domingo, 19 de junho de 2016

17/06/2016 06h00 - Atualizado em 17/06/2016 08h11

Unicamp testa roupa especial que protege contra contaminação

Médica teve ideia após filha dizer que queria trabalhar em áreas de risco.
Tecido do traje tem acabamento nanotecnológico, que permite respiração.

Unicamp de Campinas cria tecido antibacteriano (Foto: Antonio Scarpinetti/ Ascom Unicamp  ) 

Roupa com tecido nanotecnológico proporciona mais segurança (Foto: Antonio Scarpinetti/ Ascom Unicamp ).

Uma roupa especial com proteção hidrorrepelente e antimicrobiana para profissionais de saúde está sendo testada pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em Campinas (SP). De acordo com a endocrinologista Laura Sterian Ward, a ideia de criar uma vestimenta que proporcionasse mais proteção para médicos e enfermeiros surgiu depois da filha, que é estudante de medicina, afirmar que tinha intenção de se alistar numa organização não-governamental que atende pacientes em situação de risco na África.

"A ideia surgiu quando a minha filha, que agora está no sexto ano de medicina, chegou um dia em casa e disse que tava querendo se alistar no Médicos Sem Fronteiras para trabalhar na Libéria com pacientes com ebola. Aí, eu fiquei pensando que quem mais morreu na epidemia foram médicos e enfermeiros e como todo dia nós nos expomos muito", revela.

Avental branco
Apesar do avental branco, que é utilizado por médicos e enfermeiros há mais de 100 anos ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como equipamento de proteção individual, Laura afirma que ele serve mais como instrumento de identificação do que de proteção, por isso a necessidade de desenvolver uma vestimenta sem costuras ou locais abertos que ofereçam risco de contaminação química e biológica.

"Quem entra em centro cirúrgico, por exemplo, muitas vezes sai encharcado de sangue, fezes e urina. As técnicas que têm que dar banho em paciente infectado, não tem proteção nenhuma. Aí, apareceu a ideia de fazermos uma roupa que nos defendesse", conta.
Unicamp de Campinas cria tecido antibacteriano (Foto: Antonio Scarpinetti/ Ascom Unicamp  ) 
Profissionais usando traje que oferece maior proteção (Foto: Antonio Scarpinetti/ Ascom Unicamp ).

Tecido inteligente
O grande diferencial do traje, segundo a médica, é que ele é feito de tecido com acabamento nanotecnológico, que não esquenta e permite a respiração, diferentemente das atuais vestimentas impermeabilizantes.

"Ele sofre um processo de nanotecnologia em que a fibra é impregnada de formol e nitrato de prata, com isso, o tecido não fica impermeável, ele fica hidrorrepelente e essa é a diferença fundamental. Naquela roupa de astronauta que a gente tem que usar quando tem contaminação, aquilo lá é impermeável, o suor fica acumulado e no calor é horrível", explica.

Ainda segundo Laura, com essa tecnologia é possível fabricar qualquer tipo de roupa para os profissionais de saúde.

"Nós testamos na enfermaria de moléstias infecciosas do Hospital de Clínicas da Unicamp a roupa privativa, que é uma calça e uma espécie de camisa. Os enfermeiros e auxiliares usaram como uma roupa comum, com a diferença que em nenhum momento eles ficaram expostos a líquidos ou a nada que contaminasse aquele tecido", afirma.

Projeto
O projeto testado na universidade foi desenvolvido pela EPI Saúde, startup da incubadora de empresas da agência Inova da Unicamp. A pesquisa já foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Laura Ward da Unicamp é criadora do tecido antibacteriano (Foto: Antonio Scarpinetti/ Ascom Unicamp) 
Laura criou traje que busca dar segurança aos
profissionais (Foto: A. Scarpinetti/ Ascom Unicamp)

O traje está sendo testado para as bactérias que possam causar desde uma simples infecção, como espinhas e furúnculos, até doenças mais graves, como pneumonia, meningite, infecção urinária de difícil controle e septicemia.

O diretor da EPI Saúde, Paulo Formagio, explica que o uso de equipamento de proteção com tecido hidrorrepelente no setor agrícola já está normatizado, mas que a área de saúde ainda não conta com produtos adequados de proteção.

"Nós percebemos que na área médica, o pessoal se contamina muito, é muito risco. São doenças que vão passando. Aí, veio a ideia de proteger essas pessoas. A gente foi desenvolvendo essa ideia, através de trabalhos científicos, com o que vinha acontecendo na rede hospitalar", destaca.

Formagio afirma ainda que o custo das vestimentas especiais quando estiver no mercado deve ser quase o mesmo dos trajes com tecidos não tratados nanotecnologicamente.

"Se chegar a 10% a mais que o normal vai ser muito. Estou fazendo um esforço para ficar no mesmo preço do outro que não tem tratamento, porque assim fica acessível. O objetivo nosso é que mais pessoas possam ter acesso", explica.

O diretor ressalta ainda que qualquer tipo de peça pode ser fabricada com a tecnologia e conta que está em busca de tecidos que sejam mais confortáveis para os profissionais. "Pode fabricar qualquer tipo de peça, é bem maleável, porque vai depender da função, tem que ter flexibilidade e buscar o conforto da pessoa.

Semana que vem vamos fazer um teste num tecido que é bem mais suave ao toque, que parece uma microfibra", pontua.

Conscientização
De acordo com a médica, a roupa especial já pode ser produzida em larga escala, o que falta é a conscientização por parte dos profissionais da necessidade do uso. Ela cita que muitos médicos e enfermeiros ignoram as leis e saem com os equipamentos de proteção individual em ambientos externos, aumento o risco de contaminação.

"Eu fui responsável pelos testes de usabilidade. A última etapa é testar em laboratório, mas pra testar em laboratório falta o financiamento. Na prática, a gente já sabe que funciona. Podia começar a ser empregado já. O mais importante agora é a conscientização da necessidade. É uma vergonha, mas nós profissionais de saúde não damos importância para nossa própria proteção. Devia ter mais consciência de se proteger e proteger os outros", finaliza.

Servidores usam jaleco do Hospital Mário Gatti fora do ambiente de trabalho (Foto: G1 Campinas) 
Servidores usam jaleco do Hospital Mário Gatti fora
do ambiente de trabalho (Foto: G1 Campinas)

Descumprimento
Embora existe norma regulamentadora do Ministério do Trabalho que reconheça a necessidade de uso de vestimenta de proteção individual pelos trabalhadores da área de saúde e que ela recomende cuidados com os trajes, muitos profissionais parecem ignorar isso.

Em agosto de 2014, funcionários do Hospital de Clínicas da Unicamp foram flagrados pela reportagem da EPTV, afiliada da TV Globo, vestidos com jalecos da unidade médica fora do ambiente de trabalho.

As imagens mostravam servidores com a peça de proteção antes do início da jornada de trabalho, e também em outras áreas do campus no distrito de Barão Geraldo, incluindo jardins. Na época, a assessoria do HC da Unicamp informou que orientava os funcionários para que eles não circulassem com os jalecos fora do hospital.

Em junho do mesmo ano, o G1 noticiou que servidores do Hospital Municipal Mário Gatti também descumpriam as normas. Na ocasião, o Conselho Regional de Medicina destacou que não havia comprovação de casos de infecção ou contaminação de pessoas que tiveram contato com médicos que usaram jalecos em ambientes não hospitalares. Apesar disso, a entidade afirmou que recomendava que a vestimenta fosse de uso restrito.

Fonte: http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/06/unicamp-testa-roupa-especial-que-protege-contra-contaminacao.html

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