Do tratamento do câncer à extração do ouro: Nobel de Química explica as aplicações de sua descoberta
Em entrevista, Sir J. Fraser Stoddart fala sobre as suas máquinas moleculares, mas também sobre Trump, ciência e a criação de suas startups.
Por Carolina Dantas, G1
Sir James Fraser Stoddart, o escocês que vive nos Estados Unidos para a
criação de suas pesquisas na Universidade Northwestern, é um dos
inventores das "máquinas moleculares" ou nanomáquinas. Junto com outros
dois cientistas, ele recebeu o último prêmio Nobel de Química
por essa descoberta e fala ao público nesta quarta-feira (12) no Iupac
2017, o maior congresso internacional sobre o assunto -- sediado em São
Paulo após uma negociação de 10 anos.
Essas nanomáquinas são moléculas com movimentos controlados
que podem realizar tarefas, uma grande evolução no campo da
nanotecnologia. Elas são estruturas tão pequenas que um fio de cabelo
tem uma espessura cerca de mil vezes maior do que elas.
Sobre as aplicações práticas dessa descoberta, Stoddart contou que
pretende usar seu trabalho para a criação de uma startup para a extração
mais limpa do ouro. Até então, o metal era retirado com a ajuda do
cianeto, substância supertóxica e prejudicial à natureza. Como as
nanomáquinas conseguem agir de forma seletiva, elas podem contribuir
para a atividade.
"O Nobel da Química deste ano não foi dado para uma aplicação imediata.
É mais uma recomendação de uma pesquisa fundamental", disse. "Eu peço
para vocês serem pacientes e eu penso que veremos as máquinas
moleculares ocupando um lugar no futuro em áreas que são importantes
para a sociedade, como resolvendo aspectos problemáticos para a
tecnologia, ciência dos materiais, ciências sociais e saúde".
Ele contou que outra startup deverá usar o mesmo mecanismo para a
captação do dióxido de carbono (C02) ou algum poluente no meio ambiente.
Governo de Trump
Questionado sobre a alegria de ter ganho um nobel, Stoddart diz que
"faz o seu melhor", e lembra que contou com a ajuda da família e de seus
estudantes, mais de 40 cientistas ligados ao seu grupo. Afirmou que "a
ciência é global" e que "muitos jovens brasileiros são vistos
participando" disso.
Ele lamentou, no entanto, os rumos dos projetos norte-americanos e diz
que país está retrocedendo. "Nos Estados Unidos estamos voltando ao que
nós éramos antes", disse. "O governo de Trump nunca poderá ser ótimo,
isso só poderá ser devastador".
Contra o câncer
Celia Ronconi foi uma das orientandas de Stoddart, hoje pesquisadora da
Universidade Federal Fluminense.
Ela aplica o que aprendeu com o
professor em um de seus estudos no Brasil, que usa as nanomáquinas para
diminuir os efeitos colaterais do câncer. Essas máquinas moleculares
trabalhariam como um "transportador" seguro do medicamento dentro do
corpo.
“A gente usa remédios contra o câncer em aplicações por meio de
nanomáquinas. As drogas só vão ser liberadas quando chegarem ao tumor. É
uma forma seletiva e que reduz os efeitos adversos causados pelos
medicamentos”, explicou.
De acordo com Ronconi, as máquinas moleculares de Stoddart ajudam a
levar o medicamento de forma mais direta até as células do câncer e vão
“ao ponto, no tumor”, sem agridir tanto as células que ainda são
saudáveis no corpo, como ocorre com os tratamentos atuais.
A equipe da professora já fez testes em laboratório e diz que consegue
ter uma taxa de redução do tumor 30% maior do que com o uso tradicional
dos remédios, sem a ajuda das nanomáquinas.
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