quinta-feira, 25 de maio de 2017

25/5/2017 às 22h39 (Atualizado em 26/5/2017 às 00h27)

Ministério Público pede à Justiça que não autorize internação forçada na Cracolândia

A 7ª Vara da Fazenda Pública deve se pronunciar nesta sexta-feira sobre pedido de Doria

Diego Junqueira, do R7
A praça Princesa Isabel se tornou o principal ponto das novas 22 cracolândias que se formaram na cidade 25.05.2017/Bruno Santos/Folhapress
 
O Ministério Público de São Paulo apresentou nesta quinta-feira (25) um parecer à Justiça para que a gestão do prefeito João Doria (PSDB) não seja autorizada a realizar internações compulsórias (forçadas) dos usuários de crack que se espalharam pelo centro de São Paulo após a operação policial do último domingo.

O parecer é uma resposta do MPSP a um pedido da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que avalia o pedido da Prefeitura de São Paulo e que deve ser respondido amanhã.

A gestão Doria entrou com a ação na noite de terça-feira (23) para pedir autorização da Justiça começar um processo de avaliação médica e internação forçada de dependentes químicos.

“O que a prefeitura quer era uma ordem judicial para poder recolher pessoas na rua que ela entenda que pareça um dependente químico e levar na marra, inclusive com auxílio policial, para submeter a uma avaliação médica e apresentar pro médico internar”, disse ao R7 Eduardo Ferreira Valério, um dos quatro promotores que assinaram o parecer enviado à 7ª Vara. O documento do MPSP contou ainda com uma peça jurídica da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, também contrária ao pedido da prefeitura. A decisão da Justiça deve sair nesta sexta-feira (26).

A operação de domingo contou com 900 policiais do Denarc (departamento de combate ao tráfico do governo do Estado) e da GCM (Guarda Civil Metropolitana), entre outras corporações. O resultado foram 12,3kg de crack apreendido, entre outros entorpecentes, a prisão de 53 pessoas (sendo 38 no "fluxo" da Cracolândia) e a dispersão de centenas de pessoas dependentes químicas que moravam ali.

Entre 1.200 e 1.500 usuários de crack se espalharam por vários bairros do centro de São Paulo. A GCM identificou 22 pontos, sendo o principal deles na praça Princesa Isabel, a 400 m de onde ficava o antigo "fluxo", na rua Helvétia. Os abrigos do município para moradores em situação de rua também estão lotados.

Diferentemente do que pretendia a operação conjunta do governo do Estado e da prefeitura, o tráfico continua.

A operação afetou também moradores e comerciantes dos endereços próximos ao fluxo, já que a prefeitura decidiu bloquear e demolir suas casas e estabelecimentos. Em uma das operações, o muro de uma casa vizinha caiu, ferindo três pessoas. A população que vivia e trabalhava ali está abandonando o local.

A operação de demolição e bloqueio de casas que a prefeitura realizou na segunda e terça-feira foi proibida pela Justiça na quarta-feira (24), após o MPSP conseguir uma liminar cautelar que proibiu as demolições, permitiu o acesso dos proprietários e moradores e obrigou a prefeitura a cadastrar toda essa população.

Nesta quinta, o cadastro ainda não tinha começado, segundo moradores.

Doria ou Alckmin: quem comandou a operação?
Além dos danos causados aos dependentes químicos, a operação policial na Cracolândia vem provocando sucessivas derrotas políticas para o prefeito João Doria. O prefeito sofreu críticas de sua secretária de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, que entregou o cargo na quarta. De volta ao cargo de vereadora, a colega de partido de Doria classificou a operação como "desastrosa".

Em audiência pública realizada na noite desta quinta na Câmara Municipal, o vereador Paulo Frange (PTB-SP) afirmou ao R7 que operação de domingo foi "exacerbada". Médico cardiologista e membro da base de Doria no legislativo municipal, Frange foi tratado com representante do prefeito na reunião, já que a gestão não enviou nenhum de seus membros. O vereador chegou a telefonar para o secretário de governo da prefeitura, Julio Semeghini, para perguntar se haveria uma operação de retomada do edifício da Secretaria de Direitos Humanos, ocupada há dois dias por ativistas que prestam serviços de redução de danos no território da Cracolândia. Para deixar o local, eles exigem uma audiência com Filipe Sabará, secretário de assistência social. A ocupação continua.

"[A operação foi] exacerbada, exacerbada, sem dúvida", declarou Frange.

O defensor público Carlos Reis, presente na audiência pública, afirmou ainda que o prefeito poderá responder pelo mau uso da GCM, já que os guardas municipais não podem realizar ações de policiamento ostensivo, como no domingo.

— A GCM não pode cercar uma área e impedir a entrada das pessoas. Não pode fazer isso. Esse país precisa ser regido pela lei.

No domingo, ao impedir o retorno das pessoas para a área do fluxo, os agentes de segurança acabaram violando os direitos de moradores, comerciantes e mesmo dos usuários que queriam recuperar seus pertences.

— O que aconteceu após é que a cracolãndia ficou vazia porque as pessoas fugiram da policia, das balas de borracha e das bombas. Mas elas não puderam voltar, e isso efetivamente violou [os direitos delas].

O que ainda não está explicado é o porquê de a prefeitura realizar diversas reuniões com membros do Ministério Público, Defensoria e representantes da sociedade civil ao longo do ano, para elaborar a política pública para o local, e jogar tudo pro alto.

"Houve um descompasso daquilo que ficou acertado nas reuniões e daquilo que aconteceu", disse ao R7 o promotor Valério.

— Mas a situação ainda não está clara e consolidada, pelo que eu percebi hoje aqui e na reunião com o prefeito. Eles estão também ainda entendendo [o que aconteceu]. Nós todos fomos pegos de surpresa pela operação policial.

A Defensoria, que também participou dos encontros na prefeitura para elaboração do Redenção, também foi "surpreendida" pela operação policial, segundo o defensor Reis.

— Isso [a operação] em nenhum momento a prefeitura disse que ia fazer. A prefeitura afirmou que ia apresentar um projeto, a ser construído paulatinamente, em etapas, e que teria garantido o respaldo social, médico e até habitacional.

A presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas e Álcool, Nathália Oliveira, que também participou das reuniões com a prefeitura, foi mais incisiva e disse que o prefeito Doria "mentiu" a todos aqueles que participaram da construção de uma política para o território cracolândia.

— Desde o domingo a prefeitura faz absolutamente o contrário [do que tinha combinado]. Eu sou a prova viva de que o Doria mente. E ele não faz isso só com a Cracolândia.

Fonte: http://noticias.r7.com/sao-paulo/ministerio-publico-pede-a-justica-que-nao-autorize-internacao-forcada-na-cracolandia-26052017

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