segunda-feira, 10 de abril de 2017

'Tinha pesadelos e pensamentos suicidas': como depressão-pós parto afeta um em cada 25 homens

Jornalista relata seu caso e os de outros homens que passaram vários meses, ou até mesmo anos, batalhando 'calados' com condição que muitos veem como 'ridícula'.

O jornalista britânico Martin Daubney sofreu de depressão pós-parto, uma condição bem mais comum em mulheres que tiveram filho. Segundo um estudo neozelandês, o problema é bem mais comum do que se supunha - afeta um em cada 25 homens que se tornaram pais - e muitos sofrem em silêncio. 

Veja abaixo o relato de Daubney sobre o seu caso e o de outros homens, em depoimento concedido a um documentário do canal online BBC 3: 

Assim como muitas pessoas, eu fiz piada com o conceito de depressão pós-parto para homens. Pelo menos, até o dia 29 de maio de 2009.
 
Foi quando o dia que deveria ter sido o mais feliz da minha vida se transformou em um pesadelo.
Por volta das 7h daquela manhã, depois de um tortuoso trabalho de parto que durou três dias, minha parceira, Diana, sofreu uma convulsão assustadora. 
 
Naquele momento horrível, eu temi que Diana pudesse morrer, levando nossa criança, que ainda não tinha nascido, com ela. 
 
Diana foi levada às pressas a uma sala de emergência. Por alguma razão estúpida, eu filmei a cena. Foi um erro. Era como uma cirurgia numa zona de guerra.
 
Eventualmente, nosso menininho foi tirado, cinza e aparentemente sem vida. Ele foi colocado num carrinho de aço onde, depois de dois minutos agonizantes, finalmente começou a respirar.
 
Meu primeiro pensamento foi: 'bom, nada disso estava em nenhum livro para pais'. Mas meu principal sentimento nesse momento foi o de total impotência.
 
Pensei que a paternidade me transformaria num super-herói. Mas eu me senti como um superfracasso. Achei que era tudo minha culpa.
 
Nos meses que se seguiram, caí em depressão e sofri calado com os flashbacks do nascimento do meu filho. Eu trabalhava até mais tarde porque não queria voltar para casa. Fiquei sem fazer sexo - que via como a causa de tudo.

Atenção devida

Diana passou a receber visitas e aconselhamento psicológico - ela estava lutando contra melancolia pós-parto. Enquanto ela recebia tratamento, era como se eu não existisse. Em nenhum momento me perguntaram como estava lidando com a situação, mesmo sendo nova para mim também. 
 
Agora, contudo, depressão pós-parto em homens parece finalmente estar recebendo a atenção que merece. 
 
Não se sabe ao certo quais são as causas da depressão pós-parto em mulheres. Muitas vezes, é visto - erradamente - como um problema hormonal. Mas ela pode ser ativada por sentimentos de isolamento, eventos estressantes, histórico de problemas de saúde mental ou outros problemas não resolvidos do passado. E tudo isso pode ocorrer também com os homens.
 
No mês passado, um estudo na Nova Zelândia indicou que um em cada 25 homens apresentaram sintomas de depressão pós-natal - e um em 50 foram afetados por depressão pré-natal.
 
Esses homens foram avaliados respondendo um questionário de dez itens conhecido como Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo (EPDS). Normalmente aplicado em mulheres, identifica sintomas de depressão, como sentimentos de culpa, distúrbios do sono, baixa energia e até pensamentos suicidas.
 
A autora do estudo, Lisa Underwood, afirmou: 'Não há exame de rotina para homens depois ou antes do nascimento dos filhos. Dado o potencial da depressão paternal em afetar direta e indiretamente as crianças, é importante identificar e tratar os sintomas entre os pais o mais cedo possível'.

Mark Williams, de 42 anos, é de Bridgend, no País de Gales, e faz campanha pró-saúde mental. Ele sofreu depressão pós-parto por seis anos depois do nascimento do filho Ethan, em 2004. 
 
'Eu tive um ataque de pânico no nascimento do Ethan porque pensei que minha mulher ia morrer', conta Williams. 'Eu tinha pesadelos, depressão e pensamentos suicidas. Não disse à minha mulher porque não queria sobrecarregá-la. Depois, tive um colapso nervoso', completa o galês. 
 
A mulher de Mark, Michelle, também sofreu de severa depressão pós-parto e acredita que temos de mudar completamente a forma sobre a qual lidamos com a doença. 
 
'Mark sofreu em silêncio por anos. Apenas quando ele teve um colapso que a verdade veio à tona', relata. Para ela, é preciso de uma abordagem mais holística. 
 
Esse é um sentimento compartilhado por Andrew Briggs, psicoterapeuta infantil do serviço público de saúde em Sussex, na Inglaterra. Nos últimos 30 anos, ele já tratou de cerca de 400 homens que sofriam de depressão pós-parto.
 
'Há tantos tipos de depressão pós-parto assim como há homens sofrendo disso', diz o psicoterapeuta. 

'No entanto, nos homens, é muitas vezes visto como ridículo. Está profundamente arraigado dentro da psique cultural que os homens devem apenas se recompor', avalia Briggs.
 
Por essa razão, acredita o especialista, a prestação de cuidados ainda é muito centrada nas mães - os homens raramente são vistos como parte igualmente importante no quebra-cabeça familiar. 'Estamos deixando os homens largados no tabuleiro', afirma o psicoterapeuta. 

André Tomlin, de 47 anos, é diretor de uma empresa em Bristol, na Inglaterra, e, recentemente, superou um longo ano de depressão que veio após o nascimento do terceiro filho.
 
'Minha depressão pôs uma tensão enorme em meu relacionamento com minha esposa, Leah, e eu realmente fui um pai menos atento por um tempo no período mais profundo da minha doença. O apoio apropriado aos pais simplesmente não está disponível da mesma maneira que o oferecido às mães. Mas tive sorte de ter uma família amorosa e compreensiva ao meu redor', afirma Tomlin.
 
Para Tomlin, o que o ajudou foi a combinação de algumas coisas, entre elas admitir que precisava ser 'resgatado', aceitar receber apoio, exercício físico, antidepressivos, música e terapia. 'O que teria me ajudado ainda mais seria poder compartilhar experiências com outros homens que passaram pela mesma situação, mas essa rede de apoio simplesmente não existe', completa Tomlin.

Novo rumo

No meu caso, meu caminho para a cura começou a ser traçado quando finalmente me abri para minha mulher Diana, há quatro anos. Ela me deu um apoio maravilhoso e organizou terapia de casal para nós no serviço público de saúde britânico - que é de graça e excelente. Houve uma quantidade enorme de lágrimas e percebi que tive muita sorte de ter tido uma criança.
 
Larguei meu trabalho como editor de uma revista para ficar mais em casa. E Sonny, meu filho, é um garoto de sete anos saudável e feliz.
 
O quebra-cabeça final foi nossa filha, Dolly, que chegou ao mundo em 2 de março de 2014. O nascimento dela foi tudo o que o de Sonny não foi: rápido, natural e, segundo Diana me garante, relativamente indolor.
 
Diana diz que eu deveria ter me aberto mais cedo e que viu minha admissão como um ponto forte, não uma fraqueza. Assim, fomos capazes de melhorar juntos.

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