terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

22/2/2016 às 00h26

Zika vírus deixa mais grave a Síndrome de Guillain-Barré, que pode matar por parada respiratória

Especialista explica como a doença desenvolvida pelo zika tende a ser mais perigosa
Especialista explica como SGB (Síndrome de Guillain-Barré) pode ser mais grave se decorrente de infecção por zika vírusReprodução/Rede Record
Uma tarde tranquila e quente de maio se tornou um verdadeiro rebu quando um helicóptero pousou no hospital de emergência do SUS (Sistema Único de Saúde) de Maceió, capital alagoana. Dele, saiu, entubada e inconsciente, a primeira vítima de SGB (Síndrome de Guillain-Barré) decorrente do zika vírus no Nordeste.
A garota de 19 anos, que veio de uma cidade pequena da Bahia, foi encaminhada ao hematologista da Santa Casa de Maceió, Wellington Galvão, que mesmo com uma bagagem de 17 anos tratando doenças infecciosas, afirma com veemência que foi um dos dias mais assustadores de sua carreira médica.
— Ela estava em coma profundo. Nunca vi um caso de SGB como aquele. Foi aí que percebi que havia algo errado. E eu estava certo: era o início da epidemia de um novo vírus totalmente desconhecido e que, para piorar, provoca consequências severas à saúde.
Segundo Galvão, o principal responsável por acompanhar os casos da doença na região Nordeste, o número de pacientes com Guillain-Barré que ele atendia anualmente não passava de 15, e eram pouquíssimos os casos graves da doença. Com o surto de zika vírus, esse número mais que triplicou — assim como a intensidade com a qual a SGB passou a afetar as pessoas.
— Desde maio do ano passado até o início de fevereiro, já tratei 43 vítimas da SGB — delas, dez estavam em estado gravíssimo, já inconscientes.
O especialista disse que a relação da doença com o zika vírus existe.
— Desde maio até o atual momento, pude perceber que os casos de SGB aumentaram muito e têm aparecido com uma gravidade muito maior. É impossível não relacionar esses fatos ao zika vírus.
Quando o organismo reage contra
A Síndrome de Guillain-Barré nada mais é que uma reação de um anticorpo a um vírus. Isso porque sempre que alguém contrai alguma doença viral — seja ela uma virose ou uma gripe —, anticorpos ficam responsáveis por eliminá-la — e, ao mesmo tempo, se tornam aversivos a ela. Ou seja: sempre que aquela doença voltar a se manifestar, esse anticorpo vai reagir. 
Mas o que isso tem a ver com Guillain-Barré? Cerca de um mês depois de a infecção ter sido curada, esse anticorpo pode confundir as células do sistema nervoso com aquele vírus que deveria ser combatido, e, portanto, passar a atuar contra elas. Como consequência, a pessoa começa a perder movimentos do corpo, que são estimulados pelos neurônios.
Tratamento
Por mais assustadora que a doença pareça, Galvão afirma que os casos mais simples de SGB são tratados rapidamente e que as chances de cura são grandes. Contudo, o medicamento oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para tratar a doença — a imunoglobolina — pode ter reações adversas, muitas vezes piorando o quadro do paciente em vez de curá-lo. É por causa dessas chances de falha que o especialista opta por um tratamento diferente, chamado de plasmaférase.
— Esse procedimento não envolve remédios e não é doloroso. Nós, médicos, separamos todos os elementos do sangue do paciente por meio de um cateter [um canal cirúrgico], conseguindo, assim, identificar o anticorpo que está afetando o sistema nervoso e retirá-lo da corrente sanguínea.
De acordo com o especialista, o tempo de recuperação do paciente varia de acordo com o quadro: quanto mais grave, mais tempo de tratamento.
— Eu costumo fazer uma sessão por dia. Já tive pacientes que, em seis dias de tratamento, já obtiveram alta. Em compensação, acompanhei outros que precisaram de 18 dias para ficarem curados.
O hematologista contou que as chances de a doença voltar a se manifestar em uma mesma pessoa são pífias, mas que, normalmente, quem desenvolve a forma mais grave de SGB precisa passar por sessões de fisioterapia após o tratamento, para que consigam recuperar todos os movimentos do corpo sem deixar sequelas.
No entanto, se a doença não for detectada rapidamente, as chances de morte são grandes. Por isso, o especialista recomenda que, ao começar a sentir sintomas diferentes na musculatura do corpo, procure um médico imediatamente.
Imunidade alta e a prevenção contra a SGB
Por que algumas pessoas que pegaram zika desenvolveram a síndrome e outras, não? Por mais que tendamos a culpar a sorte, o hematologista disse que não é uma escolha aleatória, mas sim relacionada à imunidade de cada um.
— Quanto mais forte estiver o sistema imunológico de alguém — o que chamamos de imunidade alta —, menores são as chances de desenvolver a SGB mesmo contraindo zika vírus. A idade também não interfere: atendi desde crianças de oito anos até idosos de 80.
De acordo com Galvão, a única diferença é que as crianças reagem mais rapidamente ao tratamento, por terem células mais jovens e uma musculatura pouco gasta.
E o zika não para...
Além de o zika vírus estar atrelado à Síndrome de Guillain-Barré e à microcefalia — má-formação no cérebro de bebês — há a suspeita de que ele também provoca uma terceira doença, antes considerada muito rara, mas mais intensa e mais grave que a SGB: a mielite transversa.
O especialista ainda explicou que também houve um aumento nos casos dessa doença em Alagoas, que é um tipo gravíssimo de paralisia na medula espinhal. Há suspeitas de que a mielite transversa também possa ser uma consequência do zika vírus, mas os estudos sobre essa relação ainda estão começando.
— Se for confirmado que o zika também pode desenvolver mielite, teremos a certeza de um vírus cada vez mais poderoso. Diferentemente da SGB, os tratamentos aplicados em pacientes com mielite transversa nem sempre são bem-sucedidos: a doença pode deixar sequelas pelo resto da vida. 

Nenhum comentário :

Postar um comentário