Especialista em zika alerta contra descuido do Brasil com a microcefalia
Para médica que foi pioneira em detectar relação entre zika e microcefalia, Brasil terá nova geração de mães não imunes ao zika em uma década.
Uma das primeiras médica a detectar a ligação entre o vírus da zika e
fetos com má formação disse que o Brasil esqueceu rápido demais a
tragédia dos 2 mil bebês nascidos com microcefalia e corre o risco de
uma segunda onda de infecções, caso o vírus sofra mutação.
Um ano após a epidemia inicial, autoridades de saúde pública estão
relatando poucos casos de microcefalia em recém-nascidos, um
desdobramento que a doutora Adriana Melo e outros pesquisadores
brasileiros atribuem à imunidade adquirida pela população do Nordeste, a
região do país mais atingida pelo vírus da zika.
"O que vai acontecer é que o vírus não vai desaparecer, ele veio para
ficar e vamos ter casos esporádicos, vai ficar como qualquer
megalovírus", disse Adriana à Reuters na terça-feira (7) em sua clínica
de obstetrícia.
Em aproximadamente uma década, o Brasil terá uma nova geração de mães
em potencial que não são imunes, e portanto estarão vulneráveis, se o
vírus começar a circular novamente, estimou ela.
Os problemas ocorreram em bebês cujas mães foram infectadas na gravidez
pelo vírus, que é transmitido pelo mesmo mosquito que dissemina a
dengue.
"Outro medo nosso é que possa sofrer uma mutação porque é um arbovírus e
da família da dengue, e a dengue começou com um tipo no Brasil e já tem
4 tipos aqui", disse ela.
Adriana disse que os dados sobre a aparente imunidade ao vírus da zika
na população da Polinésia Francesa na esteira de um surto entre 2013 e
2014 não pode ser extrapolada para o Brasil porque aquele país é muito
menor.
O zika já se espalhou para mais de 60 países de todo o mundo desde que
foi detectado pela primeira vez no Brasil em 2015, aumentando o alarme
sobre sua capacidade de causar microcefalia, e também a síndrome de
Guillain-Barré. A Organização Mundial de Saúde disse neste mês que o
Brasil e a América Latina estão registrando um número menor de infecções
do que no ano passado, mas que todos os países devem permanecer
vigilantes.
Depois do aumento alarmante nos casos regionais de microcefalia, no
final de 2015, Adriana foi a primeira cientista a pedir a pesquisadores
federais que testassem o líquido amniótico de uma mãe grávida cujo feto
apresentava problemas cerebrais, fornecendo a primeira relação empírica
entre a complicação e o vírus.
'Pode voltar com força'
Campina Grande, cidade-natal de Adriana na Paraíba, registrou 82 casos
de microcefalia entre outubro de 2015 e março de 2016. Um ano depois o
número de casos está em somente 3, um declínio semelhante àquele
relatado no vizinho Pernambuco, que teve a maior concentração de casos
de microcefalia.
"A gente não pode pensar que não vai ter zika. Porque pode voltar agora
ou no futuro, seja em São Paulo, seja aqui mesmo. Pode voltar com mais
força novamente em 10 ou 15 anos", alertou. "Mas eu tenho medo de toda
essa calma e de a gente baixar a guarda."
Adriana observa que os brasileiros estão se esquecendo de se proteger do mosquito Aedes agypti, que dissemina o vírus, e descuidando de acúmulos de água parada em suas casas, onde os insetos procriam.
Os brasileiros também estão se esquecendo das mães e dos bebês com
microcefalia nascidos um ano atrás, afirmou Adriana, e teme que a
assistência de longo prazo esteja começando a falhar agora que a crise
passou e o interesse pelo assunto diminuiu.
Um caso que ilustra a questão é o de uma de suas antigas pacientes,
Raquel Barbosa, de 25 anos, mãe de gêmeas nascidas com microcefalia,
Heloisa e Heloá, que estão na lista de espera por uma cirurgia para
endireitar os pés tortos.
Raquel não consegue cuidar das duas meninas, que exigem atenção
constante, e teve que deixar uma delas com a mãe, que mora em uma
fazenda sem água encanada.
O governo local fornece transporte para levá-la de um subúrbio a
Campina Grande, onde as crianças recebem duas sessões gratuitas de
fisioterapia por semana em um hospital.
Mas ela diz que não pode pagar os 200 reais mensais necessários para
comprar remédios contra as convulsões, um problema que atinge crianças
com microcefalia, e depende de doações para fraldas e leite.
"Gostaria que eles dessem os remédios. A secretaria de saúde pública
tem para dar, mas sempre está em falta e então tem que comprar. Não
temos opção", explicou Raquel.
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