Mães de crianças com microcefalia enfrentam dificuldades para manter tratamentos
Bebês com microcefalia precisam de estimulação precoce para melhorar desenvolvimento. Falta terapeutas e informação para pais e cuidadores.
O acompanhamento médico dos bebês que nasceram com microcefalia causada
pelo vírus zika é essencial para o desenvolvimento das crianças. Quase
metade das famílias, no entanto, têm enfrentado dificuldades para
começar ou continuar o tratamento da síndrome congênita,de acordo com um
relatório divulgado pelo Ministério da Saúde.
O relatório toma como base os 2.327 bebês que seriam beneficiados pela
Estratégia de Ação Rápida para o Fortalecimento da Atenção à Saúde e
Proteção Social das Crianças com Microcefalia. De acordo com o
levantamento, quase a metade das crianças estão sem o tratamento
adequado. São 44,1% de bebês sem atendimento nos serviços essenciais
para o desenvolvimento, como terapias.
Daniel Vieira nasceu há um ano e cinco meses e, por causa dos remédios
que toma para evitar convulsões, dorme o dia quase todo. Ele é
acompanhado por neuropediatras e ortopedistas, mas não tem assistência
dos terapeutas que poderiam fazer diferença no futuro.
“Poucos profissionais trabalham com terapia ocupacional, então, as
vagas são limitadas. É complicado conseguir fisioterapia, porque há
instituições que só aceitam crianças que se desenvolverem. Caso
contrário, eles não aceitam. Eu pegava três ônibus e passava por duas
horas de viagem para chegar à fonoaudióloga que estávamos indo. É bem
complicado”, disse a dona de casa Jaqueline Vieira, mãe de Daniel.
Há cinco meses, Daniel não tem o tratamento adequado e, segundo os
médicos, isso se reflete diretamente no desenvolvimento da crianças.
Ações simples para a maioria dos bebês, como segurar a mamadeira e
brinquedos, sustentar o pescoço e interagir com outras pessoas, por
exemplo, não acontecem naturalmente para quem nasceu com microcefalia.
Por isso a necessidade dos estímulos profissionais durante as primeiras
fases da vida.
Na sede da União de Mães de Anjos, no Recife, Jaqueline se juntou a
quase 400 mães de crianças com microcefalia. A presidente do grupo,
Germana Soares, também tem um filho com as mesmas dificuldades.
“O ideal
é que, na estimulação precoce, a criança seja atendida por cada tipo de
terapeuta, três vezes por semana. Ou seja, três fisioterapeutas, três
fonos e três terapeutas ocupacionais. Hoje em dia, nossos bebês não têm
nenhum acompanhamento ou apenas um atendimento”, afirmou.
Dias antes de Guilherme nascer, Germana soube dos primeiros casos dos
bebês com microcefalia. Ela, que teve zika durante a gravidez, ficou
alerta e tentou conseguir fisioterapia quando o bebê tinha apenas vinte
dias de vida. “A estimulação precoce foi fundamental, porque ele tem o
lado esquerdo do corpo todo afetado pelo vírus e, antigamente, o braço
esquerdo dele era totalmente dormente. Ele tem 1 ano e 4 meses e a
mentalidade de uma criança de oito a nove meses, mas se desenvolve”,
disse Germana.
Na casa de Jaqueline, no entanto, o bebê Daniel não está se
desenvolvendo, e a mãe precisou parar de trabalhar para tomar conta do
filo integralmente. O caso dela é um dos muitos que a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) pretende estudar nos próximos meses.
“Queremos escutar as mulheres e as famílias. Os cuidadores. Os impactos
que um evento inusitado grave tiveram na vida dessas pessoas, no ponto
de vista social e econômico. As mulheres puderam continuar em seus
empregos? Quais foram as dificuldades que elas tiveram e continuam
tendo?”, disse Tereza Lyra, pesquisadora da Fiocruz.
A situação é ainda pior em cidades do interior, onde o que mais falta é
informação. “Quando chegamos no Sertão, nos deparamos com crianças de
um ano e dois meses que nunca passaram por um neuropediatra.
Essas
crianças convulsionavam sem parar e os pais, leigos, não sabiam que
aquilo era uma convulsão.
Muitas vezes, a carência dessas mães é de
informação”, disse Germana.
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