terça-feira, 2 de maio de 2017

Domingo, 30/04/2017, às 06:00,

Elca Rubinstein ensina a viver de bem com a morte

Enquanto muita gente trata a velhice como um tabu a ser evitado, Elca Rubinstein não perde a oportunidade de trazer o assunto à tona. Ela é Ph.D. em economia, formada pela USP, onde foi professora até ir para o Banco Mundial, em Washington, onde trabalhou de 1986 a 2003. Quando se aposentou, em vez de parar resolveu expandir seus horizontes: fez cursos sobre gerontologia, estuda para ser rabina e se prepara para prestar serviços como end-of-life doula – assim como há doulas para acompanhar a gravidez, há uma formação específica para acompanhar o paciente, e sua família, em seus momentos derradeiros.

“Nessa nova fase da vida, é fundamental ter consciência da necessidade de encarar a finitude. Isso também significa aceitação, aprender a se livrar das mágoas, dos ressentimentos, das questões mal resolvidas. Ao assumir minha velhice, ganhei um futuro, um olhar para o mundo que não tinha antes”, afirma, esbanjando vitalidade.

Aos 71 anos, Elca dá os primeiros passos como cineasta. É responsável pelo argumento e captação de recursos do média-metragem “Branco e prata”, dirigido por Humberto Bassanelli. No filme, que está em fase de montagem, mulheres contam por que deixaram de tingir os cabelos e assumiram os fios brancos. Algumas até enfrentaram críticas, como se tivessem aberto mão de sua feminilidade, mas todas se sentem mais charmosas e seguras atualmente – inclusive a própria Elca, que participa com seu depoimento. Ainda não há data de estreia, mas aqui você pode assistir a um teaser da produção.

Ela fez questão de preparar seu testamento vital, documento que pode ser feito por qualquer pessoa em pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor sobre os cuidados e tratamentos que deseja ou não ser submetida quando estiver impossibilitada de manifestar sua vontade:

“E faço como os americanos: guardo o testamento vital no congelador, num daqueles saquinhos de congelar alimentos. Nos EUA, esse é um procedimento padrão e todos sabem onde procurar o documento numa situação de emergência. Eu me fiz cinco perguntas, sobre as quais refleti muito: quem vai responder por mim, ou seja, quem será meu representante se eu não puder falar; que tratamentos quero e quais não quero; como quero me sentir; como quero que me cuidem; e quais são os meus legados. Neste caso, não se trata dos bens de uma herança, mas dos ensinamentos que gostaria de dividir com as pessoas mais próximas. O processo envolveu muitas conversas, a começar comigo mesma. Depois com os médicos que me acompanham e, por fim, com meus três filhos, que têm entre 40 e 50 anos. No dia dessa reunião, minha filha, a primogênita, me abraçou e disse que podia contar com ela para tudo. A primeira reação do do meio foi dizer que assinava onde fosse preciso, mas que não queria saber de nada. O caçula se saiu com uma frase do tipo: ‘Mãe, você não vai morrer nunca!’. Em seguida, foi a vez do advogado, e agora com todo mundo com quem eu puder compartilhar”, explica.

Falando em compartilhar, o Death Café Sampa, criado em 2014, tem a assinatura de Elca. É, como ela diz, “um espaço onde é fácil falar de coisas difíceis”. O Death Café surgiu a partir das ideias do sociólogo suíço Bernard Crettaz, que cunhou a expressão “sigilo tirânico” para descrever o medo e a rejeição que a maioria tem de falar sobre a morte. O objetivo das reuniões é aumentar a consciência sobre a finitude, com vista a ajudar as pessoas a aproveitarem melhor suas vidas. A próxima será no dia 21 de maio, no Cemitério Redentor, em São Paulo. O grupo tem uma página no Facebook e um blog para quem quiser acompanhá-lo.

Foto: Mariza Tavares

 

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