Por que as cesáreas no Japão têm corte vertical?
No Brasil, opção só é usada em casos de emergência; mas em países asiáticos prática é comum por razões culturais.
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Samanta Yoshida diz não ter vergonha da cicatriz deixada pelo procedimento cirúrgico (Foto: Ewerthon Tobace/BBC Brasil)
Bastante comum no Brasil, onde mais de 55% dos bebês vêm ao mundo por
esse tipo de parto, a cesária envolve um corte no abdômen de pelo menos
10 centímetros. O mais comum é que ele seja horizontal.
Mas em muitas clínicas e hospitais japoneses, assim como em outros
países asiáticos como China e Coreia do Sul, ainda se opta até hoje pelo
corte vertical (ou longitudinal) na cesárea - mesmo que em situações
"normais".
Essa opção chamou atenção de leitores da BBC Brasil que comentaram um
vídeo sobre um serviço gratuito criado pelo tatuador chinês Shi Hailei,
de Xangai, na China, para mulheres que realizam partos por cesariana no
país.
Por serem verticais, as cicatrizes têm mais chance de "aparecer", e
muitas mães querem escondê-la. O tatuador "disfarça" as cicatrizes da
operação com tatuagens a gosto da cliente.
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A minha cicatriz é grande e ficou um buraco na parte de cima, então
brinco que tenho dois umbigos', diz Samanta Yoshida (Foto: Ewerthon
Tobace/BBC Brasil)
O vídeo gerou muitos comentários surpresos justamente por causa do
corte na vertical. "Na China, a cicatriz é na vertical?", questionou o
leitor Raphael Calheiros Marques, enquanto outra leitora, Helen Ayumi,
que mora no Japão, contou sua própria experiência de parto no país.
"Aqui no Japão também é na vertical... a minha (cicatriz) foi na
vertical e eu tatuei uma âncora. O meu médico disse que as fibras
musculares da barriga são na vertical e, por isso, verticalmente é o
mais correto", afirmou.
"Eu pedi muito para o médico fazer na horizontal mas como não tinha
mais tempo para procurar outro médico que fizesse na horizontal (porque
minha filha estava passando da hora de nascer) foi na vertical mesmo."
Aproveitando a sugestão dos leitores, a BBC Brasil entrevistou
ginecologistas que trabalham no Japão para entender por que se utiliza o
corte vertical para cesárias no país.
Para o médico obstetra Cleber Sato, autor do O Guia da Gravidez no
Japão, dirigido a brasileiras que moram no país, o corte longitudinal
ainda é feito no Japão e em alguns países asiáticos por uma questão
cultural.
Risco
Nas situações de emergência ou de extremo cuidado, é comum, em qualquer
país, o procedimento cirúrgico com corte na vertical, por causa da
rapidez e da facilidade para se tirar o bebê do útero sem grandes riscos
tanto para a mãe quanto para o recém-nascido.
"O corte sendo feito de forma vertical no abdômen propicia menos
sangramento, pois temos a chamada linha média unindo os músculos
abdominais e as fáscias, que são como continuações dos músculos bem no
meio da barriga", explica Sato.
"O procedimento é indicado também para parto de bebê prematuro e quando
a placenta está localizada na parte inferior do útero e há risco quando
feito o corte horizontal", completa a médica Elza Nakahagi, autora do
Dicionário de Termos Médicos, uma publicação em português e japonês para
ajudar os brasileiros a se comunicarem com os médicos no Japão.
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Cristina Hatori fez duas cesáreas no Japão e ficou com a cicatriz na vertical (Foto: Aureo Yokoyama/Arquivo Pessoal)
Este foi justamente o caso de Luciana. Ela estava no trabalhado de
parto da filha, hoje com 9 meses. "A bolsa estourou, estava com
contrações, mas o bebê não tinha virado e o médico optou pela cesárea na
última hora", conta.
"Deram a anestesia, fizeram o parto e fiquei uma semana ainda
internada. Só fui perceber que o corte estava na vertical quando estava
para sair do hospital", diz Luciana, que está no Japão há dez anos e tem
agora três filhos - os dois primeiros nasceram de parto natural.
"Depois fui questionar o médico, mas ele me explicou que o bebê já
estava sufocado e precisava ser feita a cirurgia de forma rápida", conta
a brasileira, que acabou se conformando.
"Não me importo com a cicatriz, pois era para o bem da minha filha.
Ficou feia, mas a questão estética não é um problema para mim", afirma.
Samanta Yoshida, 42, também não tem vergonha da cicatriz deixada pelo
procedimento cirúrgico que fez há 20 anos no Japão, quando nasceu o
único filho. "Fiz a cesárea porque passou a data prevista para o
nascimento, não havia dilatação nenhuma e o bebê estava crescendo
demais", conta.
A brasileira lembra que o médico japonês explicou que faria um corte
vertical. "Se eu preferisse o corte na horizontal, eu teria de ir para
outro hospital, mas decidi fazer ali mesmo e não me arrependi", fala.
"A minha cicatriz é grande e ficou um buraco na parte de cima, então brinco que tenho dois umbigos", ri a brasileira.
Estética
Mas nem todas as mães ficam felizes com a marca deixada pela cesárea no
Japão - seja ela vertical ou mesmo horizontal. O médico Cleber Sato
conta ainda que, antigamente, para a mulher japonesa, não conseguir dar à
luz de parto normal seria como uma "fraqueza".
"A marca da cesárea seria como um sinal de que ela foi 'fraca'. Por
este motivo, a mulher que tem esta cicatriz não costuma mostrá-la por
vergonha", diz.
Não é o caso da brasileira Cristina Naomi Hatori, 41. Ela diz que evita
mostrar a cicatriz do parto por razões estéticas. Deixou de usar roupas
mais curtas e até mesmo o biquíni.
A marca no corpo foi feita quando teve a primeira filha, há nove anos. Ela foi obrigada a fazer uma cesárea de emergência.
"Era um parto prematuro e já estava sabendo que seria feito um corte
vertical. Fui dopada e, quando acordei, vi o curativo, mas nem liguei
para aquilo", conta.
No parto da segunda filha, há cerca de um ano, a brasileira pediu para
que fosse feito o corte no mesmo lugar. "Porque agora naquele hospital
eles fazem o corte na horizontal, mas não ia gostar de ter duas
cicatrizes", explica.
Mundo
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Japão está entre
os países asiáticos com menos percentual de partos por cesárea na Ásia,
com apenas 19,8%.
A Coreia do Sul é o país asiático com maior índice, perto de 36% dos
partos anuais por método cirúrgico.
Na China, são 25% dos partos - mas,
destes, 32% são realizados porque a mãe quer o bebê nasça em uma data
específica.
De acordo com as crenças populares, certos dias e meses podem
beneficiar os bebês. E as famílias chinesas também costumam estar
presentes durante o momento do parto. Então, a cesárea acaba sendo
escolhida para uma questão de planejamento - para permitir marcar um
evento social entre os parentes da gestante.
O Brasil está em segundo lugar no ranking dos países com maior
percentual de partos realizados por cesárea do mundo (55,6%). A campeã é
a República Dominicana, onde a taxa chega a 56,4%.
Depois, vêm Egito (51,8%), Turquia (50,4%) e Irã (47,9%).
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