27/5/2017 às 18h58
Portugal instalará salas de consumo assistido para usuários de drogas
Há 30 anos existem salas de consumo assistido na Europa, num total de 90, em nove países
Quinze anos depois de aprovada a descriminalização do uso de todo tipo
de drogas, separando o consumo do tráfico, Portugal apresenta os
melhores resultados entre os países que adotaram o modelo. Nem o consumo
aumentou, nem o país se tornou ponto de encontro de toxicodependentes
de outras partes do mundo. Portugal foi pioneiro no assunto, liderado
pelo médico João Goulão, atualmente diretor do Sicad (Serviço de
Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências), que recebeu
nesta semana o primeiro pedido para a instalação de uma sala de consumo
assistido, modalidade aprovada desde 2001 e que deve sair do papel
nos próximos meses.
Quando a questão passou da área criminal para a de saúde pública, o país
assistiu a uma redução significativa de infecção por HIV entre os
dependentes, de mortes por overdose e da população condenada a pena de
prisão por crimes relacionados com entorpecentes. Em 2001, esse grupo
representava 41% do total de reclusos no país, índice que caiu para 19%
em 2015. "Havia ainda cerca de 100 mil usuários problemáticos de heroína
por via injetável, número que atualmente não passa de 40 mil", disse.
Mas nem tudo é cor de rosa nesse universo. Ainda há muito a fazer.
O balanço positivo resultou do fato de os dependentes de substâncias
ilícitas deixarem de ser perseguidos como criminosos, passando a ser
tratados como doentes. "A mudança de paradigma transformou Portugal em
exemplo de boas práticas em todo o mundo. E explica-se sobretudo porque,
ao contrário de outros países, onde a difusão das drogas ocorria entre
as populações mais desfavorecidas, havia no momento um boom de
experimentação de drogas em todos os grupos sociais, incluindo as
classes média e alta. Na época, era praticamente impossível encontrar
uma família que não sofresse suas consequências do problema", afirmou.
Foi devido ao fato de o consumo de substâncias ilícitas abranger de
forma completamente transversal a sociedade portuguesa que se formou um
ambiente favorável a abordagem mais progressista da questão, conduzindo à
descriminalização de todas as drogas. ”Quando as coisas se confinam às
margens, é muito difícil mobilizar vontades para políticas inclusivas.
No Brasil, por exemplo, a coisa está na favela, e é nas favelas que deve
continuar”, afirmou Goulão, que tem visitado o país muitas vezes e
conhece a realidade realidade brasileira.
De acordo com o o médico, a descriminalização foi importante e um
primeiro passo para enfrentar o problema, mas Portugal avança ainda
mais, apostando na redução de riscos e minimização de danos, movido pela
ideia de que as drogas não se combatem com instrumentos jurídicos e
policiais. Nesse contexto, inserem-se as salas de consumos assistido.
Aprovados em 2001, esses espaços não foram ainda implantados em
Portugal, porque, desde a descriminalização, registrou-se queda quase
vertiginosa dos consumos por via injetável.
No entanto, com o agravamento da crise econômica em Portugal, que afetou
os programas de reinserção de dependentes no mercado de trabalho e de
recuperação social, essa modalidade de consumo recrudesceu, o que,
segundo Goulão, já justifica a implantação das primeiras salas no país.
Há 30 anos existem salas de consumo assistido na Europa, num total de
90, em nove países. Somente em 2014 ocorreram 6.800 mortes por overdose
no Continente, mas, nesse período, registrou-se apenas um óbito num
desses espaços, na Alemanha, causado por anafilaxia. Todas as salas
dispõem de pessoal treinado para intervir em caso de overdose. Os
consumidores também aprendem manobras para ajudar os que estão em
situação de risco mortal e recebem um kit com naloxona pronta para
injetar.
As salas foram criadas em uma lógica de redução dos comportamentos que
aumentam o risco de transmissão de doenças e de mortes por overdose. Há
diferentes modelos, desde os integrados até unidades móveis, que deve
ser o que Portugal vai implantar nos próximos meses. Nesses espaços, os
dependentes recebem aconselhamento social e psicológico, tratamentos de
substituição de drogas, feridas, doenças e troca de seringas.
Na Alemanha, há espaços mais completos onde os toxicodependentes são
alimentados, podem tomar banho, lavar roupas e dispõe de uma clínica
para cuidados gerais, internamento para quem está em tratamento de
desintoxicação, cuidados que convivem com espaços diferenciados para uso
de drogas injetáveis e fumadas.
Variam as regras para o acesso às salas. Na Alemanha, são vetados todos
os que estão em tratamento com opiáceos de substituição, o que já deixa
de fora cerca de 70 mil pessoas. Algumas aceitam dependentes partir de
16 anos, desde que com autorização dos pais por escrito, mas a maior
parte somente a partir dos 18 anos. Nenhuma permite o acesso de
consumidores ocasionais ou que estejam usando drogas pela primeira vez.
Também não podem frequentá-las quem se apresentar intoxicado ou
embriagado.
Fonte: http://noticias.r7.com/internacional/portugal-instalara-salas-de-consumo-assistido-para-usuarios-de-drogas-27052017