em tom quase incrédulo.
"E foi com esses 40 mil que eu paguei meus ratinhos."
Pesquisas
Ela se refere a uma ninhada de cerca de dez ratos pelos quais ela
ansiava havia dois anos, para as pesquisas de laboratório sobre
medicamentos contra a doença de Dent.
Quem lidera as pesquisas são os médicos de Nacho: Felix
Claverie-Martin, do Hospital Universitário Nossa Senhora da Candelária,
em Tenerife, e Gemma Aviceta, do Hospital Vall d'Hebron, em Barcelona.
Juntos, eles estudam a parte genética e a parte clínica da doença desde
2014, quando Eva foi capaz de impulsionar um estudo do Instituto de
Pesquisa do Hospital Vall d'Hebron com um orçamento inicial de 400 mil
euros (R$ 1,4 milhão), que sua mãe se empenhou para arrecadar por conta
própria por meio de campanhas.
Agora, uma nova fase de pesquisas exigirá 1,5 milhão de euros (R$ 5,5 milhões).
"E eu estou todos os dias à procura de recursos", diz Eva.
'Muito rentável'
"Mamãe, por que eu não tenho um xarope para me curar, como o Lucas da minha classe?", perguntou Nacho certa vez a Eva.
"É só isso que a mãe quer, Nacho. Conseguir um medicamento que você possa tomar para ficar bem, sem nenhum problema."
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Uma mutação genética no cromossomo X é responsável por causar Dent (Foto: Natalia Negro)
Eva deixa claro que se Dent fosse uma doença comum, já teria sido solucionada há tempos.
"O problema é que existem mais de 7 mil doenças raras com poucos
pacientes, então é claro que não somos interessantes para um laboratório
porque não é rentável criar uma droga para 400 pacientes. Mas, para
mim, a vida do meu filho é muito rentável."
O esforço dessa mãe virou tema de documentário, El reto de Eva (O
desafio de Eva, em tradução livre), em que ela narra sua busca por
financiamento e também por dar uma vida feliz a Nacho e a suas duas
outras filhas.
"Nunca deixei que a falta de dinheiro fosse um obstáculo para o meu
filho seguir adiante", conclui Eva. "E se me pedem um milhão e meio (de
euros), eu vou atrás. E se pedirem 6, eu vou buscar 6. E vou dedicar
minha vida a isso."
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