sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

26/02/2016 12h49 - Atualizado em 26/02/2016 12h50

Escândalo de cirurgião 'estrela' abala instituto sueco responsável por Nobel

Documentário sueco e matéria em revista americana trouxeram à tona más práticas de médico italiano pioneiro de implante de traqueias artificiais.


O famoso Instituto Karolinska, na Suécia, sede do comitê que concede o Prêmio Nobel de Medicina, está envolvido em um escândalo.
O protagonista do caso é o médico italiano Paolo Macchiarini, que ganhou fama mundial por ter feito o primeiro implante de traqueia artificial com uso de engenharia de tecidos na história da medicina e que trabalhou no Karolinska.
Macchiarini começou a trabalhar no Instituto Karolinska em 2010  (Foto: BBC)
Macchiarini começou a trabalhar no Instituto Karolinska em 2010 (Foto: BBC)
Depois da morte de seis de seus pacientes ao longo de vários anos - que o médico diz não terem relação com os transplantes - e de várias acusações de de más práticas médicas, Macchiarini virou assunto de um documentário exibido pela televisão da Suécia.
O programa, que mostrou o sofrimento de pacientes do médico italiano, chocou a comunidade científica do país e a opinião pública do país, segundo palavras do próprio Instituto Karoslinska.
As revelações do caso criaram uma "crise de confiança" na instituição, provocaram a demissão do vice-reitor e obrigaram o Karolinska a realizar uma investigação externa e outra interna para analisar as práticas do cirurgião.
A BBC Mundo entrou em contato com Paolo Macchiarini, mas ele disse não querer falar com a mídia no momento pois está concentrado em "recolher todas as provas necessárias para a investigação aberta".
O escândalo provocou também a demissão de Urban Lendahl, secretário-geral da Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska. Ele foi demitido para proteger a reputação do prêmio.
A Assembleia do Nobel é formada por 50 professores do Instituto Karolinska nomeadas pelos funcionários da própria universidade. Mas a Assembleia é um corpo independente do instituto.
Acusações
Paolo Macchiarini realizou, em 2008, o transplante da traqueia de um homem morto para uma paciente colombiana com tuberculose em um hospital de Barcelona, na Espanha.
Este procedimento fez com que o Instituto Karolinska contratasse Macchiarini.
Em 2011, ele se transformou no primeiro médico a implantar uma traqueia artificial revestida de células-tronco do paciente, que sofria de câncer.
O procedimento deu ao médico italiano status de pioneiro no campo da medicina regenerativa, e ele passou a publicar resultados de suas pesquisas nas mais famosas revistas científicas do mundo.
Mas vários colegas do médico no Instituto Karolinska levantaram dúvidas quanto aos métodos de Macchiarini e o denunciaram em 2014 por subestimar os riscos das operações e não ter obtido a permissão adequada nem informado os pacientes sobre os procedimentos.
Quatro médicos afiliados do Hospital Universitário Karolinska, que participaram do tratamento de três pacientes de Macchiarini, compararam os resultados de um dos artigos publicados pelo médico, que descrevia a primeira operação com a traqueia sintética, com os históricos médicos dos pacientes e descobriram discrepâncias.
A revista especializada Nature questionou Macchiarini em novembro de 2014 sobre a morte de seis pacientes e o médico respondeu que nenhuma das mortes teve relação com o transplante mas com fatores externos, como consumo de bebidas alcoólicas ou um acidente.
Investigações
O escândalo atingiu o Instituto Karolinska depois da denúncia dos médicos. Um inquérito independente constatou más práticas de Macchiarini em sete artigos científicos publicados.
De acordo com o inquérito, o médico passou uma impressão falsa de sucesso em seus resultados.
Apesar disso, o Karolinska concluiu em agosto de 2015 que Macchiarini não teria cometido más práticas, acrescentando que as pessoas que conduziram o inquérito não tinham alcançado o nível necessário de qualidade.
Acusações anteriores de um investigador da Universidade de Leuven, na Bélgica, também foram analisadas pelo comitê de ética do Karolinska, que novamente absolveu o médico.
O instituto acabou prorrogando o contrato do médico, mas apenas como pesquisador.
A última cirurgia realizada por Macchiarini para o hospital Karolinska ocorreu em 2013. O médico continuou a operar na cidade russa de Krasnodar, onde tem consultório, até 2014.
Mas em janeiro de 2016 a revista Vanity Fair publicou um artigo no qual afirmava que Macchiarini tinha falsificado o próprio currículo.
Ainda em janeiro, um documentário de três partes na televisão sueca relatou a situação de sofrimento de vários pacientes operados por Macchiarini e colocou em dúvida vários aspectos de seu trabalho.
A indignação pública causada pelo documentário chegou até o Karolinska, que declarou que não confia mais no médico e anunciou que não renovaria seu contrato.
E a Nature ainda relatou que a procuradoria sueca está investigando três operações que o cirurgião realizou enquanto trabalhava no Karolinska.
'O pior'
O ganhador do prêmio Nobel de medicina sueco Arvid Carlsson pediu "medidas radicais" para este caso.
"Devido ao fato de tantas pessoas estarem envolvidas e terem atuado de forma errônea, toda a direção do instituto deveria se demitir", afirmou.
"É um escândalo sem igual. É a pior coisa que já aconteceu na história do prêmio de medicina e quase diria que em toda a história do Nobel", disse Carlsson em uma entrevista para a televisão sueca.
"Apesar de a Assembleia do Nobel ser independente do Instituto Karolinska, o caso poderia afetar a forma com que o prêmio é visto. Cada aspecto relevante do caso Macchiarini precisa ser investigado de forma rápida e determinada", afirmou o diretor da fundação do Prêmio Nobel, Lars Heikensten.

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