'Infartei aos 30 anos e larguei tudo para ser médico'
Mesmo sem se enquadrar em fatores de risco, João Paulo Mauler teve ataque cardíaco que mudou seu rumo profissional.
Naquela manhã de sábado, em dezembro de 2012, João Paulo Mauler acordou
com uma dor que nunca havia sentido. Relembrando o episódio que mudaria
sua vida, ele leva as mãos ao centro do peito, como a "esmagar" algo.
"Era um aperto muito forte, uma dor que foi se agravando. No hospital, o
médico do plantão queria me liberar, dizendo que era algo à toa, que
ninguém na minha idade tinha 'essas coisas'", recorda o estudante de 36
anos, de Juiz de Fora (MG).
João só fez todos os exames porque a mãe insistiu com a equipe médica,
citando o histórico de problemas cardíacos do pai do estudante.
"Saí do exame e soube o que acontecera comigo da pior forma possível.
Estava no CTI e chegou um médico com uma turma de alunos de Medicina.
Ele viu a papelada na minha cama, disse 'esse aí infartou' e saiu
andando. Fiquei desesperado."
Ou seja, João, à época com 30 anos, teve, sim, "essas coisas": um
infarto, mesmo sem se enquadrar em fatores de risco como tabagismo e
pressão alta. Três artérias estavam entupidas.
Passado o susto do diagnóstico, o estudante fez uma cirurgia para
desobstruir o coração e teve uma recuperação tranquila. Mas algo tinha
mudado.
À época do infarto, João tinha diploma de Comunicação Social e atuava em um cargo administrativo numa fundação do Estado.
"Não estava infeliz, mas também não estava realizado. Não tinha coragem
de abandonar o trabalho e nem sabia o que seguir. Mas fui sentindo um
senso de urgência e de não esperar para realizar meus sonhos e
objetivos."
'Por que não?'
Ao final do tratamento, após ter lido muito e questionado os médicos
sobre cada etapa, ele confessou à irmã: "Tenho a maior vontade de fazer
Medicina".
E ouviu: "Por que não faz?". Era o estímulo que precisava.
"Por um lado pensava que estava velho para outra graduação, mas o que
passei me dizia que devia sair da zona de conforto. Não fiquei mais
deixando a vida acontecer."
Dito e feito. Em 2013, João começou a conciliar o trabalho com o
pré-vestibular - decidiu que faria Medicina. E passou em primeiro lugar
para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
"Nunca imaginei que ficaria em primeiro. Acho que foi porque estava
mais tranquilo. Ter passado pelo infarto me tornou uma pessoa mais leve,
menos estressada", avalia ele, que deverá se formar em 2020.
Visão crítica
O estudante diz que sua experiência como paciente também pesou na decisão de ser médico.
"Fui influenciado pelos bons e maus exemplos, dos médicos imprudentes
que revelaram meu diagnóstico e fizeram 'vista grossa' (ao infarto) a
profissionais impecáveis no tratamento", afirma.
Hoje em dia, o universitário diz defender um exercício mais sensível e humano da profissão.
"Já chamei a atenção de professor que discute caso bem na frente do
paciente. Sempre digo: 'Vamos lá fora, para um canto'. Ainda há ainda
muita negligência e frieza, de tratar o paciente como uma estatística,
um boneco."
Comum ou não?
O infarto é a principal causa de mortes no Brasil, com cerca de 100 mil
óbitos por ano, segundo a base de dados do SUS (Sistema Único de
Saúde).
Em jovens, a incidência é mais comum do que se imagina, afirma Leopoldo
Piegas, cardiologista do Hospital do Coração (Hcor) de São Paulo.
Em 2014, segundo a base de dados do SUS, 2.546 pessoas de 20 a 39 anos
morreram de infarto no Brasil - 2,9% do total de mortes por essa causa.
Como principais fatores de risco, independentemente da idade, o
cardiologista do Hcor cita hipertensão, sedentarismo, histórico
familiar, estresse, uso de drogas e tabagismo.
E, de fato, afirma Piegas, o infarto em jovens adultos tende a ser mais agressivo.
"Quanto mais vive, mais a pessoa desenvolve sua circulação lateral.
Então se uma artéria de um idoso 'entope', o sangue tem outras vias por
onde circular, e o infarto tende a ser mais ameno ou nem acontecer.
Os
jovens ainda não desenvolveram este tipo de circulação, por isso os
infartos tendem a ser mais agressivos e, muitas vezes, fatais."
Quando o foco são pessoas com menos de 40 anos, há diferenças de risco entre homens e mulheres, diz o especialista.
"A mulher tem a proteção hormonal do estrogênio, que confere certa
proteção às coronárias, dificultando entupimentos. Depois da menopausa,
as chances são praticamente iguais de se enquadrar em grupos de risco."
Precisão e rapidez
Quanto mais cedo e mais preciso for o diagnóstico do infarto, maior a chance de sobrevida e recuperação, sobretudo em jovens.
No caso do analista ambiental Fabiano Augusto dos Santos, de 31 anos,
que estava no trabalho quando uma dor forte no ombro se espalhou ao
braço esquerdo, a atuação da equipe hospitalar foi fundamental.
"Uma checagem de pressão no ambulatório da empresa não deu nada. No
táxi para casa, piorei tanto que pedi para ir ao pronto-socorro.
Chegando lá nem ficava em pé. Logo um enfermeiro me socorreu e fiz
exames que apontaram obstrução", conta Fabiano, que tinha 28 anos na
ocasião e vive em Botucatu (SP).
A estudante Olivia Lauar, de 34 anos, de Belo Horizonte (MG), teve que
insistir até obter um diagnóstico correto - e o tratamento adequado.
Ela sofreu um infarto no ano passado, e procurou um hospital após
sentir cansaço extremo e dores muito intensas no braço, cabeça, pescoço e
peito.
"Já vinha sentindo tudo isso - e negligenciando - havia mais de um ano,
mas naquele dia foi muito forte. No hospital, deram-me remédio para
cefaleia. Voltei para casa e a dor ficou insuportável", afirma.
"Joguei os sintomas no Google e vi que poderia estar infartando. Voltei
ao hospital e disse que só sairia após todos os exames - e um
eletrocardiograma indicou o infarto", diz ela, que colocou um stent
coronário e hoje toma cinco remédios para controle.
Mudança de hábitos
Para Suzanne Steinbaum, cardiologista da Associação Americana do
Coração, a principal maneira de evitar um infarto, independentemente da
idade, é mudando hábitos e estilo de vida.
"Em 80% de todos os casos, mesmo com histórico familiar, é possível
evitá-lo com atividades físicas, mudanças na alimentação e controle do
estresse. Fazendo isso, mesmo os fatores de risco são controláveis",
afirma.
No caso de Olivia Lauar, largar o cigarro imediatamente foi a mudança mais significativa.
"Se pudesse voltar no tempo, nunca teria começado a fumar. Passei por
uma fase muito ruim, depressiva, tranquei a faculdade, não saía de casa,
tinha muito medo de infartar de novo. Hoje estou muito melhor", diz.
Já Fabiano Augusto se transformou ao cuidar mais da saúde mental.
"Eu era muito estressado, impaciente e preocupado. Os médicos acreditam
que isso tenha influenciado.
Hoje faço terapia e levo uma vida bem mais
leve."
Além da futura nova profissão, João Paulo Mauler levou da experiência um novo olhar sobre a vida.
"Talvez em outra época não tivesse a serenidade de saber que a vida
pode mudar do nada. Em um dia estava malhando, em outro infartei. Apesar
de isso ter me dado mais urgência em realizar as coisas, também me deu
maturidade, saber que uma prova ou um problema não são o fim do mundo. E
acho essa leveza essencial a um médico.
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