sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

FALÊNCIA DO PÂNCREAS
Drauzio – Como você explica o aparecimento de diabetes tipo I em crianças?
Marcello Bronstein – O diabetes tipo I, muito mais frequente em crianças, decorre de uma falência total do pâncreas, que deixa de produzir insulina. Esse tipo de diabetes exige doses suplementares de insulina pelo resto da vida para que a pessoa possa levar vida saudável.
Atualmente, admite-se que a destruição do pâncreas resulta de uma inflamação autoimune. É como se o organismo não reconhecesse mais esse órgão e passasse a atacá-lo como a um corpo estranho. Parece que isso tem implicação com algumas viroses. No entanto, não basta contrair a virose. É preciso haver uma predisposição genética do indivíduo, pois só a interação dessa tendência com o vírus leva à destruição do pâncreas.
FAIXA ETÁRIA DE RISCO
Drauzio – Até que idade esse tipo de diabetes costuma desenvolver-se?
Marcello Bronstein – Em geral, o tipo I pode ocorrer desde o nascimento (há casos de crianças muito pequenas) até cerca dos 20 anos de idade. O tipo II, ou seja, o tipo de diabetes que usualmente não precisa de insulina, porque o problema não é a falta desse hormônio, mas sua deficiência parcial ou a resistência à sua ação, costuma acometer pessoas com mais de 40 anos.
Drauzio – Como se explica, então, a maior incidência de diabetes tipo II em crianças?
Marcello Bronstein – No momento, verifica-se um fenômeno muito sério. Ao contrário do que acontecia antes, crianças e adolescentes, sem distinção de classe social, passaram a apresentar diabetes do tipo II, isto é, o que não necessita de insulina. Apenas 10% de todos os casos nessa faixa etária correspondem ao tipo I.
A explicação para o crescimento do diabetes tipo II nessa faixa de idade está, sem dúvida, na obesidade, principalmente na obesidade abdominal, ambas a causa mais importante da resistência à ação da insulina. Quando se fala em obesidade abdominal, referimo-nos não só à gordura localizada no tecido subcutâneo (debaixo da pele), responsável pela barriga saliente, mas principalmente à gordura que envolve as vísceras, a chamada gordura visceral.
OBESIDADE INFANTIL
Drauzio – O Índice de Massa Corpórea está aumentando nas crianças?
Marcello Bronstein – Esse índice está aumentando nas crianças. Os números de referência são um pouco menores, mas não existe uma padronização absoluta. De qualquer forma, um IMC igual a 24 já é alto demais na infância.
Drauzio – A que você atribui esse aumento de massa corpórea nas crianças?
Marcello Bronstein – Sem dúvida nenhuma, esse aumento resulta dos maus hábitos alimentares e do sedentarismo. É a síndrome da comida junk-food. A criança moderna alimenta-se basicamente com sanduíches, excesso de carboidratos e de gorduras e não se exercita. Fica diante da televisão por horas, usando o controle remoto e comendo sem prestar atenção no que come tão entretida está com a programação.
Esse fenômeno universal é mais evidente nos Estados Unidos, onde o problema da obesidade, inclusive a infanto-juvenil, é grave. Lá o porcentual de obesos mórbidos ou de terceiro grau está se transformando num caso de saúde pública. No Brasil, ele começa a manifestar-se e a causar preocupação.
Drauzio – Qual o papel dos pais na prevenção do diabetes?
Marcello Bronstein – Pais, educadores, todos podem e devem ter papel ativo na prevenção do diabetes tipo II, já que a maior incidência dessa doença em crianças e adolescentes advém, sem dúvida, do aumento dos casos de obesidade nessa faixa de idade.
HEREDITARIEDADE
rauzio – O diabetes é uma doença hereditária?
Marcello Bronstein – O componente hereditário no diabetes tipo I e no tipo II difere bastante. A força da hereditariedade é mais flagrante no diabético tipo II. Sempre existe um parente bem próximo ou, às vezes, mais distante que apresentou a doença. Há alguns subtipos ou subgrupos típicos do tipo II em que o fator hereditário é matemático, um traço dominante. Basta que um dos pais tenha diabetes, para que a doença se manifeste em todos os filhos independentemente da idade que tenham.
No tipo I, a situação é outra. Sabemos, hoje, que se trata de uma doença autoimune, isto é, em que de repente o organismo age como se o pâncreas fosse um corpo estranho e passa a destruí-lo. Em muitos casos, uma infecção por vírus pode desencadear o processo, que só ocorre quando há interação do agente externo com algumas características do sistema imunológico do indivíduo. Essa agressão autoimune provoca a deposição de linfócitos no pâncreas que, aos poucos, perde sua função e deixa de fabricar insulina. Nesse caso, a hereditariedade entra como um fator indireto e bastante complexo do diabetes.
SINTOMAS NA INFÂNCIA
Drauzio – Quais os principais sintomas do diabetes na criança? Os pais devem estar atentos a que manifestações? 
Marcello Bronstein – De modo geral, na forma branda, pode não existir sintoma nenhum e essa é a razão de muita gente não saber que é portadora da enfermidade.
A criança, normalmente, apresenta diabetes tipo I, uma forma grave da doença com ausência total ou quase total de insulina. Por causa disso, de uma hora para outra, ela passa a urinar muito, a beber muita água, sente-se mal, tem turvação visual e emagrece rapidamente. Percebendo tais sintomas, os pais devem encaminhá-la a um médico sem demora.
O tipo II é uma doença mais insidiosa, mais lenta e é comum a pessoa demorar a perceber que está urinando ou bebendo água demais. Por isso, qualquer alteração na frequência das micções ou no aumento da sede deve servir de alerta, pois a doença pode ter-se instalado.
DOCE TENTAÇÃO
Drauzio – Como os pais devem orientar os filhos desde pequenos para fugir da tentação que representa o açúcar na vida das crianças?
Marcello Bronstein – O açúcar é uma tentação na vida das crianças e de muitos adultos também. Os pais precisam usar de bom senso. De nada adianta serem repressivos ao extremo, porque a criança vive numa sociedade em que o consumo de açúcar é liberado. Dá para imaginar uma festinha infantil sem doces nem refrigerantes?
O importante, então, é ensiná-las, como rotina, que a alimentação deve ser balanceada, fazendo-a entender que açúcar é um complemento, quase um prêmio a ser dado depois de uma refeição saudável. Se comerem carnes, verduras e frutas, poderão saborear um chocolate depois. Proibir totalmente pode instigá-las a contrariar as ordens ou a comer muito mais do que deveriam quando tiverem oportunidade.
A criança deve habituar-se também a preferir água ou sucos a refrigerantes que não têm valor nutritivo e aumentam a sobrecarga de açúcar no organismo.
Drauzio – No caso de a família reparar que a criança está enfraquecendo, urinando muito e bebendo muita água, o que deve fazer?
Marcello Bronstein – A primeira triagem pode ser feita em casa mesmo. O mais simples é comprar na farmácia uma fitinha que mede o nível de açúcar, molhá-la na urina da criança e compará-la com o padrão estampado na caixinha do produto. Se o resultado for positivo, os pais devem procurar imediatamente o pediatra que os encaminhará a um endocrinologista. Mesmo que o resultado seja negativo, se a criança estiver urinando muito e bebendo muita água, é preciso procurar logo um médico que orientará o diagnóstico. Há uma doença rara, o diabetes insipidus, que demanda tratamento absolutamente específico. Trata-se de um problema da região da hipófise que, apesar do nome, nada tem a ver com a forma clássica da doença.
Drauzio – Que futuro aguarda essas crianças que desenvolveram diabetes tão precocemente?
Marcello Bronstein – Eu diria que atualmente essas crianças têm um futuro bastante promissor. Até 1920, no entanto, crianças diabéticas não teriam sobrevida prolongada porque sem insulina não se vive. Em geral, eram subnutridas, pois comiam pouquíssimo e nada se podia fazer além de indicar-lhes dieta com restrição de açúcar e reposição de líquidos o que pouco resolvia porque era como tentar encher um tanque com o ralo aberto. Essas crianças são dependentes de insulina, hormônio que só foi sintetizado por volta de 1924/1925, por dois canadenses, Breitner e Best.
Descoberta a insulina, essas crianças insulino-dependentes puderam ser salvas, mas com qualidade de vida prejudicada, uma vez que a insulina tinha ação demasiado rápida e precisava ser aplicada várias vezes ao dia. Tempos depois, desenvolveram-se drogas com ação mais prolongada que podiam ser combinadas com as de ação mais rápida para compensar a elevação do açúcar nas refeições. Apesar de todos esses avanços, o controle do diabetes não era perfeito e apareciam as complicações que já foram enumeradas.
O que acontece hoje? Em primeiro lugar, existe uma insulina de ação muito lenta que pode ser ministrada numa única dose à noite ou eventualmente em duas doses diárias. Existem, também, insulinas de ação rápida que atuam imediatamente e cobrem o período alimentar e está sendo desenvolvida uma insulina inalável que, absorvida pelos alvéolos pulmonares, facilitará a vida de crianças e adultos diabéticos dependentes desse hormônio. Acredita-se que seu uso possibilitará reduzir ao mínimo as doses injetáveis, substituindo-as por várias inalações diárias. Embora ainda não esteja disponível no mercado, a insulina inalável está em fase de franca experimentação.
Infelizmente, ainda não se conseguiu desenvolver uma insulina que pudesse ser ministrada por via oral. Por ser uma proteína, ela é degradada pelos sucos digestivos e perde a eficácia.
Resta o recurso dos transplantes de pâncreas. Normalmente, ele é indicado para os diabéticos que desenvolveram insuficiência renal e precisam ter simultaneamente rins e pâncreas transplantados. Há uma casuística bastante animadora de transplante conjunto de pâncreas e rins no Hospital das Clínicas e na Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Outra possibilidade de tratamento bastante promissora está em estudo: o transplante de ilhotas de Langerhans, nome do pesquisador que as descreveu.
O pâncreas é um órgão de múltiplas funções. A produção de insulina é apenas uma delas e se realiza em células localizadas nessas ilhotas que seriam retiradas do pâncreas e injetadas numa veia que as conduziria diretamente ao fígado, glândula que passaria a desempenhar as funções do pâncreas.
Drauzio – Como convencer uma criança com diabetes tipo I a ir a uma festa e não comer brigadeiros nem tomar refrigerantes?
Marcello Bronstein – As crianças diabéticas não devem ser privadas desses pequenos prazeres, nem tratadas como exceção. Os pais podem aprender como lidar com a insulina e a adequar as doses para os dias de dieta excepcional.
Drauzio – Em se tratando de crianças, essa advertência implica um controle mais rígido, porque a criança desrespeita mais facilmente os limites? 
Marcello Bronstein – É preciso estar atento para evitar o risco da hipoglicemia, isto é, a queda do açúcar. Hoje, sabemos que quanto mais rígido o controle do diabetes, maior a prevenção de suas complicações. Por outro lado, quanto maior o controle, maior a possibilidade de baixar demais a glicose e a hipoglicemia pode ter consequências graves. A criança, ou mesmo o adulto, que apresente uma queda brusca de açúcar, pode perder a consciência.
Por isso, todo diabético, principalmente o do tipo I, precisa determinar diariamente a dosagem de açúcar no sangue. Por meio da glicemia digital, ele terá uma ideia da adequação do tratamento e, orientado por seu médico, poderá fazer correções para aumentar ou diminuir a insulina ou mudar de alimentação.
É óbvio que furar a ponta do dedo, principalmente para uma criança, não deixa de ser traumático. No entanto, as agulhinhas usadas estão cada vez mais finas e a aplicação menos dolorosa. Nos Estados Unidos, foi desenvolvido recentemente um aparelho que, em vez de medir a glicemia na gotinha de sangue extraída da ponta do dedo, usa o braço ou o antebraço para medi-la e é indolor. Isso para não mencionar os leitores de açúcar através da pele que utilizam infravermelho e, sem lesão alguma, permitem ler o nível de glicose no sangue.
Esses avanços vão facilitar o controle da taxa de glicose, mantendo-a praticamente normal na circulação o que ajudará a evitar problemas futuros.
Drauzio – Crianças e adolescentes diabéticos que seguem à risca o tratamento têm condições de levar uma vida normal?
Marcello Bronstein – Têm condições de levar uma vida absolutamente normal. Basta que se conscientizem de que, além de escovar os dentes, tomar banho, trocar de roupas, sua rotina diária inclui medir a glicemia e tomar insulina na dosagem adequada. Muitos fazem esporte e aprendem a manipular a dose em função das atividades previstas para aquele dia. Por outro lado, mesmo diante de imprevistos, a existência de insulinas de ação ultrarrápida permite que a dosagem seja calculada de acordo com a necessidade de cada ocasião.
Drauzio – Haverá possibilidade de crianças diabéticas desde pequenas levarem vida normal, sem as complicações que a doença costuma acarretar?
Marcello Bronstein – As investigações efetuadas nos Estados Unidos e que terminaram em 1993, deixam claro que quanto mais rígido o controle do diabetes, menor a possibilidade de complicações. É consenso internacional de que pacientes com controle rigoroso sobre a doença terão menos complicações e apresentarão qualidade de vida e longevidade igual ou superior às da população em geral.
Drauzio – Como reagem essas crianças e adolescentes quando são informados que têm diabetes?
Marcello Bronstein – Quando o diagnóstico é feito, a fase inicial pode ser muito difícil, especialmente para os pais, porque mexe com a estrutura e a dinâmica familiar. De repente, é preciso repensar atividades, alimentação e horários de toda a família para adequá-los à rotina dos medicamentos indispensáveis para o controle da doença. Nessa fase, o endocrinologista deve desdobrar-se para atender as necessidades dos pacientes e da família.
Fonte: http://drauziovarella.com.br/crianca-2/diabetes-2/


14/11/2011 - 14:04
 

Dia Mundial do Diabetes

Crianças também são vítimas do diabetes tipo 2

Má alimentação e hábitos sedentários estão relacionados ao aparecimento da doença. Se não houver controle, poderão surgir consequências no futuro 

Crescimento do diabetes tipo 2 em crianças e adolescentes está ligado aos altos índices de obesidade e sedentarismo (ThinkStock/VEJA)

É crescente o número de crianças que convivem com diabetes tipo 2. Há 50 anos, 3% de todos os casos de diabetes tipo 2 ocorriam em crianças e adolescentes. Atualmente, os mais novos correspondem a 30 em cada 100 casos registrados, segundo dados da American Diabetes Association. Outro estudo, do periódico científico Pediatrics, mostra que a incidência da doença ultrapassa 45% no grupo de adolescentes.
O aumento da doença cresce junto com os índices de obesidade do país. No Brasil, o número de crianças pequenas acima do peso é cada vez maior: dados do IBGE já mostraram que, em meninos e meninas entre 5 e 9 anos, as taxas de obesidade cresceram cerca de quatro vezes em um período de dez anos, de 4,1% a 16,6% e de 2,4% para 11,8%, respectivamente. Por isso, crianças estão apresentando doenças antes quase que exclusivas a adultos, como a síndrome metabólica, convivendo com hipertensão, colesterol alto e diabetes desde cedo.
É preciso controlar a doença desde cedo. Camila Torreglosa, nutricionista do Hcor, explica que é preciso ter moderação. "É importante explicar para a crianças que nada está proibido. Os pais, porém, não podem deixá-las ultrapassar os limites", diz. Para facilitar o controle, Torreglosa sugere que os pais estimulem a alimentação a cada três horas; tenham sempre disponíveis alimentos práticos para os intervalos das refeições; e que preparem os lanches para serem consumidos na escola.
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/criancas-tambem-sao-vitimas-do-diabetes-tipo-2

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