Crescimento constante: Taxa de suicídio entre jovens sobe 10% desde 2002
Dados do Mapa da Violência 2017 obtidos com exclusividade pela BBC Brasil mostram 2.928 casos somente em 2014.
De assunto mantido entre quatro paredes a tema de série na internet, o
suicídio de jovens cresce de modo lento, mas constante no Brasil: dados
ainda inéditos mostram que, em 12 anos, a taxa de suicídios na população
de 15 a 29 anos subiu de 5,1 por 100 mil habitantes em 2002 para 5,6 em
2014 - um aumento de quase 10%.
Os números obtidos com exclusividade pela BBC Brasil são do Mapa da
Violência 2017, estudo publicado anualmente a partir de dados oficiais
do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
Um olhar atento diante de uma série histórica mais longa de dados
permite ver que o fenômeno não é recente nem isolado sobre o que
acontece com a população brasileira. Em 1980, a taxa de suicídios na
faixa etária de 15 a 29 anos era de 4,4 por 100 mil habitantes; chegou a
4,1 em 1990 e a 4,5 em 2000. Assim, entre 1980 a 2014, houve um
crescimento de 27,2%.
Criador do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz
destaca que o suicídio também cresce no conjunto da população
brasileira. A taxa aumentou 60% desde 1980.
Em números absolutos, foram 2.898 suicídios de jovens de 15 a 29 anos
em 2014, um dado que costuma desaparecer diante da estatística dos
homicídios na mesma faixa etária, cerca de 30 mil.
"É como se os suicídios se tornassem invisíveis, por serem um tabu
sobre o qual mantemos silêncio. Os homicídios são uma epidemia. Mas os
suicídios também merecem atenção porque alertam para um sofrimento
imenso, que faz o jovem tirar a própria vida", alerta Waiselfisz,
coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
O sociólogo aponta Estados do Centro-Oeste e Norte em que a taxa de
suicídio de jovens é maior, num fenômeno que os especialistas costumam
associar aos suicídios entre indígenas: Mato Grosso do Sul (13,6) e
Amazonas (11,9).
Na faixa etária de 15 a 29 anos, a taxa de suicídio tem se mantido
sempre um pouco acima da verificada na população brasileira como um
todo, segundo a publicação "Os Jovens do Brasil", lançada por Waiselfisz
em 2014, com um capítulo sobre o tema.
Segundo a publicação, o Brasil ainda apresenta taxas de suicídio
relativamente baixas na comparação internacional feita com base em dados
compilados pela ONU.
Em países como Coreia do Sul e Lituânia, a taxa no conjunto da
população supera 30 por 100 mil habitantes; entre jovens, supera 25 por
100 mil habitantes na Rússia, na Bielorússia e no Cazaquistão.
Em números absolutos, porém, o Brasil de dimensões continentais ganha
visibilidade nos relatórios: é o oitavo país com maior número de
suicídios no mundo, segundo ranking divulgado pela OMS (Organização
Mundial da Saúde) em 2014.
Depressão, drogas, abusos e bullying
O suicídio na juventude intriga médicos, pais e professores também pelo
paradoxo que representa: o sofrimento num período da vida associado a
descobertas, alegrias e amizades, não a tristezas e morte.
O tema foi debatido na quinta-feira (20) numa roda de conversa
organizada pelo Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (Casaf), do curso
de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com a
presença de estudantes e professores.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o problema é normalmente
associado a fatores como depressão, abuso de drogas e álcool, além das
chamadas questões interpessoais - violência sexual, abusos, violência
doméstica e bullying.
A cientista política Dayse Miranda, coordenadora do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Suicídio e Prevenção da UERJ, participou do debate e
destacou os relatos dos estudantes.
"Fiquei impressionada como os alunos falaram de sofrimento, seja deles,
seja a dificuldade para lidar com o sofrimento de outros jovens, além
do uso excessivo de medicamentos, que eles naturalizam", afirma.
"Um deles disse considerar impossível um aluno passar pelo terceiro ano
de Medicina sem usar remédios para ansiedade e depressão."
A coordenadora-geral do centro acadêmico de Medicina, Elisabeth Amanda
Gomes Soares, de 22 anos, aluna do sexto período, diz que a intenção ao
promover o evento foi debater a saúde mental do estudante.
Segundo ela, o aluno de Medicina muitas vezes acaba se distanciando das
questões mais humanas e esquece a vida social e familiar para se
dedicar ao curso, sucumbindo às pressões.
"É muita cobrança por competitividade, nota, sucesso, presença... Temos
de discutir isso dentro do curso, é um tema ainda pouco falado",
afirma.
Dayse Miranda destaca, entre os jovens que cometem suicídio, o grupo
que tem de 15 a 24 anos. "É um período que inclui adolescência,
problemas amorosos, entrada na faculdade, pressão social pelo sucesso...
Depois dos 25 anos, já é um jovem adulto, as preocupações mudam, já são
mais relacionadas a emprego", avalia.
"Também alerto não ser possível falar do jovem como um grupo único. Há
diferenças entre grupos sociais.
O aluno de Medicina é parte de uma
elite. Como é em outros grupos? Temos de discutir esse tema seriamente,
pois o problema vem crescendo."
Ambiente escolar
Psiquiatra da infância e da adolescência e pesquisador da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), Carlos Estelita estuda a interface entre o
suicídio e outros fenômenos violentos - desde famílias que vivem em
comunidades urbanas tomadas por tiroteios e vivem o estresse diário dos
confrontos até jovens indígenas que se sentem rejeitados tanto por suas
tribos como por grupos brancos.
O bullying no ambiente escolar é citado por ele como um dos principais
elementos associados ao suicídio.
"Pessoas que seguem qualquer padrão
considerado pela maioria da sociedade como desviante, seja o tênis
diferente, a cor da pele, o peso, o cabelo ou a orientação de gênero,
são hostilizadas continuamente e entram em sofrimento psíquico", afirma
Estelita, professor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e
Tecnológica em Saúde, ligado à Fiocruz.
"Temos de alertar também para a transformação do modelo tradicional de
família e para o fato de que a escola nem sempre consegue incluir esse
jovem."
Outra dificuldade é falar do assunto com jovens. Muitas vezes,
estratégias que funcionam com adultos não têm o mesmo resultado quando
usadas com adolescentes - e, entre as peculiaridades desse grupo, está a
forma como usa a internet e as redes sociais.
A rede vem sendo palco para grupos que não só romantizam o suicídio,
mas exortam jovens a cometê-lo, usando a falsa ideia do desafio. O
psiquiatra sublinha a necessidade de uma política nacional de
atendimento a urgências, pois, muitas vezes, os profissionais não sabem
como lidar com casos de tentativas de suicídio.
A psicóloga Mariana Bteshe, professora da Uerj, diz que os pais devem
estar atentos a qualquer mudança brusca no comportamento do jovem, como,
por exemplo, um adolescente expansivo que, de repente, fica
introspectivo, agressivo, tem insônia, dorme demais ou passa muito tempo
no quarto.
Mais uma vez, o alerta especial vai para o uso da internet, e Bteshe
lista, na contramão do jogo que incentivaria o suicídio, iniciativas que
tentam combater a depressão e lançam desafios "do bem", como o jogo da
Baleia Rosa.
"Muitas vezes o jovem fica muito tempo na internet, e os pais não sabem
o que ele anda vendo ou com quem anda falando. É preciso que a família,
mantendo a privacidade do jovem, busque uma forma de contato com ele e
abra um espaço de diálogo", afirma a psicóloga, que defendeu na Fiocruz
uma tese de doutorado sobre suicídio.
Bteshe reitera que silenciar sobre suicídio não ajuda a combater o
problema. Este é um dos tabus associados ao tema, o chamado "Efeito
Werther" - a ideia de que falar de suicídio pode inspirar ondas de casos
por imitação.
O nome vem do protagonista do livro "Os sofrimentos do jovem Werther",
de Goethe, publicado em 1774, sobre um rapaz que se suicida após um
fracasso amoroso e cujo exemplo teria provocado outros suicídios de
jovens.
Atualmente, diz a psicóloga, a diretriz da OMS é abordar o tema sem
glamour, sem divulgar métodos e sem apontar o suicídio como solução para
os problemas - agindo sem preconceito e oferecendo ajuda a quem
precisa.
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