A droga barata que pode evitar um terço das mortes de mulheres após o parto
Pesquisas sugerem que ácido tranexâmico, criado por casal japonês em 1960, poderia evitar hemorragias que matam 100 mil mães todos os anos.
Um medicamento barato criado em 1960 por um casal de japoneses pode
evitar um terço as mortes causadas por hemorragias pós-parto, sugere um
estudo publicado na revista científica Lancet.
Cerca de 100 mil mulheres morrem todos os anos por causa de
sangramentos intensos momentos após o parto, o que torna a hemorragia
pós-parto a principal causa de mortes decorrentes da gravidez e da
maternidade precoce.
Pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres
afirmam que o ácido tranexâmico seria eficaz em inibir a dissolução de
coágulos, auxiliando o corpo a estancar os sangramentos.
De acordo com a pesquisa, realizada em parceria com 193 hospitais
principalmente da Ásia e África e que envolveu 20 mil pacientes, o uso
do ácido tranexâmico reduziu as mortes em um quinto. Entre as mulheres
que tomaram o medicamento em até três horas após o parto, a redução foi
ainda maior: 31%.
"Nós conseguimos um resultado importante. Descobrimos que um
medicamento barato, tomado em dose única, reduz o risco de hemorragia
severa e pode ter um papel significativo em diminuir a mortalidade
maternal ao redor do mundo", disse Ian Roberts, que participou da
pesquisa.
Após a publicação dos resultados, a Organização Mundial da Saúde
afirmou que mudaria a recomendação de uso do medicamento para incluir os
casos de hemorragia pós-parto.
O remédio
As descobertas não seriam uma surpresa para Utako Okamoto, que inventou
o medicamento ao lado do marido, Shosuke, na década de 60 no Japão.
A pesquisa do casal Okamoto começou durante a pobreza do período
pós-guerra no Japão. Eles decidiram começar a estudar o sangue porque
poderiam colher amostras próprias para a pesquisa.
"Queremos que nosso trabalho seja internacional, queremos descobrir
novos medicamentos para mostrar nossa gratidão à humanidade", disse ela.
Na época, o casal não conseguiu convencer os médicos locais a testarem o
ácido em casos de hemorragia pós-parto. O medicamento então foi
comprado por uma empresa farmacêutica e usado contra fluxos menstruais
intensos.
A história quase parou por aí. Mas o casal começou uma parceria com
hospitais ao redor do mundo e contou com 20 mil inscritos para testar o
medicamento.
A professora morreu, aos 98 anos, logo antes de os testes feitos com 20
mil voluntários comprovarem que suas suspeitas sobre a eficácia do
remédio em hemorragias pós-parto se corfimavam.
Em um vídeo filmado antes do final dos testes, ela afirmou já ter certeza da eficácia do remédio nesses casos.
"Mesmo antes da pesquisa, eu sei que vai ser eficiente", disse Okamoto.
Auxílio
O pesquisador Ian Roberts afirmou que se sentiu absolutamente inspirado
por ela e que a descoberta a respeito da eficácia do medicamento não é o
fim da jornada.
Segundo ele, apesar do custo baixo, levar o medicamento a hospitais do mundo todo ainda é um desafio.
"É uma coisa horrível uma mãe morrer no parto. É extremamente
importante que tenhamos certeza sobre a disponibilidade do tratamento em
qualquer lugar onde ele possa salvar vidas. Não deveríamos ter uma
criança crescendo sem a mãe por falta de um medicamento que custa um
dólar", afirmou.
Um desses lugares é o Paquistão. De acordo com a médica Rizwana
Chaudri, da Universidade Médica da cidade de Rawalpindi - a quarta maior
do país - há muitas mulheres que morrem de hemorragias pós-parto ou que
já chegam mortas ao hospital.
"Você não conseguiria nem pensar numa coisa dessas no mundo
desenvolvido, mas por aqui esses casos ocorrem diariamente, sem parar."
Um dos casos de hemorragia ocorreu com Nosheen, que quase morreu depois
de dar à luz sua filha. Ela sobreviveu apenas depois de uma
histerectomia (remoção de parte ou de todo o útero) de emergência.
"Minha saúde está completamente destruída, e estou muito triste por
causa disso", contou ela, a quem o ácido tranexâmico poderia ter
ajudado.
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