3/12/2015 às 18h17 (Atualizado em 3/12/2015 às 20h40)
Zika vírus se transformou na Ásia e ganhou mais força para infectar humanos
Nova linhagem do vírus já chegou a nove países da América do Sul
Após surto inicial em 2007 houve processo de adaptação do vírus Reprodução/Facebook
O zika vírus, apontado como responsável por um surto de microcefalia no Brasil, está a cada dia mais eficiente e mais adaptado ao organismo humano.
A conclusão é de um estudo divulgado no site bioRxiv (pronuncia-se "bio-archive") por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Institut Pasteur de Dakar, no Senegal. As informações são da Agência Fapesp.
Os cientistas chamam esse processo adaptativo do vírus de “processo de humanização”.
Durante o caminho que percorreu do continente africano até a América — passando pela Ásia e cruzando o oceano Pacífico —, o zika vírus (ZIKV) adquiriu certas características genéticas que tornaram cada vez mais eficiente sua replicação nas células do novo hospedeiro.
Originário da África, ele passou por uma transformação na Ásia, dando origem a uma nova linhagem genética.
Conforme explicam os autores no artigo, a linhagem africana ainda infecta predominantemente macacos e mosquitos do gênero Aedes. Já a linhagem asiática está se espalhando por meio de uma cadeia de transmissão entre humanos nas ilhas do Pacífico e na América do Sul.
Além da picada do mosquito, os cientistas apontam as relações sexuais e as infecções perinatais como rotas alternativas de transmissão.
O primeiro surto significativo conhecido em humanos, causado pela linhagem asiática, ocorreu nos Estados Federados da Micronésia em 2007.
Entre 2013 e 2014, o vírus emergiu novamente e causou uma significante epidemia na Polinésia Francesa, espalhando-se pela Oceania e chegando à América pela Ilha de Páscoa, no Chile, em 2014.
Agora, em 2015, já foi reportado em pelo menos 18 estados brasileiros, a maioria na Região Nordeste, e também em outros oito países da América Latina.
“O ZIKV é um agente zoonótico africano que infecta principalmente macacos e mosquitos. Estudos anteriores sugerem que teriam ocorrido casos esporádicos de infecção em humanos no passado e o vírus teria saído da África por volta da segunda metade do século 20”, diz Paolo Marinho de Andrade Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e coautor do artigo.
— Em 2007 ele causou um primeiro surto em humanos e parece ter havido um processo concomitante de adaptação pelo qual o código genético do vírus passou a mimetizar os genes humanos mais expressos para produzir em maior quantidade proteínas que tornam eficiente sua replicação no novo hospedeiro.
Entre os genes que o zika vírus passou a mimetizar de forma mais evidente destaca-se o da proteína NS1, cujo papel é modular a interação entre o vírus e o sistema imunológico humano.
— A NS1, produzida em grande quantidade, funciona como um sistema de camuflagem para flavivírus, como o vírus da dengue, de quem o ZIKV é o parente mais próximo. Ela deixa o sistema imunológico desorientado. É o mesmo princípio usado por aviões de guerra ao liberar pequenos fogos para despistar os mísseis guiados pelo calor da turbina.
Capacidade de reprodução
Os resultados da pesquisa mostram ainda que o chamado “valor adaptativo” da espécie, que é capacidade de sobreviver e gerar uma progênie também capaz de sobreviver e de se reproduzir, cai drasticamente por volta do ano 2000, quando estaria ocorrendo forte seleção possivelmente associada ao processo de tráfego entre espécies.
A partir desse ponto, a capacidade do zika passa a crescer exponencialmente. Os gráficos do artigo sugerem que o patógeno já se tornou tão (ou mais) eficiente para sobreviver e se reproduzir em humanos quanto era antes em macacos.
A investigação foi conduzida com apoio da FAPESP durante o doutorado de Caio César de Melo Freire, sob a orientação de Zanotto.
O grupo analisou dados de 17 sequenciamentos completos do genoma viral — que continham informação sobre o ano e o local em que o vírus foi isolado — depositados no GenBank, um banco público mantido pelo National Center for Biotechnology Information (NCBI), nos Estados Unidos.
Com base nessas análises e também em um trabalho anterior do grupo, publicado em 2014 na revista PLoS Neglected Tropical Diseases, foi possível determinar o caminho percorrido pelas linhagens africanas e asiáticas e também as alterações genéticas sofridas no percurso.
“As análises feitas com base em dados genéticos sugerem que o vírus está se tornando mais eficiente para produzir suas proteínas em humanos, mas agora precisamos confirmar essa hipótese com ensaios in vitro, colocando linhagens africanas e asiáticas em culturas de células humanas para estabelecer comparações”, comentou Zanotto.
O pesquisador também está organizando uma parceria com cerca de 25 laboratórios de diferentes
regiões do Estado de São Paulo para monitorar como está sendo o espalhamento do vírus na região. Várias unidades dessa rede vão trabalhar diretamente na questão das malformações cerebrais congênitas em associação com serviços de neonatologia.
— Estamos ajustando protocolos comuns para identificar, caracterizar e isolar o vírus. Dada a experiência de nossos colegas na África, o isolamento do vírus em humanos pode apresentar problemas e provavelmente teremos de isolar também de mosquitos. Será uma tarefa pesada, mas não temos outra opção, uma vez que o vírus parece de fato estar envolvido nos casos de microcefalia.
Sugestão da OMS
Na última terça-feira (1º), a OMS (Organização Mundial da Saúde) emitiu um alerta mundialreconhecendo a relação entre a epidemia de Zika vírus e o crescimento dos casos de microcefalia e da síndrome Guillain-Barré no Brasil.
No documento, a OMS recomendou que seus mais de 140 países-membros reforcem a vigilância para o eventual crescimento de infecções, sugeriu o isolamento dos pacientes e disse para as nações ficarem atentas à necessidade de se ampliar o atendimento de serviços neurológicos e de cuidados específicos a recém-nascidos.
“Recebemos de nossos colegas do Institut Pasteur, há alguns dias, uma notificação do Serviço de Vigilância Sanitária em Papeete, na Polinésia Francesa, dizendo que, após reavaliar os dados relacionados a crianças gestadas durante o surto local de ZIKV em 2014 e 2015, foram encontrados 12 casos de mulheres que tiveram filhos com complicações neurológicas sérias. Destas, quatro foram testadas e apresentaram anticorpos contra ZIKV, mas nenhuma manifestou sintomas da doença durante a gravidez”, contou Zanotto.
De acordo com o pesquisador, é preciso investigar se há uma interação entre o vírus da dengue e o ZIKV no desenvolvimento da microcefalia.
— É possível que o vírus da dengue, por ser muito comum nessas regiões, seja apenas um fator de confusão.
Além de causar sintomas parecidos, explicou Zanotto, os vírus da dengue e zika são muitos próximos filogeneticamente. No estudo mais recente, o grupo mostrou que ambos compartilham pedaços da proteína NS1 considerados epítopos, ou seja, que são capazes de serem reconhecidos pelos anticorpos humanos.
— Como os dados desse estudo são de grande relevância mundial optamos por torná-los público imediatamente por meio desse arquivo público on-line. Agora pretendemos submetê-lo para revistas científicas.
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