Unicamp testa roupa especial que protege contra contaminação
Médica teve ideia após filha dizer que queria trabalhar em áreas de risco.
Tecido do traje tem acabamento nanotecnológico, que permite respiração.
Roupa com tecido nanotecnológico proporciona mais segurança (Foto: Antonio Scarpinetti/ Ascom Unicamp ).
Uma roupa especial com proteção hidrorrepelente e antimicrobiana para
profissionais de saúde está sendo testada pela Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp, em
Campinas
(SP). De acordo com a endocrinologista Laura Sterian Ward, a ideia de
criar uma vestimenta que proporcionasse mais proteção para médicos e
enfermeiros surgiu depois da filha, que é estudante de medicina, afirmar
que tinha intenção de se alistar numa organização não-governamental que
atende pacientes em situação de risco na África.
"A ideia surgiu quando a minha filha, que agora está no sexto ano de
medicina, chegou um dia em casa e disse que tava querendo se alistar no
Médicos Sem Fronteiras para trabalhar na Libéria com pacientes com
ebola. Aí, eu fiquei pensando que quem mais morreu na epidemia foram
médicos e enfermeiros e como todo dia nós nos expomos muito", revela.
Avental branco
Apesar do avental branco, que é utilizado por médicos e enfermeiros há
mais de 100 anos ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
como equipamento de proteção individual, Laura afirma que ele serve
mais como instrumento de identificação do que de proteção, por isso a
necessidade de desenvolver uma vestimenta sem costuras ou locais abertos
que ofereçam risco de contaminação química e biológica.
"Quem entra em centro cirúrgico, por exemplo, muitas vezes sai
encharcado de sangue, fezes e urina. As técnicas que têm que dar banho
em paciente infectado, não tem proteção nenhuma. Aí, apareceu a ideia de
fazermos uma roupa que nos defendesse", conta.
Profissionais usando traje que oferece maior proteção (Foto: Antonio Scarpinetti/ Ascom Unicamp ).
Tecido inteligente
O grande diferencial do traje, segundo a médica, é que ele é feito de
tecido com acabamento nanotecnológico, que não esquenta e permite a
respiração, diferentemente das atuais vestimentas impermeabilizantes.
"Ele sofre um processo de nanotecnologia em que a fibra é impregnada de
formol e nitrato de prata, com isso, o tecido não fica impermeável, ele
fica hidrorrepelente e essa é a diferença fundamental. Naquela roupa de
astronauta que a gente tem que usar quando tem contaminação, aquilo lá é
impermeável, o suor fica acumulado e no calor é horrível", explica.
Ainda segundo Laura, com essa tecnologia é possível fabricar qualquer tipo de roupa para os profissionais de saúde.
"Nós testamos na enfermaria de moléstias infecciosas do Hospital de
Clínicas da Unicamp a roupa privativa, que é uma calça e uma espécie de
camisa. Os enfermeiros e auxiliares usaram como uma roupa comum, com a
diferença que em nenhum momento eles ficaram expostos a líquidos ou a
nada que contaminasse aquele tecido", afirma.
Projeto
O projeto testado na universidade foi desenvolvido pela EPI Saúde, startup da incubadora de empresas da agência Inova da
Unicamp. A pesquisa já foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Laura criou traje que busca dar segurança aos
profissionais (Foto: A. Scarpinetti/ Ascom Unicamp)
O traje está sendo testado para as bactérias que possam causar desde
uma simples infecção, como espinhas e furúnculos, até doenças mais
graves, como pneumonia, meningite, infecção urinária de difícil controle
e septicemia.
O diretor da EPI Saúde, Paulo Formagio, explica que o uso de
equipamento de proteção com tecido hidrorrepelente no setor agrícola já
está normatizado, mas que a área de saúde ainda não conta com produtos
adequados de proteção.
"Nós percebemos que na área médica, o pessoal se contamina muito, é
muito risco. São doenças que vão passando. Aí, veio a ideia de proteger
essas pessoas. A gente foi desenvolvendo essa ideia, através de
trabalhos científicos, com o que vinha acontecendo na rede hospitalar",
destaca.
Formagio afirma ainda que o custo das vestimentas especiais quando
estiver no mercado deve ser quase o mesmo dos trajes com tecidos não
tratados nanotecnologicamente.
"Se chegar a 10% a mais que o normal vai ser muito. Estou fazendo um
esforço para ficar no mesmo preço do outro que não tem tratamento,
porque assim fica acessível. O objetivo nosso é que mais pessoas possam
ter acesso", explica.
O diretor ressalta ainda que qualquer tipo de peça pode ser fabricada
com a tecnologia e conta que está em busca de tecidos que sejam mais
confortáveis para os profissionais. "Pode fabricar qualquer tipo de
peça, é bem maleável, porque vai depender da função, tem que ter
flexibilidade e buscar o conforto da pessoa.
Semana que vem vamos fazer
um teste num tecido que é bem mais suave ao toque, que parece uma
microfibra", pontua.
Conscientização
De acordo com a médica, a roupa especial já pode ser produzida em larga escala,
o que falta é a conscientização por parte dos profissionais
da necessidade do uso. Ela cita que muitos médicos e enfermeiros
ignoram as leis e saem com os equipamentos de proteção individual em
ambientos externos, aumento o risco de contaminação.
"Eu fui responsável pelos testes de usabilidade. A última etapa é
testar em laboratório, mas pra testar em laboratório falta o
financiamento. Na prática, a gente já sabe que funciona. Podia começar a
ser empregado já. O mais importante agora é a conscientização da
necessidade. É uma vergonha, mas nós profissionais de saúde não damos
importância para nossa própria proteção. Devia ter mais consciência de
se proteger e proteger os outros", finaliza.
Servidores usam jaleco do Hospital Mário Gatti fora
do ambiente de trabalho (Foto: G1 Campinas)
Descumprimento
Embora existe norma regulamentadora do Ministério do Trabalho que
reconheça a necessidade de uso de vestimenta de proteção individual
pelos trabalhadores da área de saúde e que ela recomende cuidados com os
trajes, muitos profissionais parecem ignorar isso.
Em agosto de 2014,
funcionários do Hospital de Clínicas da Unicamp foram flagrados pela reportagem da
EPTV, afiliada da TV Globo, vestidos com jalecos da unidade médica fora do ambiente de trabalho.
As imagens mostravam servidores com a peça de proteção antes do início
da jornada de trabalho, e também em outras áreas do campus no distrito
de Barão Geraldo, incluindo jardins. Na época, a assessoria do HC da
Unicamp informou que orientava os funcionários para que eles não
circulassem com os jalecos fora do hospital.
Em junho do mesmo ano, o G1 noticiou que servidores do Hospital Municipal Mário Gatti também descumpriam as normas.
Na ocasião, o Conselho Regional de Medicina destacou que não havia
comprovação de casos de infecção ou contaminação de pessoas que tiveram
contato com médicos que usaram jalecos em ambientes não hospitalares.
Apesar disso, a entidade afirmou que recomendava que a vestimenta fosse
de uso restrito.
Fonte: http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/06/unicamp-testa-roupa-especial-que-protege-contra-contaminacao.html