domingo, 20 de dezembro de 2015

Registros de pessoas com zika podem chegar a 1,5 milhão até fim do ano

Estimativa é para todo o país; Diagnóstico é uma das maiores dificuldades

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Daiane Mara fez parte do grupo de pacientes (25% do total) que apresenta sintomas quando pega zika. E o caso dela foi grave: chegou a perder a capacidade de fechar as mãos - Custódio Coimbra / Custodio Coimbra
RIO — Os sintomas chegaram rapidamente, e todos de uma vez. No meio da madrugada, os dedos começaram a inchar, as pernas passaram a formigar e manchas vermelhas se espalharam pelo corpo. Daiane Mara, de 30 anos, foi atendida na UPA de Campinho na manhã do último domingo de novembro. Ela recebeu tratamento para alergia e chegou a trabalhar na segunda-feira. No entanto, o quadro piorou e a atendente de telemarketing teve de ser internada. Dois dias depois, médicos apresentaram um novo diagnóstico: zika. A doença foi tratada com soro, água e repouso.
Após dez dias de licença, a preocupação da paciente com os males transmitidos pelo Aedes aegypti só aumentou. Daiane já teve dengue duas vezes e, desde outubro, pelo menos 20 pessoas da vizinhança apresentaram sintomas da doença, que são semelhantes aos da zika.
— Eu já desconfiava que poderia ser zika porque meu pai teve a doença pouco tempo antes. Agora, no condomínio de casas onde moro, a maioria das pessoas cuida para que não haja focos do mosquito, devido ao grande número de casos. Mas, infelizmente, não conseguimos limpar um terreno particular abandonado que fica numa vila próxima — lamenta Daiane.
MÉDICO DEMONSTRA PREOCUPAÇÃO
O combate a surtos virais foi o tema da última edição do ano do projeto Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, coordenada pelo médico Cláudio Domênico e realizada na última quarta-feira. No mesmo dia, o Ministério da Saúde confirmou a relação do vírus zika com a síndrome de Guillain-Barré, inflamação dos nervos que pode deixar uma pessoa paralisada. No fim de novembro, o órgão já havia confirmado a associação entre o zika e a microcefalia — malformação em que o bebê nasce com o cérebro menor e menos desenvolvido.
— Projeções indicam que, no pior cenário, terminaremos o ano com quase 1,5 milhão de registros de pessoas infectadas por zika no Brasil. Na melhor das hipóteses, serão 500 mil casos. Nenhuma das duas perspectivas é boa — disse Celso Ramos Filho, infectologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e palestrante do evento na Casa do Saber O GLOBO, na Lagoa.
Segundo o médico, uma das grandes dificuldades relacionadas tanto ao zika quanto à dengue é o diagnóstico. Ambos são classificados como flavivírus, assim como a febre amarela. Logo, não é raro que o exame PCR, utilizado para detectar o zika, confunda o vírus com outros da mesma família. Então, quem já teve dengue, por exemplo, pode receber um exame positivo para zika apenas porque não se pôde distingui-lo do vírus da dengue.
Para um resultado preciso, o exame deve ser feito até cinco dias após o início da infecção. Ainda não existe um teste sorológico que determine se a pessoa teve zika meses ou anos atrás. Para piorar a situação, os vetores que transmitem essas doenças — não só o Aedes aegypti, mas também o Aedes albopictus — estão em crescente circulação. O primeiro vem sendo considerado a maior ameaça, já que é o mais encontrado nas cidades.
— As doenças transmitidas pelo Aedes são o maior problema de saúde pública deste século — destacou Ramos Filho.
E a previsão do especialista é que, com as mudanças climáticas, o ciclo de transmissão dessas doenças fique mais acelerado, pois as temperaturas deverão aumentar.
— Não temos qualquer perspectiva de eliminação da dengue. Esse é um problema não só do Brasil, mas mundial. Afeta toda a área intertropical do planeta que não tem desertos ou elevações. O zika é um problema novo, mas acredito que não suplantará a dengue, porque esta tem quatro sorotipos. O zika só tem um — afirmou o médico.
EVENTUAIS DANOS NEUROLÓGICOS
Estima-se que, em 75% das infecções por zika, o paciente não apresenta qualquer sintoma. E, entre os casos sintomáticos, a maioria não causa reações severas como as de Daiane Mara. O pai dela, por exemplo, mal ficou com vermelhidão na pele, e se curou sem necessidade de internação.
— Ao contrário de meu pai, fiquei com as pernas e os braços completamente dormentes. Não conseguia fechar as mãos para segurar nada. Precisei de ajuda para tomar banho no hospital — lembrou Daiane. — Só me deram alta depois de uma avaliação de um neurologista.
De acordo com o infectologista Ramos Filho, muitos tipos de vírus podem gerar uma reação no organismo que acaba afetando o sistema nervoso. Mas ele considera precipitado o Ministério da Saúde estabelecer uma relação direta entre o zika e a síndrome de Guillain-Barré:
— Uma observação isolada, de alguns casos, não é suficiente. Precisamos de mais pesquisas, não de alarmismo.
Durante a palestra, José Cerbino, vice-diretor de Serviços Clínicos do INI/Fiocruz, destacou que é importante o uso de repelentes e mosquiteiros.
— Há uma extensa literatura científica confirmando a eficácia de repelentes. Não devemos considerá-los uma medida de saúde pública porque não atingem a origem do problema, que é o criadouro do mosquito, mas são valiosas medidas de proteção individual. Quanto aos mosquiteiros, é essencial usar os que são impregnados de permetrina, substância que repele os insetos — recomendou Cerbino.
O médico lembrou o quão rapidamente uma doença viral se espalha pelo mundo nos dias de hoje, com as distâncias encurtadas pela globalização. Por isso, ele frisou a importância da medicina de viagem, um ramo que visa a impedir — por meio de vacinas e cuidados com higiene — que doenças circulem. Cerbino alertou que isso pode ocorrer com mais facilidade durante as Olimpíadas, no próximo ano.
— Quando há entrada e saída de muitos turistas, o risco é maior. O próprio zika pode ter chegado ao Brasil na Copa do Mundo ou mesmo em eventos menores, como uma competição de canoagem que ocorreu em 2014 e recebeu muitos atletas da Polinésia Francesa, país que teve surto desse vírus em 2013.
COMO SE PREVENIR
Eliminar criadouros: A arma mais importante e eficaz contra os mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus — ambos transmissores de dengue, zika e chicungunha — é acabar com possíveis focos. Entre eles, garrafas destampadas e com a boca virada para cima, pneus e lixo a céu aberto, vasos de plantas e tampinhas, além de caixas d’água que não são vedadas. Todos esses recipientes acumulam água parada se não forem vistoriados semanalmente. E uma fêmea de Aedes coloca cerca de cem ovos na superfície da água.
Denunciar focos: Na cidade do Rio, é possível denunciar a existência de casas ou terrenos abandonados, ou ainda de criadouros mesmo em residências habitadas, pelo telefone 1746, da prefeitura.
Usar repelentes: Os produtos considerados mais seguros e eficientes pela Anvisa e a Organização Mundial da Saúde (OMS) são os repelentes à base de icaridina, DEET e IR3535. Segundo esses órgãos, os três podem ser usados tanto por grávidas quanto por crianças pequenas. A única diferença é que a proteção oferecida pela icaridina chega a dez horas, enquanto as outras duas substâncias perdem o efeito em até quatro horas. Portanto, esses repelentes precisam ser reaplicados com maior frequência. A vantagem é que o DEET e o IR3535 são princípios ativos mais baratos.
Investir em mosquiteiros: Especialmente para crianças, é recomendável que a cama seja envolvida por mosquiteiro, de preferência impregnado de permetrina. Esta é uma substância que ajuda a afastar os mosquitos. As gestantes preocupadas com a epidemia de microcefalia também devem usar a peça ao dormir.
Proteger a casa: Telas nas janelas são uma ótima proteção. Além disso, o uso de ar-condicionado, quando possível, inibe o mosquito.

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