sexta-feira, 11 de março de 2016

Território do Aedes

Campeão em casos de dengue em Porto Alegre, Vila Nova muda rotina

Dos 51 casos autóctones confirmados na Capital, 40 foram registrados na região

Por: Felipe Martini
11/03/2016 - 02h00min | Atualizada em 11/03/2016 - 02h00min

Antes de levantar pela manhã, Matilde Souza da Rocha pega o frasco que fica na cabeceira da cama e aplica jatos em pés, pernas, braços e pescoço. Não é para afastar o mau olhado que o ritual é repetido religiosamente ao menos três vezes por dia, mas para manter longe o mosquito Aedes aegypti
Além de repelente, a pensionista de 66 anos se arma com inseticida e pastilhas contra mosquitos que ficam nas tomadas o dia todo. O aparente excesso de cuidados é consequência de um número preocupante: a Vila Nova, bairro onde mora, registrou o maior número de casos de dengue autóctones (contraídos no local) em Porto Alegre.
Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS
– Fico ligada sempre. Já matei mais de 10 ¿pintadinhos¿ nesse ano – conta a senhora, ao falar da principal característica do Aedes
 A casa fica ao lado de um grande valão a céu aberto. A principal preocupação de Matilde é com a neta Maria Luísa, de dois meses. 
– Passo repelente especial nela pelo menos quatro vezes ao dia – conta Michele Souza Rocha, mãe da bebê e filha de Matilde.
Bairro da zona sul de Porto Alegre, a Vila Nova tem pouco mais de 38 mil habitantes, cerca de 2,71% da população da cidade. É residencial e mantém características rurais, com chácaras e áreas verdes. Dos 51 casos autóctones confirmados na Capital, 40 foram registrados ali. Segundo a Vigilância em Saúde do município, não há um padrão ambiental para os surtos. 
– Em Porto Alegre, temos casos de dengue autóctones desde 2010. E cada ano é diferente. O que ocorre na Vila Nova neste ano aconteceu no Partenon em 2013. Todos os bairros têm condições para a propagação de mosquitos. O vírus chega com alguém doente – explica a bióloga da Coordenadoria-Geral de Vigilância em Saúde (CGVS) Maria Mercedes Bendati. 
A grande presença de vegetação na Vila Nova não explicaria o surto no bairro. Segundo Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury, principal laboratório de medicina diagnóstica do país, deve-se considerar o ¿efeito fundador¿: 
– É quando um morador viaja e importa a doença ao seu local de origem.
Provavelmente, foi isso que ocorreu nessa região. O Aedes voa em torno 200 metros de distância. Por isso, é comum ter muitos casos de dengue na mesma casa. Em bairros com mais chácaras e casas, a densidade populacional é menor do que em centros urbanizados, então, o número de afetados deveria ser menor. 
A família de Vilma de Aguiar (de pé)Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS
Giselle Lovato engordou as estatísticas de casos de dengue no bairro no final de fevereiro. A supervisora hospitalar mora em uma casa de madeira com telas contra mosquitos cobrindo as janelas. Apesar do cuidado, a moradora não tem ideia de como foi picada pelo Aedes e diagnosticada com dengue do tipo 1. 
Ela vinha sofrendo com dores de cabeça, febre alta, manchas no corpo, diarreia e vômito durante dias antes de receber a notícia. 
– Sabia do risco no bairro, mas jamais imaginei que tinha dengue. Lembro de acordar com muita dor de cabeça, como se fosse ressaca – lembra. 
Um caso muito comentado na vizinhança foi o da aposentada Vilma Rosa de Aguiar, 65 anos, e de sua família, que vivem em uma rua asfaltada e movimentada, perto de uma mata fechada. 
– Moro há 50 anos aqui e nunca tinha visto essa doença na região. Fui uma das primeiras a ser picada. Tive de baixar quatro dias no hospital porque estava desidratada. Depois, boa parte da família adoeceu. Agora, estamos todos bem – comemora. 
Aplicação de inseticida no bairro é  constanteFoto: Felipe Martini / Agencia RBS
O medo do mosquito tem mesmo influenciado os hábitos dos moradores da região. Jorge e Ecilda Barbosa moram há 15 anos em uma casa de dois andares na Rua Ênio de Souza. Todo o final de tarde, o casal costumava abrir as cadeiras de praia no jardim para tomar chimarrão. 
O receio da dengue e o aumento no número de mosquitos empurrou o casal para dentro de casa, onde, agora, sorve o amargo com portas e janelas fechadas para evitar o acesso de insetos. 
– Antigamente, era ótimo sentar na frente para tomar chimarrão. Neste ano, os mosquitos não estão dando trégua, não lembro de ter visto tantos. Estamos com medo desse risco todo – diz o funcionário público aposentado.
O casal Jorge e Ecilda diminuíram a frequência do chimarrão no jardim por medo do mosquitoFoto: Fernando Gomes / Agencia RBS
O pátio grande nos fundos da residência passou a ser constantemente checado para evitar focos. Mesmo com as medidas de precaução da família Barbosa, o que mais preocupa a professora Ecilda é o desleixo dos vizinhos. 
– Eu vou comprar um megafone para sair pelas ruas nos finais de semana e pedir para todos os vizinhos limparem seus terrenos e cuidarem para acabar com os focos do mosquito. Não adianta só cuidar a nossa casa. É uma responsabilidade de toda a comunidade. 
As áreas que tiveram casos confirmados no Vila Nova foram mapeadas pela prefeitura e estão recebendo a aplicação de inseticida e visita dos fiscais da vigilância. Na última terça-feira, Alexandre do Santos Silveira batia palmas e acionava campainhas de diversas residências do bairro: 
– Secretaria da Saúde, controle da dengue – gritava o controlador de pragas da prefeitura antes de ordenar a aplicação de inseticida em terrenos e fachadas.
Segundo Silveira, a ação na região foi redobrada. Os técnicos estão reforçando o uso de inseticida para prevenir futuros casos da doença e estancar a proliferação do Aedes aegypti

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