'Tinha pesadelos e pensamentos suicidas': como depressão-pós parto afeta um em cada 25 homens
Jornalista relata seu caso e os de outros homens que passaram vários meses, ou até mesmo anos, batalhando 'calados' com condição que muitos veem como 'ridícula'.
O jornalista britânico Martin Daubney sofreu de depressão pós-parto,
uma condição bem mais comum em mulheres que tiveram filho. Segundo um
estudo neozelandês, o problema é bem mais comum do que se supunha -
afeta um em cada 25 homens que se tornaram pais - e muitos sofrem em
silêncio.
Veja abaixo o relato de Daubney sobre o seu caso e o de outros homens,
em depoimento concedido a um documentário do canal online BBC 3:
Assim
como muitas pessoas, eu fiz piada com o conceito de depressão pós-parto
para homens. Pelo menos, até o dia 29 de maio de 2009.
Foi quando o dia que deveria ter sido o mais feliz da minha vida se transformou em um pesadelo.
Por
volta das 7h daquela manhã, depois de um tortuoso trabalho de parto que
durou três dias, minha parceira, Diana, sofreu uma convulsão
assustadora.
Naquele momento horrível, eu temi que Diana pudesse morrer, levando nossa criança, que ainda não tinha nascido, com ela.
Diana
foi levada às pressas a uma sala de emergência. Por alguma razão
estúpida, eu filmei a cena. Foi um erro. Era como uma cirurgia numa zona
de guerra.
Eventualmente,
nosso menininho foi tirado, cinza e aparentemente sem vida. Ele foi
colocado num carrinho de aço onde, depois de dois minutos agonizantes,
finalmente começou a respirar.
Meu
primeiro pensamento foi: 'bom, nada disso estava em nenhum livro para
pais'. Mas meu principal sentimento nesse momento foi o de total
impotência.
Pensei
que a paternidade me transformaria num super-herói. Mas eu me senti
como um superfracasso. Achei que era tudo minha culpa.
Nos
meses que se seguiram, caí em depressão e sofri calado com os
flashbacks do nascimento do meu filho. Eu trabalhava até mais tarde
porque não queria voltar para casa. Fiquei sem fazer sexo - que via como
a causa de tudo.
Atenção devida
Diana
passou a receber visitas e aconselhamento psicológico - ela estava
lutando contra melancolia pós-parto. Enquanto ela recebia tratamento,
era como se eu não existisse. Em nenhum momento me perguntaram como
estava lidando com a situação, mesmo sendo nova para mim também.
Agora, contudo, depressão pós-parto em homens parece finalmente estar recebendo a atenção que merece.
Não
se sabe ao certo quais são as causas da depressão pós-parto em
mulheres. Muitas vezes, é visto - erradamente - como um problema
hormonal. Mas ela pode ser ativada por sentimentos de isolamento,
eventos estressantes, histórico de problemas de saúde mental ou outros
problemas não resolvidos do passado. E tudo isso pode ocorrer também com
os homens.
No
mês passado, um estudo na Nova Zelândia indicou que um em cada 25
homens apresentaram sintomas de depressão pós-natal - e um em 50 foram
afetados por depressão pré-natal.
Esses
homens foram avaliados respondendo um questionário de dez itens
conhecido como Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo (EPDS).
Normalmente aplicado em mulheres, identifica sintomas de depressão, como
sentimentos de culpa, distúrbios do sono, baixa energia e até
pensamentos suicidas.
A
autora do estudo, Lisa Underwood, afirmou: 'Não há exame de rotina para
homens depois ou antes do nascimento dos filhos. Dado o potencial da
depressão paternal em afetar direta e indiretamente as crianças, é
importante identificar e tratar os sintomas entre os pais o mais cedo
possível'.
Mark
Williams, de 42 anos, é de Bridgend, no País de Gales, e faz campanha
pró-saúde mental. Ele sofreu depressão pós-parto por seis anos depois do
nascimento do filho Ethan, em 2004.
'Eu
tive um ataque de pânico no nascimento do Ethan porque pensei que minha
mulher ia morrer', conta Williams. 'Eu tinha pesadelos, depressão e
pensamentos suicidas. Não disse à minha mulher porque não queria
sobrecarregá-la. Depois, tive um colapso nervoso', completa o galês.
A
mulher de Mark, Michelle, também sofreu de severa depressão pós-parto e
acredita que temos de mudar completamente a forma sobre a qual lidamos
com a doença.
'Mark
sofreu em silêncio por anos. Apenas quando ele teve um colapso que a
verdade veio à tona', relata. Para ela, é preciso de uma abordagem mais
holística.
Esse
é um sentimento compartilhado por Andrew Briggs, psicoterapeuta
infantil do serviço público de saúde em Sussex, na Inglaterra. Nos
últimos 30 anos, ele já tratou de cerca de 400 homens que sofriam de
depressão pós-parto.
'Há
tantos tipos de depressão pós-parto assim como há homens sofrendo
disso', diz o psicoterapeuta.
'No entanto, nos homens, é muitas vezes
visto como ridículo. Está profundamente arraigado dentro da psique
cultural que os homens devem apenas se recompor', avalia Briggs.
Por
essa razão, acredita o especialista, a prestação de cuidados ainda é
muito centrada nas mães - os homens raramente são vistos como parte
igualmente importante no quebra-cabeça familiar. 'Estamos deixando os
homens largados no tabuleiro', afirma o psicoterapeuta.
André
Tomlin, de 47 anos, é diretor de uma empresa em Bristol, na Inglaterra,
e, recentemente, superou um longo ano de depressão que veio após o
nascimento do terceiro filho.
'Minha
depressão pôs uma tensão enorme em meu relacionamento com minha esposa,
Leah, e eu realmente fui um pai menos atento por um tempo no período
mais profundo da minha doença. O apoio apropriado aos pais simplesmente
não está disponível da mesma maneira que o oferecido às mães. Mas tive
sorte de ter uma família amorosa e compreensiva ao meu redor', afirma
Tomlin.
Para
Tomlin, o que o ajudou foi a combinação de algumas coisas, entre elas
admitir que precisava ser 'resgatado', aceitar receber apoio, exercício
físico, antidepressivos, música e terapia. 'O que teria me ajudado ainda
mais seria poder compartilhar experiências com outros homens que
passaram pela mesma situação, mas essa rede de apoio simplesmente não
existe', completa Tomlin.
Novo rumo
No
meu caso, meu caminho para a cura começou a ser traçado quando
finalmente me abri para minha mulher Diana, há quatro anos. Ela me deu
um apoio maravilhoso e organizou terapia de casal para nós no serviço
público de saúde britânico - que é de graça e excelente. Houve uma
quantidade enorme de lágrimas e percebi que tive muita sorte de ter tido
uma criança.
Larguei
meu trabalho como editor de uma revista para ficar mais em casa. E
Sonny, meu filho, é um garoto de sete anos saudável e feliz.
O
quebra-cabeça final foi nossa filha, Dolly, que chegou ao mundo em 2 de
março de 2014. O nascimento dela foi tudo o que o de Sonny não foi:
rápido, natural e, segundo Diana me garante, relativamente indolor.
Diana
diz que eu deveria ter me aberto mais cedo e que viu minha admissão
como um ponto forte, não uma fraqueza. Assim, fomos capazes de melhorar
juntos.
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