Zika e microcefalia: conheça quem ajudou a identificar a emergência
Vírus da zika foi identificado pela primeira vez após surto em Camaçari-BA.
Comunicação entre médicos foi essencial para identificar problema.
Diagnosticado com microcefalia, bebê Guilherme Soares Amorim, de 2 meses, tem a cabeça medida por sua mãe, Germana Soares, em sua casa em Ipojuca, em Pernambuco (Foto: Reuters/Ueslei Marcelino)
No início de 2015, uma doença misteriosa começou a afetar a população de Camaçari, na Bahia. Os sintomas, que incluíam erupções na pele, febre e conjuntivite, levaram a população a culpar a qualidade da água pela “alergia” repentina.
Quando o infectologista Antonio Bandeira, que atendeu vários pacientes com o quadro no Hospital Santa Helena, em Camaçari, relatou a situação ao virologista Gubio Soares Campos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o pesquisador decidiu investigar amostras de sangue de pacientes para tentar identificar aquilo que os dois suspeitavam ser uma virose.
Bandeira levou 25 amostras ao Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da UFBA, onde elas foram submetidas à análise de Campos e da virologista Silvia Inês Sardi.
"Começamos a testar para diversos vírus - dengue, chikungunya, sarampo, vírus do oeste do Nilo - tudo deu negativo", conta Campos. Ele já tinha lido artigos sobre o vírus da zika e visto fotos de pacientes na fase aguda da doença. Como tinham material de biologia molecular que permitia trabalhar com zika, resolveram testar as amostras também para esse vírus, que até então não tinha sido identificado no Brasil.
"Para nossa surpresa, começamos a encontrar amostras positivas. Usamos duas técnicas de biologia molecular e todas deram positivo." O virologista informou a situação para o Ministério da Saúde, a quem enviou as amostras dos pacientes. Depois de confirmar o resultado em um laboratório de referência, a pasta anunciou publicamente, no início de maio, que o vírus havia chegado ao Brasil.
Em outubro, Bandeira, Campos e Silvia assinaram um artigo na revista "Emerging Infectious Diseases" relatando a detecção inédita.
Caso de gêmeos é emblemático
Alguns meses depois, no início de agosto, um caso chamou a atenção da neuropediatra Vanessa Van Der Linden, médica do Hospital Barão de Lucena e da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) do Recife. Ela atendeu gêmeos nascidos no fim de julho em que um dos irmãos tinha microcefalia e o outro não.
Alguns meses depois, no início de agosto, um caso chamou a atenção da neuropediatra Vanessa Van Der Linden, médica do Hospital Barão de Lucena e da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) do Recife. Ela atendeu gêmeos nascidos no fim de julho em que um dos irmãos tinha microcefalia e o outro não.
“Investiguei tudo para esse menino – toxoplasmose, citomegalovírus, parvovírus – tudo que é agente que pode dar infecção congênita. Deu tudo normal. Já estava investigando doenças genéticas quando, em torno do dia 15 de setembro, começaram a surgir muitos casos de microcefalia no Hospital Barão de Lucena.” Em duas semanas, Vanessa viu cinco pacientes. Em uma situação normal, era difícil ver mais do que um caso por mês.
“Todos tinham as mesmas características no ultrassom, que se assemelhava à microcefalia por citomegalovirus. Comecei a achar que tinha alguma coisa estranha, algum novo agente infeccioso que estava causando”, conta. O fato de ela já ter ficado “com a pulga atrás da orelha” com o caso dos gêmeos alimentou ainda mais a desconfiança.
Vanessa começou a encaminhar os pacientes para um centro de referência para doenças infectocontagiosas no Recife, o Setor de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (Huoc-UPE), que também estava recebendo bebês com microcefalia de outras instituições.
“No Recife, são poucos neuropediatras e temos um contato muito bom. Começamos a ligar para outros centros e descobrimos que eles também estavam tendo casos de microcefalia. A comunicação entre os médicos foi muito boa”, diz.
Bebês chegam a centro de referência
Enquanto isso, a médica Maria Ângela Rocha, chefe do Setor de Infectologia Pediátrica do Huoc-UPE, começou a receber os bebês afetados pelo problema no início de setembro. “Algumas neurologistas que trabalham aqui no Recife disseram que iam mandar alguns casos de microcefalia para serem investigados porque estavam notando um aumento e queriam investigar a possível causa”, conta.
Enquanto isso, a médica Maria Ângela Rocha, chefe do Setor de Infectologia Pediátrica do Huoc-UPE, começou a receber os bebês afetados pelo problema no início de setembro. “Algumas neurologistas que trabalham aqui no Recife disseram que iam mandar alguns casos de microcefalia para serem investigados porque estavam notando um aumento e queriam investigar a possível causa”, conta.
“Foi um número totalmente inesperado, pois essas patologias não vêm em surto”, diz Maria Ângela. As tomografias sugeriam que a microcefalia estava provavelmente associada a um processo de infecção, mas exames para agentes que poderiam estar relacionados ao quadro davam negativos.
A médica Maria Ângela Rocha, chefe do setor de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (Huoc/UPE), foi uma das primeiras que notou o aumento de casos de microcefalia (Foto: Maria Ângela Rocha/Aquivo pessoal)
Os médicos começaram a se perguntar o que teria de diferente no cenário que poderia estar ocasionando esse fenômeno. “A gente sabia que, em março de 2015, houve um grande surto de dengue, porque tudo era classificado como dengue. Mas zika e chikungunya já estavam circulando na região, por isso começamos a pensar nessa possibilidade.”
Médicos contatam Secretaria de Saúde
Ao investigar as mães dos bebês com microcefalia, Vanessa Van Der Linden percebeu que cerca de 70% tinha uma história de rash cutâneo (manchas na pele) no início da gestação, o que, na ocasião, tinha sido visto como sintoma de dengue.
Ao investigar as mães dos bebês com microcefalia, Vanessa Van Der Linden percebeu que cerca de 70% tinha uma história de rash cutâneo (manchas na pele) no início da gestação, o que, na ocasião, tinha sido visto como sintoma de dengue.
Em outubro, ela procurou a Secretaria Estadual da Saúde de Pernambuco para relatar o aumento de casos e agendou uma reunião com a equipe de vigilância epidemiológica. “Com as tomografias indicando que os casos tinham relação com infecção congênita e com a história de rash cutâneo nas mães, conversamos com o pessoal de epidemiologia que já vinha investigando o surto de zika”, conta Vanessa.
Assim surgiu a suspeita de que os casos poderiam ter relação com o vírus da zika que, no período do início da gestação dessas mães que deram à luz em agosto e setembro, ainda foram identificados como dengue.
Graças ao alerta dos médicos, a Secretaria de Estado da Saúde de Pernambuco fez um protocolo para que todos os casos de microcefalia do estado fossem notificados, além de contatar o Ministério da Saúde sobre a situação. Em 11 de novembro, o governo declarou emergência em saúde pública nacional pelos casos de microcefalia.
Envio de amostras para Fiocruz
Na Paraíba, os casos de microcefalia começaram a chamar a atenção na mesma época. A médica Adriana Melo, que atua na maternidade do Instituto Elpídio de Almeida (Isea), em Campina Grande, começou a suspeitar da relação entre o vírus da zika e a microcefalia após conversas com profissionais de Pernambuco. Ela, então, tomou a iniciativa de coletar o líquido amniótico de duas gestantes cujos bebês tinham sido diagnosticados com microcefalia por exames de ultrassom.
Na Paraíba, os casos de microcefalia começaram a chamar a atenção na mesma época. A médica Adriana Melo, que atua na maternidade do Instituto Elpídio de Almeida (Isea), em Campina Grande, começou a suspeitar da relação entre o vírus da zika e a microcefalia após conversas com profissionais de Pernambuco. Ela, então, tomou a iniciativa de coletar o líquido amniótico de duas gestantes cujos bebês tinham sido diagnosticados com microcefalia por exames de ultrassom.
As amostras, enviadas para o Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), levaram à descoberta de que o vírus era capaz de atravessar a placenta, feito inédito na ciência que reforçou as evidências de associação entre o zika e microcefalia.
Pânico nas famílias
“Era um caso inusitado, nunca tínhamos visto na literatura médica mundial tantos casos de microcefalia. Aqui em Pernambuco ficamos estarrecidos”, conta Maria Ângela. “Foi uma avalanche. Eram bebês com perímetro cefálico muito pequeno, com lesões importantes na tomografia. Isso deixou todo mundo no maior estresse por causa da gravidade e do que isso representa para a saúde pública.”
“Era um caso inusitado, nunca tínhamos visto na literatura médica mundial tantos casos de microcefalia. Aqui em Pernambuco ficamos estarrecidos”, conta Maria Ângela. “Foi uma avalanche. Eram bebês com perímetro cefálico muito pequeno, com lesões importantes na tomografia. Isso deixou todo mundo no maior estresse por causa da gravidade e do que isso representa para a saúde pública.”
Há cerca de 340 bebês com microcefalia sendo acompanhados no Huoc-UPE, que é um dos principais centros de referência na malformação em Pernambuco, ao lado do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP).
“O que eu sinto das mães é que, além de ter um bebê especial, há uma situação de todo dia ver alguém falando do assunto no jornal, na televisão. Elas ficam muito fragilizadas”, diz Vanessa. Ela conta que a situação tem provocado pânico nas famílias, que estão com medo de engravidar no momento. Só na AACD, onde a neuropediatra atua, cerca de 80 bebês com microcefalia estão sendo acompanhados.
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