Em busca de saúde e bem-estar, adeptos da calistenia desafiam a gravidade
Exercício físico usa o peso do próprio corpo para fortalecer músculos e exige equilíbrio e concentração para realizar movimentos quase acrobáticos.
Aldo Gallo, de 51 anos, é pastor na comunidade Vida, na zona leste de
São Paulo - mas nos vídeos que publica na internet ele aparece em
situações bem diferentes daquelas que conduz em seu templo.
Em clipes ao som de música eletrônica, gravados em um parque, ele
ensina posições e movimentos que usam o peso do próprio corpo para
fortalecer a musculatura e que, junto com flexões, exercícios na barra e
abdominais, melhoram o condicionamento físico.
Essa prática conhecida como calistenia nasceu no século 19, a partir da
ginástica sueca, e se popularizou inicialmente nos Estados Unidos e na
Europa. O nome original em grego - kallistenés - significa "bela força".
Gallo conheceu a calistenia há dois anos. "Fiquei curioso ao ver um
japonês fazendo exercícios diferentes na barra. Comecei a pesquisar
sobre os movimentos e a praticá-los. Gostei tanto que hoje faço vídeos
para ajudar quem está começando", diz Gallo, que treina com seu filho de
15 anos de idade.
"É um esporte sem restrição etária, acessível a todos. Além disso,
sempre há um novo desafio a ser superado. Você nunca cai na mesmice - e
fica com o corpo bem definido."
Superação
A superação dos limites do corpo é, com frequência, apontada por
praticantes da calistenia como um dos aspectos mais atraentes da
modalidade.
Uma vez adquirido o domínio sobre um movimento básico, é possível
tentar uma série de outros novos, com graus variados de dificuldade.
Outro aspecto, diz a educadora física Samanta Zequini, é a autonomia
que proporciona - a prática não demanda aparelhos específicos, e pode
ser realizada em parques e praças.
"Muita gente está saturada das academias, do ambiente fechado e da
necessidade de contar o número de séries e repetições de exercícios, o
que pode tornar o treino chato", afirma.
Os chamados movimentos calistênicos envolvem diversas regiões
musculares, e podem desenvolver simultaneamente habilidades como
flexibilidade, força, coordenação motora, ritmo e equilíbrio.
"A calistenia tem potencial de reduzir bastante o percentual de gordura
do corpo, porque é um treino muito intenso. Adotando bons hábitos
alimentares e complementando a rotina de treinamento com exercícios
cardiovasculares, a perda de peso é consequência", aponta Zequini.
"Quem pratica calistenia não fica à mercê de horários determinados,
além de não precisar de máquinas e nem de peso. As pessoas vão para
locais abertos, parques, enfim, para a natureza."
Esse foi o apelo para Ivan Chagas, de 24 anos. Morador de Curitiba, ele diz nunca ter sido fã de academias de ginástica.
"Quando jogava bola, era obrigado a fazer academia e não gostava
daquele lugar fechado. Quando comecei a fazer calistenia, me dei conta
de quanta liberdade ela traz", diz Chagas.
'Tendência contemporânea'
Para Ary Rocco, professor da Escola de Educação Física e Esporte da
Universidade de São Paulo (USP), a calistenia associa "exercícios
simples a tendências contemporâneas de práticas corpóreas, como explorar
espaços ao ar livre".
"Isso tem popularizado muito a prática no Brasil e torna a atividade
atraente para quem quer praticar uma atividade em local agradável, a um
baixo custo e com benefícios para a saúde." Mas ele alerta para o fato
de que, como qualquer atividade física, é sempre importante ter o
acompanhamento de um profissional da área.
O aumento do número de praticantes fez até mesmo uma academia no centro
de São Paulo adotar o conceito do esporte e oferecer aulas de
calistenia indoor.
"Como ainda não temos barras instaladas, as aulas ministradas
contemplam exercícios no solo, como flexões variadas e outros que
proporcionam ganho de força e resistência", diz Saymon Lopes,
sócio-proprietário da academia.
"Aos fins de semana, reunimos os alunos num parque para testar nas barras o que eles treinaram nas aulas ao longo da semana."
Riscos
O educador físico Luis Mochizuki, professor da USP, afirma que o
esporte "não requer habilidades motoras específicas para a maioria dos
movimentos", mas afirmou que a modalidade pode trazer riscos se
praticada sem acompanhamento adequado.
"É um esporte que pode ser praticado por pessoas de idade variada,
desde crianças até idosos, com ou sem doenças, desde que sejam
supervisionados por um profissional preparado para adequar a carga,
quantidade, sequência, intensidade e duração dos exercícios para
necessidades e restrições de cada pessoa.
E os exercícios devem ser
gerenciados de acordo com as restrições de saúde de cada um."
A educadora física Samanta Zequini lembra que também é aconselhável
consultar um médico para verificar a aptidão à atividade física. "É
preciso ainda ter atenção na execução dos movimentos para que não haja
lesões, respeitar o descanso e a pausa, saber os limites do corpo e
principalmente ter consciência corporal, além de uma alimentação
adequada. Fazer aquecimento ou alongamento antes do treino de calistenia
também é importante."
Para os iniciantes, adaptar os exercícios é uma boa opção, como fazer
flexões com os joelhos dobrados e apoiados no chão, em vez de ficar com
as pernas esticadas, para facilitar a execução e evitar lesões.
Diversão
O estudante Luiz Otavio Mesquita, de 23 anos, fundou em 2013 o grupo
Calistenia Brasil, que tem hoje dez atletas e mais de 50 grupos menores
associados. Ele encara a hora de se exercitar mais como lazer do que
compromisso com o corpo e a saúde.
"Sempre me divirto tentando fazer novos movimentos. Nem percebo que
estou de fato praticando um esporte, e isso me ajuda até a tirar o foco
de problemas que possa estar enfrentando", afirma Mesquita.
Morador de Brasília, Mateus Chiarini, de 20 anos, também diz ter
aprimorado sua saúde física e mental após começar a praticar a
modalidade.
"Considero mais um estilo de vida do que um esporte. Mesmo com a agenda
apertada entre trabalho e faculdade, nunca deixo de lado, e levo o foco
que tenho nas barras para outras áreas da vida, até as relações
interpessoais."
Sua identificação com a calistenia foi tanta que ele resolveu mudar de curso na faculdade, de Geofísica para Educação Física.
Juntamente com um amigo que conheceu nos treinos e educadores físicos,
ele oferece treinos gratuitos todos os domingos. "Em dois meses, já
tínhamos 70 alunos", diz ele.
Para começar
Marco Tulio Bernardes, de 15 anos, também organiza um grupo que se
reúne todos os dias para praticar calistenia na cidade mineira de
Araguari.
"É preciso ter bastante força para executar os movimentos, mas, uma vez que você os domina, o desafio é domar a gravidade."
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