terça-feira, 11 de abril de 2017

Terça-feira, 11/04/2017, às 06:00,

‘Cartas na Mesa’: o jogo para discutir as últimas vontades

A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) deu um passo ousado na abordagem de um tema que ainda é tabu para a maioria: como discutir quais são as vontades do paciente no final de sua vida? No caso de uma doença crônica grave, a progressão da enfermidade pode levar o doente a um estado em que não poderá mais ser consultado. Também não se pode ignorar o risco de um acidente vascular encefálico que, de uma hora para a outra, restrinja a capacidade do indivíduo. 

Fundamental ter uma coisa em mente: só será possível respeitar qualquer vontade se houver disposição para tocar nesta tecla tão sensível. O jogo “Cartas na Mesa”, composto de um baralho com 36 cartas, pretende justamente facilitar a conversa sobre que desejos a pessoa gostaria de ver atendidos. Para o médico José Elias Soares Pinheiro, presidente da SBGG, caberá aos geriatras levantar a questão nos consultórios e trabalhar para dar mais transparência ao debate. “O ideal é que o médico comece a tratar do assunto numa consulta de rotina. Afinal, trata-se de um processo para garantir que o paciente possa ser dono de suas próprias decisões até o fim da vida”, argumenta.

Há duas maneiras de jogar: sozinho ou em dupla. No jogo individual, o primeiro passo é ler as 36 cartas que expressam desejos. Há frases de todo tipo: “Quero conversar sobre doação de órgãos”; “Quero minha família e meus amigos perto de mim”; “Quero a companhia dos meus animais de estimação”; “Quero conversar sobre minhas necessidades espirituais”; “Quero ser visto apenas pelas pessoas que eu escolher”; “Quero manter o senso de humor ao meu redor”. Em seguida, é preciso separá-las em três montes. No primeiro, ficam os desejos considerados muito importantes; no segundo, os que são mais ou menos relevantes; no terceiro, os que são menos importantes. Há ainda a carta “vontade especial”, caso haja uma demanda que não esteja entre os assuntos relacionados. Além de refletir sobre as escolhas, elas devem ser compartilhadas com o círculo mais próximo.

No jogo em dupla, usam-se de preferência dois baralhos: um para o paciente e o outro para seu “representante de saúde” – quem estará presente para falar em seu nome. Cada um procede da mesma forma, formando três montes. No entanto, enquanto o paciente faz suas escolhas, como no jogo individual, seu “porta-voz” tem uma tarefa mais difícil: deve tentar se colocar no lugar do paciente e separar as cartas como acha que ela faria. Em seguida, os dois discutem os consensos e as divergências. O jogo foi criado pela Coda Alliance – organização voltada para o planejamento terapêutico no fim da vida – e, em inglês, se chama “Go wish”. A SBGG traduziu e adaptou o texto da versão brasileira. Cada baralho custa 20 reais e é vendido no site da entidade.

A geriatra Claudia Burlá, especialista em medicina paliativa, afirma que a iniciativa da SBGG é uma ação de vanguarda. Ela lembra que, desde 2012, o Conselho Federal de Medicina reconhece as diretivas antecipadas de vontade, isto é, o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade: “a geriatria é uma arena excelente para esse debate, porque convive com doenças crônicas degenerativas. O jogo é para facilitar o início dessa conversa e, pela minha experiência, posso garantir que as pessoas querem falar disso. As grandes decisões da nossa vida devem ser tomadas quando estamos bem, lúcidos e felizes. É assim que garantimos nosso protagonismo e o respeito à nossa capacidade de autodeterminação”.

Está na hora de abrir o jogo.
 

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