segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

28/12/2015 às 11h25 (Atualizado em 28/12/2015 às 12h10)

‘A coluna dele não tinha fechado’: Mãe relata busca por tratamento em recém-nascido, no Brasil e no exterior

Aos dois anos, Pedro é portador de síndrome que deixa espinha, medula e nervos expostos
"Não nos conformamos", diz a mãe do menino Pedro GabrielArquivo Pessoal
Dois anos atrás, a dona de casa Nadja Kelly Cavalcanti, de Natal (RN), entrou em desespero. Seu segundo filho, Pedro Gabriel, nasceu com uma má-formação da coluna vertebral e deficiência nas pernas.
"Os médicos diziam que ele não ia sentar, nem andar, que ia usar fralda e sonda o resto da vida. Mas não nos conformamos", disse à BBC Brasil.
A doença, chamada mielomeningocele, também conhecida como espinha bífida aberta, é uma má-formação congênita da coluna vertebral da criança que deixa expostas as meninges (membranas da espinha), a medula óssea e as raízes nervosas.
O diagnóstico assustou a família, mas também despertou uma busca incessante por uma cura, dentro e fora do Brasil. Kelly recorreu a um tratamento com células-tronco na Tailândia, onde ela e o menino passaram praticamente todo o mês de setembro.
O tratamento não existe no Brasil e médicos disseram a Kelly que ele ainda não seria cientificamente provado.
"A mielomeningocele é uma doença com múltiplas variáveis. Às vezes, a criança nasce, por exemplo, sem o nervo que vai para a perna ou para o pé, então a célula-tronco não adianta. Ela não vai conseguir formar o nervo e o paciente não vai ter melhora", diz à BBC Brasil Sérgio Cavalheiro, professor titular de neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina.
Ele não acompanhou o caso de Pedro, mas afirma que há dúvidas sobre a eficácia e possíveis riscos desse tipo tratamento. Ressalta, ainda, que o tratamento neurológico com essas células está disponível na Tailândia, na Coreia e na China, mas ainda é visto como experimental no resto do mundo e "de maneira nenhuma pode ser apontado como solução para todos os casos".
"Dependendo do nível da lesão, a ortopedia pode corrigir as luxações e o bebê melhorar independente de células-tronco", diz.
No caso de Kelly, o saldo do tratamento tailandês tem sido positivo. "Agora, Pedro já mexe uma das pernas."
"E a minha esperança é, em seis meses, vê-lo de pé, dando os primeiros passos", diz, enquanto Pedro grita papai e mamãe, deslizando em rápidos movimentos pela sala de casa.
Segundo a mãe, ele foi o primeiro brasileiro portador da doença a buscar o tratamento na Tailândia.
Em depoimento à BBC Brasil, a mãe narra a trajetória repleta de prognósticos negativos, mas também de solidariedade e fé em avanços do filho, que em novembro completou dois anos de idade.
"Foi um desespero. Descobrimos a doença de Pedrinho durante a gravidez. A ultrassonografia em 3D não mostrou nada anormal na cabeça. Mas, quando a médica avaliou a coluna, foi choro de desespero, de tristeza, de (não saber) como ia ser.
A médica encontrou o que seria uma meningocele, um tipo menos grave de mielomeningocele. A coluna dele não tinha fechado.
A doença foi uma surpresa. Dizem que foi falta de ácido fólico, mas eu nem sabia que isso existia e minha primeira filha havia vindo perfeita.
Só com o nascimento dele vimos a gravidade do caso. Ele veio com um cisto estourado nas costas, com a coluna aberta, com as meninges, a medula óssea e as raízes nervosas expostas. Ele também tinha a perna esquerda ao contrário, em direção à cabeça. E o pezinho direito torto.
Pedro nasceu às 16h55 e foi operado dez horas depois. Foi uma reparação para colocar o que estava exposto para dentro e costurar.
Quando o médico entrou na sala de cirurgia disse que não era certeza que o meu bebê voltaria. Mas eu tenho uma fé enorme. E a cirurgia foi um sucesso.
Foi um choque quando vi meu filho, literalmente torto, na UTI. Depois de alguns dias pude segurá-lo. Mas tive medo, porque a perninha esquerda era para o lado, a perna direita estava enfaixada e a coluna costurada.
Era ele, Pedro, quem nos dava força. Eu chegava chorando e ele só sorria. Era como se dissesse: 'está tudo bem'. Foi um aprendizado para a vida.
Não tivemos, de início, explicações sobre os efeitos da doença.
Pedro Gabriel teve que usar sonda para retirar resíduos de xixi, e ele também não consegue expulsar o cocô - nós é que retiramos.
A sonda é uma dor na alma da mãe. De quatro em quatro horas ter que passar uma mangueirinha no pintinho do seu filho.
Buscas
Enquanto o bebê dormia eu procurava uma solução para ele.
Foi na internet que vi as células-tronco como esperança. Liguei para universidades e hospitais de vários Estados. Mas em um deles me explicaram que esse tipo de tratamento ainda estava em estudos no Brasil.
Aí comecei a pesquisar fora do país e descobri a Tailândia.
Pesquisei sobre o hospital que faz o tratamento, o Better Being Hospital, e encontrei um representante no Brasil. Falamos pelo Facebook e começamos a conversar.
De início, eu e meu marido ficamos com receio. É que a gente vê tanta desgraça por aí. Mas fui buscar informações e famílias que já tinham feito tratamento. Uma mãe no Rio Grande do Sul me mandava vídeos e áudios mostrando como o bebê dela - que tinha paralisia cerebral - vinha melhorando.
Me encorajou a ir, a fazer a campanha. Aí eu fiz o cadastro e esperei retorno. Tive que enviar ressonância e ultrassom, para estudarem se as células-tronco poderiam dar resultado. Eles aceitaram o caso. Viram chance de melhorias.
Campanha
Fizemos então a campanha para levantar recursos. A viagem custou R$ 150 mil, incluindo passagens, alimentação, estada e tratamento. Só o tratamento foi R$ 100 mil. Muita gente ajudou.
Fizemos uma página no Facebook. Fomos atrás de TVs, jornais. O América (time local de futebol) nos apoiou. Fomos a eventos. Fizemos feijoada beneficente, bazar. Foram seis meses intensos. Terminamos a campanha em vaquejadas (eventos recreativos) e vimos o amor com que vaqueiros se reuniram e custearam o que estava faltando.
Quando começou a campanha fui aos médicos de Pedro saber o que achavam. A maioria disse que (o tratamento) não era cientificamente comprovado, que não tinha no Brasil.
Disse para cuidarmos da parte motora dele, da parte dos ossos, que quando o tratamento chegasse ao Brasil poderíamos procurar.
Mas nossa opinião estava formada. Queríamos tentar porque 1% de melhoria já seria válido. Vimos que Laís Souza (ex-ginasta que perdeu movimentos após sofrer um acidente) fez tratamento nos Estados Unidos e tem evoluído. Fizemos contato com o hospital onde ela estava, mas não tivemos retorno como tivemos da Tailândia.
Eu e Pedro embarcamos para Bangcoc (capital do país e sede do hospital), em 2 de setembro, com outras famílias e um tradutor. Havia casos de deficiência visual, de paralisia cerebral. Mas Pedro é o primeiro brasileiro a ir para lá com mielomeningocele.
Ficamos na Tailândia até 30 de setembro. O dinheiro deu para ir, voltar e iniciar o pós-tratamento quando retornamos. Hoje alguns padrinhos arcam com essas despesas.
Sensibilidade
Médicos no Brasil falaram que Pedro Gabriel não iria sentar, não iria andar, que iria usar fralda e sonda o resto da vida. Mas não nos conformamos.
Ele precisou fazer cirurgia nos pés, usar gesso durante dois meses. Ele também não sentia as pernas e, hoje, se você apertar, ele vai dizer, 'ai! Sai!'. Está começando a ter sensibilidade.
Perguntei ao médico o que as células-tronco fariam dentro dele. Ele disse que elas tinham o poder de restaurar o que foi danificado.
Pedro recebeu seis pacotes de células. Foram duas aplicações na veia e quatro na lesão da coluna. Também fez fisioterapia, câmara hiperbárica — que é como um submarino em que ele desce em profundidade para ajuda a sarar feridas e aumentar a quantidade de células no corpo.
Os médicos disseram que seriam seis meses até vermos resultados. Só que a gente já vê. Já no Brasil, ele estava no meu colo e começou a mexer a perninha. Eu pedia e ele mexia. Aí foi muito choro, de felicidade. Ele também está mais ágil. De repente senta, de repente rola no chão. Dia após dia é uma superação.
Primeiro chute
Recentemente, fizeram um torneio para arrecadar dinheiro para ele. Nós fomos ao jogo final e quem deu o primeiro chute na bola foi Pedro, do jeitinho dele.
Em seis meses, minha esperança é que ele esteja de pé, dando os primeiros passos.
Pode ser que as células venham a beneficiar a bexiga, ou o intestino, ou a capacidade motora, para fazer xixi e cocô sozinho, ou ficar de pé. Pode ser que aconteça tudo isso. Tem mães que voltam com um ano para colocar mais células e melhorar onde não teve efeito. Eles não dizem que temos que voltar, mas eu planejo ir novamente.
Hoje, ele faz fisioterapia e Padovan, um método para estimular o cérebro a passar informação para o corpo. Ele também vai fazer hidroterapia, natação.
Vamos esperar seis meses para fazer ressonância e ver como está a medula.
Pela rede pública, tentamos acompanhamento em um centro de reabilitação, mas não tivemos resposta até agora. E não podemos ficar esperando.
As órteses que ele usa (botas para correção dos pés) e alguns exames são fornecidos pelo hospital Sarah Kubitschek, de Fortaleza (CE). A Secretaria Estadual de Saúde (do RN) custeia as passagens de avião para irmos até lá e ajuda com diárias.
Agora, estamos com projeto de abrir uma associação para dar suporte a outras famílias. Para muitas mães, falta força, alguém para incentivar. Mas a gente sempre soube que haveria uma saída."

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