'Voltei a me sentir viva e a ter libido': as mulheres que enfrentam a menopausa com testosterona
Tratamento com hormônio masculino ainda é visto com ressalvas por médicos por conta dos riscos.
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Marcia toma injeções anuais de testosterona desde 2015 (Foto: CDC/ Debora Cartagena)
"Minha vida sexual era ótima, algo que para mim tinha muita importância. (Fazia sexo) duas vezes por semana e com qualidade."
Aos 50 anos, a paulistana Márcia (nome fictício), que trabalha na área
da saúde, estava satisfeita com sua vida sexual, até que um cisto no
ovário fez com que, em apenas uma semana, ela entrasse na menopausa -
com efeitos negativos em toda a sua rotina.
"Tive de fazer uma histerectomia (remoção de parte ou da totalidade do
útero). Depois de uma semana, comecei a sentir algumas mudanças. Calor,
irritação, insônia. Mas o pior foi 15 dias após a cirurgia. Dormia uma
hora e meia por dia, só chorava, tinha uma irritação absurda, muita
transpiração e mal-estar em geral", diz Márcia à BBC Brasil.
A mudança hormonal afetou profundamente sua vida.
"Eu brigava no trânsito, discutia com pessoas na rua. Em casa, não
tinha paciência com meus filhos e com meu marido. (A menopausa) também
afetou totalmente minha vida sexual. Passado o período recuperatório,
minha libido desapareceu totalmente, me sentia um ser assexuado",
acrescenta.
Marcia acabou decidindo recorrer a um tratamento que muitos médicos
consideram arriscado, mas que é cada vez mais comum: a terapia com
testosterona.
Antes disso, porém, ela ainda tentou tratamentos mais tradicionais com seu ginecologista.
"(O médico) dizia para eu ter paciência, que era só uma fase. Ele
entrou com um hormônio levinho (estrogênio) e eu sentia quase nada de
melhora. Como viu meu desespero, entrou com uma medicação um pouco mais
forte. Um hormônio sintético, Tibolona. Fiquei um pouco mais equilibrada
e com zero libido.
Continuava sem ânimo para nada, como se eu tivesse
perdido a vontade de viver", lembra.
Foi aí que Marcia decidiu buscar uma segunda opinião, apesar da relação
de extrema confiança que tinha com seu ginecologista. Ele havia feito
os partos de seus dois filhos. "Foi doído, mas eu não tinha mais
condição de viver daquele jeito."
A pedido da nova médica, Márcia se submeteu a vários exames, para identificar a presença de tumores.
"Os resultados estavam todos normais e como não tenho nenhum
antecedente familiar de câncer, ela me receitou a testosterona e o
estradiol", explica.
E assim começou o tratamento de Marcia com testosterona, hormônio que é
produzido pelo homem em grandes quantidades e em pequenas doses pela
mulher.
Efeito na libido
Terapias à base de testosterona vêm ganhando adeptos
internacionalmente, ainda que não haja estudos que comprovem a segurança
desses tratamentos.
Na mulher, seu efeito mais conhecido é na sexualidade: age na fantasia
sexual, no erotismo. E também na manutenção da massa muscular e no vigor
físico.
Não há consenso científico sobre o tema, mas médicos ouvidos pela BBC
Brasil associaram o uso de testosterona a um aumento nos índices de
colesterol e nos riscos de arteriosclerose e do câncer.
Márcia diz ter sido informada sobre os riscos.
"Apesar de ser uma pessoa supernatureba para certas coisas, essa foi a
forma que encontrei de continuar vivendo com qualidade", diz.
"A vida estava sofrida, desequilibrada e com tendência à depressão. A
decisão de tomar um hormônio mais forte foi a esperança de voltar a ser
quem eu era", completa.
'Primeira injeção'
Márcia tomou sua primeira injeção de testosterona em 2015. As doses são
anuais e, como as drogas podem aumentar o risco de enfartes, é preciso
fazer uma avaliação cardiológica prévia além de exames periódicos para
reavaliar os efeitos da medicação.
"A primeira coisa que percebi foi o retorno do sono. Voltei a dormir
normalmente, por volta de seis horas por noite. A disposição melhorou.
Parei de chorar - porque eu chorava muito. E a libido voltou. Voltei a
viver", lembra.
"Meu marido amou. Ele estava achando que eu não tinha mais nenhum
interesse nele e não era por aí. É que simplesmente você não consegue
pensar em sexo. Algumas mulheres chegam à menopausa e a vida segue
normalmente. No meu caso, tinha morrido para a vida. (Mas) não é todo
mundo que pode tomar hormônio, então, a pessoa deve procurar um
profissional competente para saber se tem condições ou não de utilizar a
medicação", ressalva.
Terapia polêmica
Dúvidas quanto à segurança da terapia de reposição hormonal clássica,
baseada principalmente no uso dos hormônios femininos, persistem na
medicina há décadas e não há consenso sobre o assunto.
No caso da terapia à base de testosterona, de uso mais recente, a
incerteza é ainda maior. Há menos estudos e os que existem tiveram curta
duração.
Em 2014, as médicas Sandra Léa Bonfim Reis e Carmita Abdo, da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fizeram uma análise
de estudos publicados entre 1998 e 2012 sobre benefícios e riscos de
terapias à base de testosterona para tratar a perda de libido.
O relatório das pesquisadoras, publicado na revista científica
"Clinics", do Hospital das Clínicas da FMUSP, concluiu que embora não
haja dúvidas sobre os efeitos positivos da testosterona na resposta
sexual feminina, todos os estudos publicados no período avaliado foram
de curta duração (no máximo, 24 semanas).
"Portanto, é impossível tirar conclusões definitivas a respeito dos
efeitos colaterais do uso da testosterona a longo prazo", diz o estudo.
Médicos ouvidos pela BBC Brasil têm opiniões divergentes sobre o assunto.
O ginecologista Manoel Girão, chefe do Departamento de Ginecologia da
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz estar preocupado com o
que considera uma nova tendência em tratamentos no Brasil.
"Essa tendência é bem perceptível, intensa e colocada muitas vezes como
isenta de riscos. No entanto, há riscos. E ela (a testosterona) está
sendo usada de forma excessiva", alerta.
Riscos
A BBC Brasil procurou o laboratório Bayer, fabricante do remédio Nebido
- à base de testosterona - para pedir dados sobre as vendas atuais no
Brasil. A empresa não disponibilizou a informação.
"Não tenho um número exato mas, hoje, estudos da sexualidade atingem
uma parcela significativa de mulheres com idades entre 45 a 55 anos. E
(nesse grupo) o número de pedidos de terapias para melhorar a libido é
alto, entre 20 e 25%", diz Girão.
"Os riscos mais conhecidos e usuais são aumento de alterações (nos
índices) de colesterol e triglicerídeos.
lterações nos níveis de
lipídios. Aumento nos riscos de doenças vasculares, por exemplo, a
arterioesclerose. E, a depender da dose, aumento nos riscos de certos
tipos de câncer", acrescenta o especialista.
Girão ressaltou que múltiplos fatores interferem na libido feminina.
"A libido é o relacionamento, o estresse do cotidiano, o quadro
hormonal. A testosterona resolveria uma partezinha desse todo, mas com
riscos. Uma mulher, para sentir vontade de ter relação, precisa se
sentir bonita consigo mesma, admirada, cortejada, respeitada pelo
parceiro. Ela precisa desse contexto todo", explica.
Por outro lado, diz o médico, a forma como a mulher vive e pensa a menopausa está vinculada a valores sociais.
"A sociedade está cobrando da mulher vigor e aparência de juventude
para sempre. Não dá para esperar que uma mulher de 60 anos se vista ou
se porte como as de 20 anos. É uma beleza diferente", pontua.
Girão reitera que não indicaria testosterona para resolver problemas de libido de suas pacientes.
Menopausa
A médica britânica Heather Currie, presidente da Sociedade Britânica de
Menopausa, concorda parcialmente com o médico brasileiro.
"A libido e o desejo sexual são afetados por muitos fatores, não apenas a perda da testosterona", diz Currie à BBC Brasil.
"A menopausa produz muitos sintomas que, juntos, podem afetar a libido.
Por exemplo, aumento de peso e o ressecamento vaginal, muito comum
nesse período", acrescenta.
Mas, quando a terapia de reposição hormonal convencional não funciona, a
testosterona pode ter um papel a cumprir, opina Currie - "especialmente
em casos em que a paciente vivenciou uma queda brusca na produção de
testosterona por ter tido seus ovários extraídos".
"Essas mulheres têm maior probabilidade de se beneficiar da
testosterona - mas somente se a terapia de reposição hormonal comum não
funcionar", ressalta a médica.
"Nem toda mulher que teve seus ovários extraídos precisará tomar testosterona", acrescenta.
A médica Helena Hachul, especialista em ginecologia e medicina do sono,
responsável pelo Setor Sono na Mulher da Unifesp, vem oferecendo a
testosterona - quando a terapia clássica não funciona e se as condições
clínicas do paciente não oferecem riscos, explica ela.
"Chego a usar terapia androgênica (com testosterona) em cerca de 5% a
10% dos casos. Muitas mulheres pedem, vamos dizer, metade delas
atualmente - acho que pela moda do tema. Mas quando explico as
evidências e a linha acadêmica, elas aceitam sem problemas", assinala.
No entanto, o monitoramento da paciente é essencial, adverte Hachul.
"O androgênio pode piorar o perfil lipídico, aumentando o risco de
doenças cardiovasculares, por isso é importante acompanhar dosagens de
colesterol e a pressão sanguínea", diz.
Hachul tem, no entanto, uma visão positiva desse período na vida da mulher.
"Acredito que, exatamente após a menopausa, a mulher atinge a maior
maturidade. Já é mais segura. Viveu bastante e tem muita experiência de
vida", nota.
A médica conta que trabalhou com pacientes na menopausa em seu
doutorado e se apaixonou por essa fase na vida da mulher. Essas
mulheres, diz ela, "me ajudaram a ver o mundo com outros olhos".
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